Notícia n. 4857 - Boletim Eletrônico IRIB / Agosto de 2003 / Nº 763 - 04/08/2003
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
763
Date
2003Período
Agosto
Description
Contrato de trabalho. Escrevente de cartório extrajudicial. Regime laboral – CLT ou estatutário. - Processo trt 15ª região n.º 275-2002-120-15-00-4 ro (26723/2002-ro-6) recurso ordinário Recorrente: AAGPM Recorrido: Cartório de registro de imóveis e anexos de Taquaritinga Origem: 2ª vara de Jaboticabal. Contrato de trabalho. Escrevente de cartório extrajudicial admitido antes da lei n. 8.935/94. Impossibilidade de reconhecimento. O escrevente de cartório extrajudicial, admitido antes da Lei n.° 8.935, de 18 de novembro de 1994 e que não optou pelo regime celetista, quando do advento desta, não é empregado, mas servidor público em sentido lato, submetido a regime de trabalho especial previsto no Decreto-Lei Complementar Estadual n.° 3, de 27 de agosto de 1969, e no Decreto-Lei Estadual n.° 159, de 28 de outubro de 1969. Ademais, dadas as limitações impostas pelas normas que regem as atividades dos cartórios extrajudiciais, nem estes, nem seus titulares, podem ser considerados empregadores, nos termos do art. 2° da CLT. Improcedência mantida. Recurso ordinário a que se nega provimento. Inconformada com a r. sentença de fls. 302/307, cujo relatório adoto, e que julgou improcedente a ação, recorre a reclamante, por meio das razões de fls. 312/329, argumentando que o vínculo de emprego existiu, já que, embora por delegação do poder público, os cartórios exercem atividade de natureza privada, nos termos do art. 236 da Constituição Federal e o vínculo mantido somente pode ser de natureza trabalhista, pois servidora pública ela não era, razão pela qual a ação deveria ter sido julgada procedente. Contra-razões às fls. 333/338. Opinou a i. Procuradoria, à fl. 342, pelo prosseguimento do feito. É o relatório. VOTO Conheço do recurso, porquanto regularmente processado. Para que se estabeleça uma relação de emprego é necessário que de um lado haja um trabalhador que preste seus serviços de forma pessoal, onerosa, não-eventual e subordinada e, de outro, uma empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços (arts. 2° e 3°, da CLT). No caso dos autos, não há dúvida de que reclamante até poderia vir a ser uma empregada, uma vez que, como incontroverso, prestava serviços de forma pessoal, onerosa, não-eventual e subordinada. Entretanto, não há como se reconhecer, no reclamado, a figura de um típico empregador, como se verá. No período que interessa à presente ação, os cartórios não oficializados foram disciplinados, no Estado de São Paulo, pelo Decreto-Lei Complementar n.° 3, de 27 de agosto de 1969 (Código Judiciário), que em seu Capitulo II dispunha sobre a sua organização e, no Capitulo III, sobre o regime disciplinar de seu pessoal. No Capítulo II, tratou essa norma de dispor, especificamente, sobre a composição do pessoal dos cartórios, a indicação e a forma de admissão dos escreventes, que deveriam ser habilitados perante o juiz a que estivesse subordinado o cartório, após aprovação em exame realizado por comissão presidida pelo Juiz Corregedor Permanente e integrada por representantes da OAB e do Ministério Público, além de um serventuário da justiça, cujo resultado deveria ser homologado pela Corregedoria Geral da Justiça. Dispôs, também, acerca da forma da inscrição para o exame, requerida ao Juiz Corregedor pelo serventuário, conjuntamente com o candidato, bem como da forma da remuneração, estabelecendo que os escreventes seriam classificados em cada ofício, em três categorias, numeradas ordinalmente de 1° a 3°, com salários diferenciados, correspondentes à sua ordem hierárquica, por proposta do serventuário, homologada pelo Juiz Corregedor, estabelecendo, outrossim, que os salários, nunca inferiores ao mínimo legal, seriam ajustados entre os serventuários e os escreventes, atendidos os critérios fixados em provimento da Corregedoria Geral de Justiça e homologado pelo juiz a que estivesse submetido o cartório (arts. 226 a 232). Já no Capítulo III, fixou as penas que poderiam ser aplicadas aos auxiliares e escreventes, pelos serventuários, “com recurso para o Juiz Corregedor do Cartório, salvo quanto à dispensa, que será precedida de sindicância” (art. 240), determinada pelo Juiz Corregedor, de ofício ou mediante proposta do serventuário. Nesse mesmo Capítulo, vedou a dispensa sem justo motivo de escreventes e auxiliares com mais de 5 anos de serviço (art. 233, parágrafo único) e dispôs sobre o direito a férias, cuja escala também deveria ser submetida ao Juiz Corregedor Permanente (art. 243). Posteriormente, mas ainda no mesmo ano de 1969, foi publicado o Decreto-Lei Estadual n.