Notícia n. 4824 - Boletim Eletrônico IRIB / Julho de 2003 / Nº 750 - 21/07/2003
Tipo de publicação
Notícia
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Edição
750
Date
2003Período
Julho
Description
Penhora. Fraude à execução não caracterizada. Escritura de compra e venda não registrada. Terceiro de boa-fé. - Sérgio Jacomino, seleção e verbetação Decisão. Processual civil. Execução fiscal. Embargos de terceiro. Penhora. Imóvel. Escritura de compra e venda não registrada em cartório. Aplicação da Súmula 84 do STJ. Fraude à execução. Inocorrência. 1. Não há que se falar em fraude à execução quando na época da alienação do bem não havia o respectivo registro da penhora, fato que geraria a presunção de boa-fé do terceiro adquirente. Precedentes da Corte. In casu, a alienação do imóvel ocorreu antes mesmo de ajuizada a execução fiscal. 2. É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados na alegação de posse advinda de compra e venda, desprovida de registro, posto evidenciada a ausência de má-fé do embargante. Ratio essendi da Súmula 84 do STJ. 3. Recurso especial a que se nega seguimento (CPC, art. 557, caput). Trata-se de recurso especial, com fulcro na alínea “a”, interposto pela Fazenda Nacional contra acórdão proferido pelo egrégio Tribunal Regional Federal da 5a Região, assim ementado: “Processual civil. Embargos de terceiro. Execução fiscal. Penhora de bem imóvel. Escritura de compra e venda. Ausência de registro imobiliário. Posse. Súmula 84 do STJ. Inocorrência de fraude: manutenção do decisum. 1. Provada a posse direta – anterior ao ato de penhora – de imóvel, decorrente de escritura pública de compra e venda, ainda que não registrada no Cartório de Imóveis, pode o possuidor valer-se da ação de embargos de terceiro para afastar o bem da constrição judicial. Exegese da Súmula 84 do STJ. 2. Precedentes (3a Turma, AC no 154.749-AL, rel. Juiz Ridalvo Costa, julgamento 30/03/2000, unânime e 2a Turma, AC no 104.263-AL, rel. Juiz Petrucio Ferreira, julgamento 03/11/98, unânime.) 3. Apelação e remessa improvidas.” Consta dos autos que a recorrida opôs embargos à execução fiscal movida pela recorrente, pugnando pela desconstituição da penhora recaída sobre imóvel que lhe havia sido vendido pela executada, antes do ajuizamento do processo executivo. Alegou que era detentora da escritura de compra e venda do imóvel não registrada em cartório, estando na posse do mesmo desde 20/09/1991. O pedido foi julgado procedente em primeiro grau, tendo a sentença sido confirmada pelo aresto impugnado, consoante se depreende da leitura da ementa acima transcrita. Nas razões do especial, a Fazenda Nacional alega, em síntese, que: O v. Acórdão vergastado, data maxima venia, negou vigência à lei 5.172/66 (arts. 184 e 185), na medida em que admitiu que a mera posse da autora e a escritura pública de compra e venda sem o respectivo registro no Cartório Imobiliário são suficientes para afastar o bem imóvel penhorado do processo de constrição judicial. Constata-se, assim, a flagrante ofensa à lei federal, perpetrada pelo v. Acórdão recorrido, decorreu de haver o mesmo negado validade a penhora procedida sobre bem que nunca deixou de ser da propriedade do executado.” Ao final, requereu a Fazenda o provimento do presente recurso, de modo que seja restaurada a penhora efetivada no executivo fiscal. Não foram apresentadas contra-razões. Efetuado o juízo positivo de admissibilidade na instância de origem, ascenderam os autos ao STJ. Relatados, decido. Preliminarmente, a matéria federal apontada encontra-se devidamente prequestionada, viabilizando, assim, o conhecimento do apelo. A recorrente aponta ofensa aos seguintes artigos do Código Tributário Nacional: “Artigo 184. Sem prejuízo dos privilégios especiais sobre determinados bens, que sejam previstos em lei, responde pelo pagamento do crédito tributário a totalidade dos bens e das rendas, de qualquer origem ou natureza, do sujeito passivo, seu espólio ou sua massa falida, inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da cláusula, excetuados unicamente os bens e rendas que a lei declare absolutamente impenhoráveis.” “Artigo 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa em fase de execução.” O dispositivo legal acima transcrito deixa claro que a presunção de fraude incide apenas quando o débito esteja “em fase de execução”. Destarte, a jurisprudência da Corte se firmou no sentido de afastar a