Notícia n. 861 - Boletim Eletrônico IRIB / Julho de 1999 / Nº 108 - 21/07/1999
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
108
Date
1999Período
Julho
Description
HIPOTECA - O OCASO DE UM GRANDE INSTITUTO - Na edição do Boletim #96, de junho passado, noticiamos a propositura de projeto de lei mal inspirado no caso ENCOL. Noticiamos que, por proposta do Deputado Federal Nelson Micheletti (PT/PR) tinha sido apresentado o projeto de lei 3580, de 1997, que à guisa de proteger o consumidor de bens imóveis em loteamentos e incorporações imobiliárias, acabava por ferir de morte o instituto da hipoteca. E desnecessariamente. A Comissão de Economia, Indústria e Comércio da Câmara, contudo, rejeitou o projeto do deputado, nos termos do Relator, Dep. Rubem Medina. Conheça abaixo o parecer do nobre deputado: I - RELATÓRIO A proposição em epígrafe modifica dispositivos dos Estatutos de Condomínio em Edificações e Incorporações Imobiliárias, Lei n.º 4.591/64, e de Parcelamento do Solo Urbano, Lei 6.766/79, determinando, em caso de falência ou execução de hipoteca, o privilégio dos créditos pagos por candidatos à aquisição de unidades, compradores e promitentes compradores, cessionários e promitentes cessionários, inclusive sobre eventuais garantias hipotecárias. No prazo regimental, não foram oferecidas emendas ao Projeto. É o relatório. II. VOTO DO RELATOR Os objetivos do nobre Autor, Deputado Nedson Micheletti, são sem dúvida meritórios, com grande repercussão social e particular oportunidade, dado, por exemplo, o recente, e tristemente notório, problema da Construtora Encol, a qual, ao atingir estágio de insolvência, deixou prejudicadas, com obras inacabadas, mais de quarenta mil famílias em nosso País. Sem embargo, pareceria a todos razoável, em uma primeira aproximação, conceder aos adquirentes de unidades habitacionais e lotes preferência em seus créditos - hoje relegados, em princípio ao rol dos sem garantia, com o agravante de não terem liquidez - com relação a credores muito mais fortes economicamente, tais como os financiadores imobiliários. Alguns cuidados, todavia, há que se ter com a matéria, sob pena de subverter os princípios do ordenamento pátrio no que concerne ao concurso de credores, e sem que tal violência resulte ganho efetivo para os adquirentes atuais e futuros, que se pretende proteger. Vale dizer, deve-se evitar prejudicar o desempenho da indústria da construção civil - como se sabe, intensivamente empregadora de mão-de-obra de baixa qualificação, aquela que mais dificuldades encontra para obter colocação no mercado de trabalho - sem que disso resulte efetiva melhoria na proteção dos promitentes compradores. De se ver, por exemplo, inicialmente, no aspecto técnico que a Proposição fala de "crédito privilegiado" para os adquirentes e promitentes compradores, mas o coloca explicitamente com preferência sobre crédito de garantia real como a hipoteca. Cabe ao legislador, obviamente, definir, de acordo com apreciação política maior, a ordem das preferências de créditos, notadamente nos episódios concursais, mas há de se preservar a técnica legislativa e jurídica e, na medida do possível, a compatibilidade com os institutos no direito comparado, sob pena de muito se perder na efetividade e eficiência do direito. Nesse sentido, admitir, como se pretende, que um credor dito privilegiado receba antes de outro com garantia real, quando, na ordem normal, seguiria os preferenciais e precederia os quirografários, é fazer fábula rasa do significado presente de tais institutos. Ter-se-ia, para manter o pretendido, que reconstruir as bases jurídicas do processo de concurso de credores, remodelando o conceito de "crédito privilegiado", o qual, hoje em qualquer de suas categorias, não abarcaria tal inserção. Defeito ainda mais grave, contudo, macula, que nos parecer, a Proposta em tela, desta feita com referência ao mérito da mesma. Não há, em verdade, distinção no Projeto ao relativizar seu privilégio atual, entre hipotecas anteriores ou posteriores à constituição do direito dos