Notícia n. 932 - Boletim Eletrônico IRIB / Agosto de 1999 / Nº 114 - 24/08/1999
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
114
Date
1999Período
Agosto
Description
DOUTRINA: O restabelecimento da união conjugal e o Registro de Imóveis - (João Baptista Galhardo, Registrador) - Seja qual for a causa da separação, e o modo como esta se faça, é permitido aos cônjuges restabelecer a todo tempo a sociedade conjugal, nos termos em que fora constituída - contanto que o façam mediante requerimento nos autos da ação de separação ou nos autos do pedido de separação consensual. A reconciliação em nada prejudicará os direitos de terceiros, adquiridos antes e durante a separação, seja qual for o regime de bens (Lei 65l5/77, art. 46, § único). A reconciliação só pode ser feita depois de sentenciada definitivamente a separação litigiosa ou homologada a consensual. Antes dessa fase, não há que se falar em restabelecimento da sociedade conjugal. Se houver reconciliação antes da separação definitiva, deverá ser formalizada a desistência do pedido e não restabelecimento do casamento no sentido técnico jurídico. O restabelecimento será feito nos mesmos termos em que constituída a sociedade conjugal. Não pode o casal, por exemplo, restabelecer sob regime de bens diferente. E se o Juiz deferir o restabelecimento da sociedade conjugal de forma diferente dos termos em que constituída, o Ministério Público, como fiscal da lei, pode e deve recorrer da decisão. Já a reconciliação de divorciados só pode ser feita mediante novo casamento (art. 33, Lei 6515/77). Aí, sim, poderão os divorciados estabelecer regime de bens diverso do adotado no casamento desfeito. A sentença que homologar o restabelecimento da sociedade conjugal, deve ser averbada no registro civil das pessoas naturais (art. 29, parágrafo 1o , a, cc. art. 101 da Lei 6015/73). O registrador civil não efetuará a averbação do restabelecimento se não estiver antes averbada a separação. Nem o Juiz pode homologar o restabelecimento sem a prova de já estar ali averbada a separação. Da mesma forma, não pode o registrador de imóveis averbar o restabelecimento sem que esteja averbada a separação da sociedade conjugal. Para a averbação (art. 167, II, 10 LRP) deverão os cônjuges juntar ao requerimento (art. 246 LRP) a certidão atualizada do Registro Civil das Pessoas Naturais, da qual conste a averbação do restabelecimento. Lembrou, com muita propriedade, o saudoso colega Peri Carlos Pael Lopes: "... é muito comum alguns magistrados brasileiros determinar a expedição de mandado judicial determinando o cancelamento do ato que deu origem à separação judicial constante do assento imobiliário e, por conseguinte, a averbação do restabelecimento da sociedade conjugal. Não há que expedir mandado para o Registro Imobiliário... E o que é pior: alguns registradores o cumprem, colocando na respectiva averbação que a proprietária voltou a usar o nome de casada, ou seja, esquecendo-se ele, oficial de registro, das disposições contidas no parágrafo único, in fine, do art. 246 da LRP, que preceitua que a alteração do nome só poderá ser averbada quando devidamente comprovada por certidão do Registro Civil de Pessoas Naturais". (Atos dos registradores imobiliários, 1ª edição, 1995, pág. 243). O processo 441/97, da Comarca da Capital de São Paulo, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado, noticia o não cumprimento de um mandado judicial determinando o cancelamento de todas as anotações existentes nas matrículas, pertinentes à separação e reconciliação. E mais ainda, queriam os recorrentes que depois de canceladas "as anotações", as informações deveriam ser omitidas em futuras certidões a serem expedidas. Ao recurso foi negado provimento. O Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, Desembargador Márcio Martins Bonilha, em l7/3/l997, aprovou e adotou por seus fundamentos, minucioso e brilhante parecer do estudioso Juiz Corregedor Marcelo Fortes Barbosa Filho, que assinalou: "A questão controvertida, na espécie, diz respeito à investigação da persistência de um conflito entre o resguardo ao direito à intimidade e a prática de atos de averbação, referentes à mutação do estado civil". E continua: "Merece, ainda, ficar esclarecido que não houve, de parte do registrador, o descumprimento