caracterização da fraude à execução quando na época da alienação do bem não havia o respectivo registro da penhora, fato que geraria a presunção de boa-fé do terceiro adquirente. Neste sentido, os seguintes precedentes: “Processual civil. Fraude à execução. Alienação na pendência de execução. Inexistência de inscrição da penhora. Boa-fé presumida. Embargos de terceiro. Procedência. Lei 8.953/94. CPC, artigo 659. I- Nos termos do artigo 659 do CPC, na redação que lhe foi dada pela lei 8.953/94, exigível a inscrição da penhora no cartório de registro imobiliário para que passe a ter efeito erga omnes e, nessa circunstância, torne-se eficaz para impedir a venda a terceiros em fraude à execução. II- Caso em que, à míngua de tal requisito, a alienação, ainda que posterior à citação na ação de execução e da intimação da penhora, é eficaz, autorizando o uso de embargos de terceiro em defesa da titularidade e posse sobre o imóvel pelos adquirentes. III- Recurso especial conhecido e provido.” (RESP 243497/MS, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ 25/06/2001) “Execução. Embargos de terceiro. Fraude de execução. Adquirente de boa-fé. Penhora. Inexistência de registro. - Inexistindo registro da penhora sobre bem alienado a terceiro, incumbe ao exeqüente e embargado fazer a prova de que o terceiro tinha conhecimento da ação ou da constrição. Precedentes. Recurso especial conhecido e provido.” (RESP 218419/SP, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ 12/02/2001) “Locação predial urbana. Execução. Penhora sobre imóvel. Ato de constrição não levado a registro. Alienação do bem a terceiro. Artigo 593, II, CPC. Fraude de execução. Descaracterização. A presunção de que trata o inciso II, do artigo 593, do CPC é relativa, e para configuração da fraude de execução torna-se necessário o registro do gravame. Na sua ausência, incumbe ao exeqüente provar que o terceiro adquirente tinha ciência da ação ou da constrição. Acresce que, pelo parágrafo 4o, do artigo 659, do CPC, o registro da penhora não é pressuposto da sua validade, mas, sim, de eficácia erga omnes. Recurso conhecido e provido.” (RESP 293686/SP, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 25/06/2001) “Processo civil. Fraude à execução. Não ocorrência. O registro da penhora é imprescindível à caracterização da fraude à execução, salvo se aquele que alega a existência da fraude comprovar que o terceiro adquiriu o imóvel ciente da constrição - mormente se o comprador não adquiriu o bem diretamente do executado, tal qual na espécie. Recurso especial conhecido e provido”. (RESP 249328/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ 09/10/2000) “Processo civil. Fraude de execução (CPC, art. 593-II). Alienação após a citação mas anterior a constrição. Ciência do adquirente da demanda em curso. Ônus do credor. Prova. Recurso desacolhido. I- Em se tratando de fraude de execução, impõe-se identificar a espécie, tantas são as hipóteses do complexo tema, sendo distintas as contempladas nos incisos do artigo 593, CPC. II- Na ausência de registro, ao credor cabe o ônus de provar que o terceiro tinha ciência da demanda em curso. III- Na alienação ou oneração de bem sob constrição judicial (penhora, arresto ou seqüestro), que não caracteriza propriamente fraude de execução, não se indaga da insolvência, que aí é dispensável. Se, porém, a constrição ainda não se efetivou, mas houve citação, a insolvência de fato é pressuposto, incidindo a norma do artigo 593-lI, CPC.” (RESP 235267/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 08/03/2000) Ora, no caso dos autos, a execução não havia sequer sido ajuizada na época em que se deu a alienação do bem, motivo pelo qual não há que se falar em violação dos mencionados dispositivos legais, pois, afastada a presunção da fraude, cabia à Fazenda demonstrar a eventual má-fé da embargante, o que inocorreu na hipótese. Por outro lado, no que pertine à ausência de registro da escritura de compra e venda do imóvel, a jurisprudência do STJ, sobrepujando a questão de fundo sobre a questão da forma, como técnica de realização da justiça, vem conferindo interpretação finalística à Lei de Registros Públicos. Assim é que foi editada a Súmula 84, com a seguinte redação: “É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro”. Num dos precedentes que deram origem à mencionada Súmula, afirmou o eminente Ministro Athos Carneiro: “Sr. Presidente, ao apreciar este