° 159, de 28 de outubro, determinando que nenhuma serventia seria provida a título de propriedade nem em caráter vitalício (art. 1°) e praticamente repetindo o Código Judiciário, no que tange à organização e aos direitos do pessoal dos cartórios extrajudiciais (Capítulo IV, arts. 31 a 39), além de ter determinado a aplicação de mencionado Código, quanto ao regime disciplinar. Vê-se, portanto, ante os termos das normas acima referidas, vigentes à época da admissão da reclamante, que o reclamado não podia ser considerado empregador, no sentido legal do termo, pois: a) não tinha poderes para determinar o número de trabalhadores a seus serviços b) não tinha poderes para admitir qualquer trabalhador, mas apenas indicar esse trabalhador, que era submetido a exame de admissão levado a efeito pelo Corregedor Permanente c) não tinha poder de estruturar seu pessoal d) não tinha poderes para fixar a remuneração, sem a homologação do Juiz Corregedor e) não podia dispensar trabalhadores sem prévia sindicância, presidida pelo Juiz Corregedor e f) apesar de poder aplicar as demais penas previstas no Código Judiciário, de sua decisão cabia recurso ao Juiz Corregedor Permanente e da decisão deste, à Corregedoria Geral da Justiça. Além do mais, o reclamado e os demais cartórios extrajudiciais, não tinham, como cediço, poder de recusar serviços ou de fixar os preços desses serviços, que eram fixados por normas estaduais. Não se pode, portanto, reconhecer em uma entidade, que somente poderia existir mediante a observância das limitações impostas pelas normas estaduais citadas, a condição de empregadora, já que não desenvolvia uma atividade que pudesse ser considerada econômica e não tinha poderes para admitir, assalariar ou dispensar livremente seus trabalhadores. Mesmo que assim não fosse, a própria reclamante não pode ser considerada empregada, pois foi nomeada pelo Juiz Corregedor de Taquaritinga, nos termos do Decreto-Lei n.° 159/69 (fl. 21), o que a submete ao regime de tal norma, bem como ao do DLC 3/69, que prevêem direitos e obrigações e que, portanto, constituem estatutos administrativos de trabalho. A reclamante, por conseguinte, foi admitida na condição de servidora pública, embora em sentido lato, submetida a regime administrativo especial. Nem se argumente com a impossibilidade de ela ser considerada servidora pública, pelo fato de ter recebido, diretamente do titular do cartório, sua remuneração e seus demais direitos, pois, como já muito bem decidiu o E. Tribunal de Justiça de São Paulo, “os serventuários e auxiliares, em cartórios não oficializados, prestam autêntico serviço público, inerente ao funcionamento da Justiça (serviço jurisdicional) ou à administração pública de interesse privado. Pouco importa se o seu regime funcional os liga ao Estado para fins de remuneração, ou se são remunerados pelo titular da serventia. A higidez do sistema de cartórios não oficializados não descaracteriza o seu serviço e eles são, no sentido lato, mas próprio do vocábulo, servidores públicos. (Apelação Cível n. 218.995-1 - São Paulo - Relator: ROQUE MESQUITA - CCIV 1 - v.u. - 07.02.95) No mesmo sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, para o qual, “os servidores dos cartórios extrajudiciais, entretanto, admitidos no regime anterior, continuam na condição de servidor público em sentido lato, sob o regime especial de trabalho, sujeitando-se a aposentadoria compulsória aos setenta anos de idade” (ROMS 712/SP, rel. Min. HÉLIO MOSIMANN, RSTJ 28/254). Tendo em vista que a reclamante foi admitida como servidora pública em sentido amplo, submetida a regime especial de trabalho (DLC 3/69 e DL 159/69) e como não optou pelo regime celetista, como permitido pelo art. 48, par. 1°, da Lei n.° 8.935/94, muito bem andou o juízo de origem ao não ter reconhecido a existência de vínculo de emprego entre as partes, julgamento totalmente improcedente a ação. CONCLUSÃO Posto isso, decide este relator conhecer do recurso e negar-lhe provimento, mantendo a r. decisão de origem, nos termos da fundamentação supra. Jorge Luiz Costa Juiz Relator
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4857
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