à ordem judicial em questão. Com absoluta propriedade, Afranio de Carvalho (Registro de Imóveis, Forense, Rio de Janeiro, l976, p. 158) explica que: 'O cancelamento não é a destruição ou truncamento material da inscrição. Não há desfazimento material, mas apenas jurídico, da inscrição pois apenas se opõe ao assento positivo dela o assento negativo do cancelamento. Assim como a inscrição declara que o direito inscrito existe, o cancelamento declara que deixou de existir. A declaração positiva da inscrição, constante de um assento, é anulada pela declaração negativa do cancelamento, constante de outro. Ao adotar esta forma de cancelamento, que não inutiliza ou rasura o assento cancelado, o registro evita turvar o histórico das mudanças de situação jurídica do imóvel. Assim, o assento principal é conservado, de modo que possa ser lido em qualquer tempo, mas com a declaração de seu cancelamento, e, onde se acrescentar o sublinhado vermelho do fólio alemão, também a sua marca distintiva'. Os recorrentes, à evidência, portanto, conferiram significado errôneo e equivocado ao vocábulo 'cancelamento', o que já ocorria quando elaborado o texto do mandado cuja cópia se encontra anexada a fls. 11. Diante do recebimento de uma ordem de cancelamento, o registrador não pode, sob pena de se configurar falta administrativa de gravidade acentuada, promover a destruição material de um ou mais assentamentos, mas, isso sim, praticar novo ato registral, de natureza negativa, tal qual o empreendido. Tal ato assume sempre a forma de averbação, nos exatos termos do artigo 248 da Lei 6ol5/73, na qual, obrigatoriamente, se faz menção ao título e ao motivo determinantes de sua elaboração. Ocorreria uma séria brecha à segurança do sistema registrário, caso, como o proposto pelos recorrentes, fosse permitida a destruição física de assentamentos e ao ser emitida a ordem judicial em questão, é claro que não se poderia pretender fosse empreendido tal proceder. A ordem, porém, foi instrumentalizada em mandado que continha patente impropriedade de redação, pelo que ao interpretar o comando, cuidou o registrador de o ajustar à realidade do fólio real e o fez de maneira correta". Se, para a averbação no Serviço Registral, for apresentado o mandado ou certidão da sentença de homologação, deve, o registrador, exigir, também, a certidão atualizada do assento do casamento, com a imprescindível averbação, que deve preceder a do registro imobiliário. A averbação será feita na matrícula no sentido de ficar constando que, por sentença de tal data, transitada em julgado, proferida nos autos de separação judicial (proc.), foi restabelecida a sociedade conjugal do casal proprietário, conforme certidão expedida em (data) pelo Registro Civil das Pessoas Naturais de (local), extraída do assento da casamento (número), livro (número), fls. (folhas), voltando a requerente a usar o nome de casada (nome). Havendo registro de partilha, não extrapola o registrador se consignar que fica restaurado o registro de aquisição do bem pelo casal. Isto porque, com o restabelecimento da sociedade conjugal, o registro da partilha perde sua eficácia, deixando de produzir - entre os cônjuges - os efeitos jurídicos calcados na sentença dissolutória, desconstituída pela reconciliação legal. Na prática, poderão ocorrer hipóteses interessantes. Por exemplo: Abelardo e Heloísa adquirem quatro imóveis, por título oneroso, na constância do casamento sob o regime da comunhão parcial de bens. Resolvem se separar, dissolvendo legalmente a sociedade conjugal, partilhando os imóveis. Depois de averbada no Registro Civil das Pessoas Naturais, vão ao Registro de Imóveis para averbar a separação e registrar a partilha nas respectivas matrículas. Abelardo fica com os imóveis A e B. Heloísa com C e D. Abelardo dá o imóvel A em hipoteca, para garantir empréstimo por ele contraído, permanecendo o B em seu nome. Heloísa vende o imóvel C e se compromete vender o D. Para complicar : Abelardo presta fiança. E Heloísa com o dinheiro da venda do imóvel C adquire o imóvel E. Tempos depois, se perdoam e entre juras de amor renovado, refazem o lar e restabelecem a sociedade conjugal. Averbam a sentença de homologação no Registro Civil das Pessoas Naturais e requerem o mesmo procedimento no registro imobiliário. Na