Notícia n. 4671 - Boletim Eletrônico IRIB / Maio de 2003 / Nº 693 - 30/05/2003
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
693
Date
2003Período
Maio
Description
NCC e o registro de imóveis. Compromisso de C/V - desnecessidade da escritura pública notarial. - O Magistrado da Primeira Vara de Registros Públicos da Capital de São Paulo enfrentou dúvida suscitada para dirimir questão que surgiu com o NCC. O tema não é pacífico e rendeu inúmeras discussões nos últimos eventos patrocinados pelo Irib. Vale a pena confrontar os pontos de vista e alimentar o debate, até que as questões, pouco a pouco, tornem-se pacificadas pelo entendimento dos tribunais. Até lá, as decisões pioneiras vão oferecendo uma luz para compreender a assimilar o novo diploma civil brasileiro. Processo 000.03.036747-4 Vistos, etc... Cuida-se de procedimento administrativo de dúvida registral, aparelhada nos termos do artigo 198, da Lei de Registros Públicos, suscitada pelo Décimo Quinto Registro de Imóveis da Capital. Destacou o Oficial suscitante, que conferiu qualificação negativa ao compromisso de compra e venda apresentado por F.J.A.S. e B.A.C.S., destacando que nos termos do artigo 108 do novo Estatuto Civil, o compromisso deveria vir formalizado por ESCRITURA PÚBLICA, conquanto o valor do negócio foi ajustado em R$ 350.000,00. Apresentou os documentos necessários e úteis e pugnou pelo processamento. Notificado, o suscitado apresentou IMPUGNAÇÃO, destacando que a forma pela qual os compromissos de compra e venda sempre despertaram grandes controvérsias. Como o DL 58/37, a questão relativa aos imóveis loteados restou superada, diante de seu artigo 11. Com a edição da lei 649/49, que conferiu nova redação ao artigo 22 do DL 58/37 a questão foi superada, e não alterada em função do novo Código, mormente em função do disposto do seu artigo 1417. Pugnou pela improcedência da dúvida. O Ministério Público em seu parecer opinou pela procedência da dúvida. É o relatório. DECIDO: Cuida-se de dúvida suscitada a partir da QUALIFICAÇÃO NEGATIVA conferia ao pedido de REGISTRO de compromisso subscrito pelos suscitados, formalizado em "DOCUMENTO PARTICULAR". O acesso ao fólio real foi obstaculizado, sob a alegação de que, em face do novo Código Civil, em especial, de seu artigo 108, os compromissos de compra e venda de imóveis "não loteados", deveria vir instrumentalizados por ESCRITURA PÚBLICA. A dúvida, em que pese o zelo e a preocupação do Oficial Registrador, como destacado pelo parquet, não comporta acolhimento. Para o deslinde da questão, necessária a reprodução do invocado artigo 108, do novo estatuto civil, assim como a transcrição do correspondente dispositivo do Código Civil superado (art. 134). Código Civil de 1916 – Art. 134 - É, outrossim, da substância do ato a escritura pública: I. - ... II. - Nos contratos constitutivos ou translativos de direitos reais sobre imóveis de valor superior a Cr$ 50.000, excetuado o penhor agrícola. Novo Código Civil – Art. 108 - Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a 30 (trinta) vezes o mais salário mínimo vigente no País. A redação do primitivo Estatuto Civil foi alterada, e diga-se, que foi melhorada e aperfeiçoada, contudo o sentido e o alcance do transcrito texto normativo permaneceu incólume, inalterado, salvo, evidentemente, no que afeta ao valor utilizado declinado. Envolvendo atos translativos ou de transferência de DIREITOS REAIS, os dispositivos da legislação superada e da atual, aparentemente contemplaram todo e qualquer instrumento CONTRATUAL, de índole definitiva ou de natureza provisória, desde que venha a envolver DIREITOS REAIS. Destaque-se que a "propriedade" somente se transfere com o registro imobiliário da Escritura ou do Contrato definitivo, que estampem a devida comprovação do cumprimento de todas as obrigações pactuadas (quitação do preço ajustado). Entretanto, precedentemente este ajuste definitivo, o compromisso de compra e venda, quanto registrado, também envolve DIREITO REAL sobre o bem corpóreo descrito e caracterizado, entretanto, não representa a CONSTITUIÇÃO, a TRANSFERÊNCIA ou a MODIFICAÇÃO da titularidade dominial. Isto é certo e definitivo, sendo proprietário, aquele que assim é titulado nos assentos registrais. Portanto, a "propriedade" somente passa a operar "efeitos" translativos, constitutivos ou modificativos, com o registro do COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. O direito real que o COMPROMISSÁRIO COMPRADOR conquista é o direito "à aquisição da coisa", como expressamente estabelece o art. 1.417 do NCC. Existe uma nítida distância EFICACIAL entre a "transferência de uma direito real" e a "transferência de uma direito real à aquisição do imóvel". Promitente comprador, portanto, não se torna titular do domínio, possui apenas um "pré-ajuste" ou um CONTRATO PRELIMINAR, que somente se aperfeiçoa ou se transforma no DIREITO perseguido (propriedade), com a quitação das obrigações e com a outorga do documento definitivo e seu registro. Assim, entre o INSTRUMENTO definitivo que transfere a propriedade e o INSTRUMENTO PROVISÓRIO ou preliminar que dá início à transferência imobiliária, existe