adquirentes, tanto quanto nenhuma referência se encontra, sequer na Justificação, à possibilidade, hoje existente, de registro de promessas de compra e venda. Ora, sabe-se que, na atual conformação legal, levadas a Registro as promessas de compra e venda, seja de lotes ou unidades incorporadas, surge direito real para o promitente comprador, o qual impede a constituição de hipoteca sobre seu imóvel tanto quanto afasta o mesmo, mediante embargos de terceiros ou pedido de restituição, no juízo de quebras, do corpo dos bens da massa, sujeitos `a liquidação e rateio na falência. Em outras palavras, já estão postos, em boa medida, instrumentos normativos que facultam a necessária proteção aos promissores compradores. O que ocorre contudo, na prática, é que, de forma quase corriqueira, tem-se admitido que incorporações e loteamentos sejam realizados e levados a público sem que se obedeçam os requisitos estabelecidos em lei, e que dão as condições para o Registro. Somando-se a isto, também ocorre, em outra vertente, que os consumidores em questão, desavisados, não tomam os devidos cuidados, garantindo seus direitos, apesar de, à época da compra, terem possibilidade de Registro. Ambos os problemas, contudo, são de ordem fática e pragmática, e não normativa, cabendo, mais do que alterar a legislação, buscar conscientizar os consumidores e exigir das autoridades administrativas e do Ministério Público, mais energia para coibir incorporações e loteamentos irregulares - fazendo uso inclusive de meios penais, como determinam os Estatutos em questão - atuando, assim, preventivamente em relação a situações como as que hoje vivenciam os promitentes compradores da Encol. Por outra feita, ao não distinguir hipóteses constituídas antes ou depois da relação contratual entre o adquirente e os incorporadores, e, ainda, com ou sem seu conhecimento e consentimento, o Projeto virtualmente inviabiliza a obtenção de financiamento bancário para a construção, o que se faz, regularmente, mediante garantia hipotecária. Em outros termos, buscando sanções a práticas de todo irregulares - como ocorreu comumente, uma vez mais, a se crer no noticiário, no caso Encol - de estabelecimento de hipotecas sobre bens já alienados, tira-se, com efeitos deletérios sobre a oferta de imóveis, a produção e o emprego, grande parte da eficácia potencial do maior instrumento de alavancagem de crédito bancário com que conta a indústria da construção civil, já que ainda não tornado realidade, em grande escala, como desejamos todos, o novo Sistema Financeiro Imobiliário, o qual operará não mais com hipotecas, mas sim com alienação fiduciária em garantia dos bens imóveis. Diga-se, ainda, por pertinente, que a constituição de hipotecas sobre bens já alienados, muitas vezes com quitação - preocupação maior do projeto em tela - vêm sendo, como não poderia deixar de ser, sistematicamente anuladas na via judicial. Em que pese a dificuldade, que reconhecemos, dos adquirentes bancarem os custos de uma demorada demanda judicial - sem falar no desgaste emocional envolvido - queremos crer que este é um fator a mais a recomendar cautela e apontar para a inoportunidade das mudanças propostas. Por todo o exposto, nosso Voto é pela rejeição do Projeto de Lei n.º 3.580 de 1997. Sala da Comissão em / *** de 1998. Deputado Rubem Medina, Relator III - PARECER DA COMISSÃO A Comissão de Economia, Indústria e Comércio, em reunião ordinária realizada hoje, REJEITOU, unanimemente, o Projeto de Lei n.º 3.580/97 nos termos do parecer do Relator, Deputado Rubem Medina. Estiveram presentes os Senhores Deputados: Robson Tuma - Presidente, Luiz Braga, Herculano Anghinetti e Antônio do Valle - Vice-Presidentes, Airton Dipp, Edison Andrino, Enivaldo Ribeiro, João Pizzolatti, José Coimbra, Marcelo Déda, Moisés Bennesby, Odacir Klein, Rubem Medina, Francisco Dornelles, Gonzaga Mota e José Machado. Sala da Comissão, em 02 de dezembro de 1998. Deputado Robson Tuma, Presidente
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861
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pt_BR