matrícula do imóvel vendido por Heloísa, não se procede o ato averbatório porque já definitivamente transmitida a propriedade. A averbação deve ser procedida nas demais matrículas, porque os imóveis A, B e D, voltam para o patrimônio do casal. E os dois deverão dar cumprimento tanto à hipoteca como ao compromisso. Heloísa não precisa ratificar a hipoteca. Nem Abelardo o compromisso. A fiança prestada como separado não precisa da ratificação da esposa. Ela foi prestada com o preenchimento das formalidades do momento. E como fica a situação jurídica do imóvel E? Aquele que Heloísa comprou com o dinheiro da venda do imóvel C? É bem próprio e incomunicável a Abelardo? Restabelecida a sociedade conjugal, passará a fazer parte do patrimônio comum. O estado civil primitivo se recompõe em toda sua plenitude quanto aos efeitos pessoais e patrimoniais. A reconciliação produz entre os cônjuges efeitos ex tunc. Não é caso de se aplicar o artigo 269, II, do Código Civil. Não houve a chamada sub-rogação real. Para que tenha esse efeito, "deve o bem ser adquirido com valores exclusivamente pertencentes ao do bem substituído", pois, "se com valores dele concorrerem valores da comunhão ou do outro cônjuge estabelecer-se-á um condomínio" (Clóvis Bevilacqua, Código Civil Comentado, 7ªed. v.II, 190, Rio, Francisco Alves, 1943). Restabelecido, de direito, o casamento, restaura-se, a partir da data de sua celebração, como se nunca tivesse desfeito. Como se nunca desmanchado e nos mesmos termos anteriores. Desta forma entra na comunhão o imóvel adquirido na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges (art. 271 CC.). Não se trata, também, de bem incomunicável nos termos do art. 272 do CC., porque não teve por título uma causa anterior ao casamento. Seria bem reservado nos termos do art. 246 do CC? Também não. Além de não se enquadrar nos requisitos do mencionado artigo, este não vige mais. Atualmente, só se pode falar - bem reservado - aquele adquirido daquela forma e antes da atual Constituição, uma vez que o art. 246 do Código Civil foi tacitamente revogado pelo art. 226, parágrafo 5., da Carta Magna. A Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo já se pronunciou pela "impossibilidade da aquisição de bens reservados pela mulher casada, no regime da nova ordem constitucional.." (Ap. Civ. 35.020 0/2- DOJ 15.4.997 - S. Paulo - Relator Des. Márcio Martins Bonilha). A sentença dissolutória perde sua eficácia com a reconciliação. Se o bem possuído durante a separação - a título oneroso- se comunicaria se fosse adquirido na constância do casamento, não pode permanecer incomunicável ou próprio de apenas um dos cônjuges, se restabelecida legalmente a sociedade conjugal, sob pena de violação do regime de bens originariamente adotado e que não pode ser modificado (art.230 do CC.). Repita-se: a sentença homologatória do restabelecimento do casamento tem efeitos ex tunc. Não pode haver restabelecimento condicionado, ou seja, p. ex. subordinar a reconciliação à incomunicabilidade de um imóvel, qualidade que não existiria em razão do regime da comunhão parcial. Nem o Juiz pode estabelecer novas condições para a eficácia do restabelecimento. Se quiserem os cônjuges estabelecer novo regime, que se divorciem e casem de novo, com outro acordo sobre os bens. Se houve descompensação patrimonial se durante a separação um foi pródigo e péssimo administrador e o outro se julgar prejudicado, a solução é fácil: não restabeleça de direito o casamento. Reconcilie e mantenha o restabelecimento de fato e não o legal . Ou então - divorciem - casem de novo- e o prejudicado que exija novas regras quanto aos bens. Em suma: o que os cônjuges contrataram como separados, deve ser cumprido, porque a lei do divórcio deixa claro que a reconciliação em nada prejudicará os direitos de terceiros, adquiridos antes e durante a separação, seja qual for o regime de bens. E com relação aos cônjuges, volta a comunicação dos direitos e obrigações, conforme o estado original, porque a união conjugal é restabelecida nos mesmos termos em que fora constituída e como se nunca fora desfeita. E como o "vaivém conjugal" virou moda, está aí um tema intrigante para o profissional do direito quebrar cabeça
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
932
Idioma
pt_BR