Notícia n. 771 - Boletim Eletrônico IRIB / Junho de 1999 / Nº 96 - 20/06/1999
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
96
Date
1999Período
Junho
Description
A FUNÇÃO ECONÔMICA DA PUBLICIDADE REGISTRAL (Fernando P. Méndez González - registrador - Espanha. Trad. Sérgio Jacomino) - 1. Introdução O presente estudo tem por finalidade a realização de um esboço sobre a função econômica do sistema registral (qualquer sistema registral), bem assim uma exposição dos pressupostos necessários para que tal função possa ser desempenhada do modo mais eficiente possível. Faremos algumas referências históricas, bem como considerações específicas em relação a países em fase de transição a uma economia de mercado. Algumas destas idéias foram expostas em trabalhos anteriores como "La función calificadora: una aproximación al análisis económico del Derecho" e "La primera inscripción en los Registros jurídicos", trabalho inédito que constitui a contribuição espanhola ao XI Congresso Internacional de Direito Registral. A presente intervenção é, em grande medida, uma adaptação de algumas das idéias que ali se contêm orientadas ao objetivo a mim encomendado. 2. Função econômica. Pressupostos. A função econômica dos sistemas registrais pode ser contemplada a partir de diferentes aspectos e desde óticas muito distintas. Se ativermo-nos à origem histórica da maior parte dos sistemas registrais, poderíamos afirmar que a razão inicial de sua implantação foi, originariamente, possibilitar que a riqueza imóvel de um indivíduo, de uma família e, por extensão, de uma nação, pudesse servir de garantia ao crédito, a grande alavanca de toda a economia moderna inicialmente, ao crédito agrícola, posteriormente ao crédito destinado à aquisição da própria moradia e, finalmente, a todo tipo de crédito. Sirva como o exemplo a Exposição de Motivos da primeira Lei Hipotecária espanhola propriamente dita, a de 1861: "Nuestras leys hipotecarias están condenadas por la ciencia y por la razón, porque ni garantizan suficientemente la propriedad, ni ejercen saludable influencia en la propriedad pública, ni asientan sobre sólidas bases el crédito territorial, ni dan actividad a la circulación de la riqueza, ni moderan el interés del dinero, ni facilitan sua adquisición a los dueños de la propriedad inmueble, ni aseguran debidamente a los que sobre esta garantía prestan sua capitales. En esta situación la reforma es urgente e indispensable para la creación de Bancos de crédito territorial, para dar certidumbre al domínio y a lods demás derechos en la cosa, para poner límites a la mala fe, y para libertar al proprietario del yugo de usureros despiadados". Dificilmente, poder-se-ia expressar melhor e mais eloqüentemente as funções essenciais de um sistema imobiliário registral e, mais especificamente, de um Registro Imobiliário (Legal Cadastre). A finalidade essencial é, pois, assentar sobre sólidas bases o crédito territorial, para que possam desenvolver-se Bancos territoriais, moderando-se os juros, para o que é necessário conferir certeza de domínio e direitos reais sobre a coisa. Insistindo nesta idéia, continuava rezando a Exposição de Motivos: "La condición más esencial de todo sistema hipotecario (equivalente a "registral" na terminologia da época), cualquiera que sean las bases en que descanse, es la fijeza, es la seguridad de la propriedad: si ésta no se registra ... desaparecen todas las garatías que puede tener el acreedor hipotecario". Como seguia assinalando a Exposição de Motivos, desde COLBERT todas as nações que abordaram esta questão intentaram resolver um duplo problema: (a) adquirir sem o temor de perder o adquirido (b) instituir hipoteca sobre bens de raiz com a segurança de que a garantia não será ineficaz pois, "el peligro que incesantemente corren los acrreedores suelen compensarlo com intereses exorbitantes". Realmente, muito pouco poderia ser acrescentado a esta magistral exposição acerca da finalidade primária, ao menos em um sentido diacrônico, de um Registro Imobiliário: que a propriedade imobiliária possa servir de sólida garantia jurídica, assim como de seu pressuposto inexcusável, a segurança jurídica da propriedade. Analizaremos cada um desses aspectos separadamente, começando pelo segundo. 