tema impressiono-me, sobremodo, com as conseqüências, no plano social, dos nossos julgamentos. Sabemos que no nosso país, principalmente nas camadas pobres da população, um grande número de negócios, e até direi, a maior parte dos negócios, é efetuada de maneira menos formal, e até absolutamente informal. Compram-se e vendem-se pequenos terrenos, apartamentos e casas apenas mediante a emissão de recibos, sinais de arras e mesmo de promessas de compra e venda ou ‘transferências de posse’ redigidos de forma singela. E é muitíssimo comum que esses documentos não venham a ser registrados no Registro de Imóveis, inclusive porque com freqüência os termos em que estão vazados não permitiriam o registro. Para o registro imobiliário é necessário que o contrato revista determinados requisitos, o que exige, freqüentemente, a presença do tabelião ou do profissional do Direito. Então, com extrema freqüência, ocorre na vida judiciária termos alguém que é possuidor do seu terreno ou da sua casa há muitos anos, em inteira boa-fé, que já pagou a totalidade do preço há muitos anos, e de repente é surpreendido por uma penhora, em execução promovida contra aquele que lhe havia ‘alienado’ o imóvel nos termos da aludida Súmula (Súmula 612 do STF), irá perder seus direitos à posse e à aquisição da propriedade. Então vemos aqui os dois pratos da balança: de um lado, temos o direito do credor, direito pessoal do outro lado o direito, também pessoal, do possuidor e promitente comprador. Geralmente, como no caso dos autos, o possuidor já mantinha o seu direito de posse e os direitos à aquisição decorrentes de sua promessa de compra e venda desde antes do surgimento do crédito que origina a penhora. Então se pergunta: entre as duas pretensões, a do credor, direito pessoal, e a do promitente comprador com justa posse, direito também pessoal, qual é aquela que merece maior tutela, maior proteção jurídica? Tenho a impressão de que levar nosso raciocínio para o terreno do direito registral importará inclusive na aplicação das normas jurídicas dentre de um, digamos assim, tecnicismo exagerado. É certo que, num plano puramente registral, o domínio do imóvel penhorado ainda, tecnicamente, integra o patrimônio do promitente vendedor. O promitente vendedor ainda é dono do imóvel, mas o é sob aquele ‘minus’ derivado das obrigações que assumiu de outorga da escritura definitiva, em virtude do contrato, quitado ou não, de promessa de compra e venda. O patrimônio do cidadão não é constituído só dos seus direitos, mais também das suas obrigações. E o promitente vendedor tem a obrigação de garantir a posse transferida contratualmente ao promitente comprador, que a exerce em nome próprio. Então, se dirá: mas o credor não sabia disso o credor considerava que o imóvel era do promitente vendedor emprestou-lhe dinheiro, ou com ele negociou, confiante de que aquele imóvel fazia parte, sem ônus, do seu patrimônio. Será que essa ‘assertiva’ corresponde às realidades da vida? Será que o credor foi realmente averiguar no Registro Imobiliário? Não atentou para a circunstância de que naquele imóvel estaria morando alguém, às vezes há muitíssimos anos, comportando-se como dono? E a penhora, por sua vez, terá ela sido objeto de registro, de molde a ter eficácia perante terceiros? Creio mais conforme com as necessidades atuais do comércio jurídica a interpretação pela qual, no choque de interesses de dois direitos eminentemente pessoais (a própria penhora não é direito real, mas ato processual executivo), direito pessoal tanto um quanto outro, deve prevalecer na via dos embargos de terceiro, o direito daquele que está na justa e plena posse do imóvel, como seu legítimo pretendente à aquisição, face ao direito do credor do promitente vendedor, dês que no caso ausente, por certo, qualquer modalidade de fraude a credores ou à execução. Esta orientação melhor se coaduna às realidades jurídico-sociais do nosso país, e impende sejamos sensíveis a estas realidades.” (RESP 1.172/SP, Rel. Min. Athos Carneiro, DJ 16/04/90) O princípio da Súmula 84, bem como as palavras do Ministro Athos Carneiro, aplicam-se inteiramente ao caso dos autos. Diante do exposto, com fulcro no artigo 557, caput, do CPC, nego seguimento ao presente recurso especial. Brasília, 24/10/2002. Ministro Luiz Fux, relator (Recurso Especial no 441.831/AL, DJU 11/11/2002, p.334/335).
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
4824
Idioma
pt_BR