uma enorme distância eficacial que não pode ser desconsiderada ou desprezada. Tanto o artigo 108 do atual Estatuto, como o artigo 134, do Código ultrapassado, tinham como FOCO principal o documento definitivo, que confere a transferência efetiva da propriedade. Em absoluto contemplaram o pacto inicial e preliminar, que não tem aptidão para TRANSFERIR O DIREITO TODO, MAS APENAS PARA TRANSFERIR O DIREITO DE AQUISIÇÃO. Esta realidade não passou despercebida no legislador ordinário, que ao disciplinar os compromissos envolvendo "imóveis loteados", acenou com a aceitação de CONTRATOS PARTICULARES na formalização dos compromissos de compra e venda. O art. 11, do DL 58/37, apresenta redação singela neste sentido: Art. 11 - Do compromisso de compra e venda a que se refere esta lei, contratado por instrumento público ou particular, constarão sempre as seguintes especificações Observe-se, entretanto, que o dispositivo transcrito não possui uma redação muito clara e objetiva neste sentido, no entanto, mesmo em face desta lacônica redação, não existiram dúvidas de que, para os "lotes" decorrentes de fracionamento do solo, o contrato particular era admitido, independentemente do valor envolvido. Efetivamente que a raiz deste entendimento consolidado, não se encontrava no próprio artigo 11 da DL 58/37, mas sim, no art. 134 do Código Civil, que SEMPRE considerou a diferença eficacial entre o PRÉ-CONTRATO e o CONTRATO DEEFINITIVO, entre o princípio de acordo e o acordo concluído, entre a manifestação de intenções e a conclusão do negócio, exigindo ESCRITURA PÚBLICA apenas para a TRANSFERÊNCIA DO DOMÍNIO. O artigo 22, também do DL 58/37, ao reverso do que alega o suscitante, não introduziu qualquer novo componente à discussão. Seu longo texto, nada esclarece a este respeito. Abaixo a transcrição: Art. 22 - Os contratos, sem cláusula de arrependimento, de compromisso de compra e venda e cessão de direito de imóveis não loteados, cujo preço tenha sido pago no ato de sua constituição ou deva sê-lo em uma ou mais prestações, desde que inscritos a qualquer tempo, atribuem aos compromissários direito real oponível a terceiros, e lhes conferem o direito de adjudicação compulsória nos termos do art. 16 desta lei, 640 e 641 do Código de Processo Civil. Portanto, ao aludir a "CONTRATO" e se reportar ao artigo 16, que trata da adjudicação compulsória, este artigo 22 não introduziu qualquer nova perspectiva à discussão, mas apenas veio a confirmar que o "pré-contrato" ou o início da transferência que se opera com a "promessa de compra e venda", pode ser viabilizado, em qualquer caso, independentemente do VALOR, por instrumento particular. Fosse o compromisso de venda, instrumento bastante para operar a transferência do domínio, e certamente o dispositivo em tela deveria escolher outra redação, bem mais precisa e objetiva, estabelecendo de forma expressa a superação da exigência apresentada no artigo 134 do CCB. Aliás, quando o legislador assim quis proceder, excluindo a aplicação do artigo 134, assim agiu OBJETIVAMENTE. Assim o fez no §5º, do artigo 61, da lei 4.380/64, e no artigo 38 da lei 9.514, que estabelecem que nos caso de compromissos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação, ou os contratos destinados às aquisições imobiliárias com "alienação fiduciária". Nestes casos, de forma expressa, determinou a superação da exigência prevista no inciso II, do artigo 134, do Código Civil. A grande distância entre a situação prevista e disciplinada no art. 22 do DL 58/37 e os casos contemplados pelas leis 4.38/64 e 9.514/97, reside justamente na "diferença EFICACIAL", pois nestes últimos casos, o contrato, com a prova de quitação, e sem novo instrumento, É APTO A OPERAR A TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE, ao passo que o compromisso de compra de venda de lote, reclama e exige (ou exigia, antes da Lei 9.785/99) a celebração um novo contrato, firmado por Escritura Pública, sem o qual, o compromissário não se torna proprietário. O artigo 108, do Novo Estatuto Civil, em compasso com o disposto no artigo 1.417, do mesmo instrumento, exigem ESCRITURA PÚBLICA para a transferência de DOMÍNIO, mas não o exige tal formalidade para a conquista do direito ainda em formação, em que pese desenvolver, já nesta fase, caráter de DIREITO REAL. O artigo 1.418 do NCC, bem anota a exata natureza jurídico do contrato firmado pelo PROMITENTE COMPRADOR, indicando que este representa "instrumento preliminar", ou preparatório, para o desate final, que se consolida com a passagem definitiva do DOMÍNIO. Como instrumento preliminar, não se mostra apto a transferir o direito transacionado, não exigindo a sua formalização por escritura. Portanto, e resposta à dúvida registral levantada, é de se afirmar a resgistrabilidade dos COMPROMISSOS DE COMPRA E VENDA, formalizados por instrumento particular, independentemente do VALOR. Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida. Cumpra-se o disposto no artigo 203 da Lei de Registros Públicos. P.R.I.C. Data supra. Venício Antonio de Paula Salles Juiz de Direito
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
4671
Idioma
pt_BR