2.1 Juridicamente, quando se pode considerar "seguro" um property right imobiliário? Quando se dão duas condições: 1) quanto todos sabem que ninguém pode discutir judicialmente com êxito a titularidade do proprietário 2) quando o proprietário, no momento de realizar a aquisição, conhece todos os ônus que pesam sobre o imóvel, de tal modo que: ou poderiam se opor, eventualmente, a seu direito (ex. hipoteca, que no caso de inadimplemento do crédito garantido pode acarretar uma alienação forçada a favor de pessoa distinta, cuja aquisição se oporá ao comprador do bem hipotecado) ou poderia ser diminuído o valor do bem adquirido (ex. servidão de passagem). O conhecimento desses fatos é essencial por duas razões: a) para decidir se realiza (ou não) a aquisição (i.e., se destina a essa finalidade uma quantidade limitada de recurso, normalmente pecuniária, suscetível de usos alternativos b) para poder calcular o "justo preço" da aquisição e, em conseqüência, evitar o desperdício de recursos, limitados por definição. 2.2 Como se pode conseguir que um property right imobiliário seja "seguro" em um sentido jurídico? O problema e a necessidade de regras institucionais Para abordar esta questão, partiremos de um exemplo simples: suponhamos que A adquirisse de B um bem imóvel através de um contrato, v.g. compra e venda. O primeiro e indispensável requisito para que A se torne proprietário é que B o seja. Mas, como pode saber A que B é o verdadeiro proprietário e se o bem está gravado com os ônus que B lhe manifesta? Resolver esta questão é da maior importância, pois se não se encontra uma regra institucional a este problema que propõe a economia de mercado, o hipotético comprador enfrentará muitas dificuldades em saber se o vendedor é, realmente, o único proprietário legítimo e, no caso de realizar-se uma operação de intercâmbio, o adquirente correria o risco de que pudessem surgir outras pessoas que reivindicassem o direito adquirido. Em tal situação, as pessoas teriam que dedicar muito tempo e despender muitos esforços a fim de informarem-se sobre o estatuto jurídico dos bens que poderiam ser adquiridos e a investigar os possíveis ônus que gravassem o bem e que o transmitente, eventualmente, por um comportamento oportunista, poderia ocultar. Pensemos que um dos problemas principais que se apresentava na Espanha, assim como em outros países, anteriormente a 1861, é o denominado "crimen stellionatus", isto é, a ocultação ao comprador, pelo vendedor, de ônus que pesavam sobre o imóvel. As incertezas inerentes a dita situação converter-se-iam em uma fonte de custos pessoais que o comprador haveria de levar em conta. Se a soma de todos esses custos é demasiado elevado em relação às futuras utilidades que a operação de compra e venda poderia produzir, dita operação não se celebraria e os recursos permaneceriam "infrautilizados", o que acarretaria que o mecanismo que faz com que os recursos sejam dirigidos a atividades úteis à sociedade ficaria bloqueado e a economia e a sociedade seriam menos eficazes. Ademais, há que se levar em conta - desejo sublinhar a importância deste aspecto da questão - que em semelhante situação, tampouco o prestamista consideraria a propriedade assim adquirida como uma garantia suficientemente sólida para seus investimentos, razão pela qual não se disporia a financiar, ou então - como já dizia a Exposição de Motivos da Lei Hipotecária referida - compensaria tal incerteza com juros exorbitantes. Em suma: se produziria menos e a sociedade seria menos eficiente. Uma situação semelhante está longe de ser pura ficção. Pode-se encontrá-las freqüentemente em muitas sociedades do terceiro mundo, especialmente na África. Para alguns autores que se detiveram sobre o assunto, as dificuldades que as sociedades tradicionais parecem encontrar para integrar o conceito europeu de propriedade e adaptar às suas necessidades as regras dinâmicas da economia de mercado, não se devem ao fato de que a própria noção de propriedade seja incompatível, por definição, com seus sistemas culturais - como sustentaram a seu tempo os teóricos do socialismo africano. Deve-se, simplesmente, ao caráter rudimentar de seus mecanismos jurídicos, impotentes para enfrentar eficazmente os complexos problemas que se apresentam no desenvolvimento de uma economia baseada no intercâmbio. Para que a moderna economia de mercado chegasse a atingir seu atual estado de desenvolvimento foi necessário que, com anterioridade, se chegasse a acumular uma experiência jurídica e cultural muito importante. É precisamente esta experiência a que falta aos países que esbarram em dificuldades em seu caminho rumo a uma economia de mercado. O supra referido põe de manifesto a extrema importância de gerar regras institucionais que permitam solucionar satisfatoriamente a questão proposta. (continua no próximo Boletim de Domingo)
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