Notícia n. 4520 - Boletim Eletrônico IRIB / Março de 2003 / Nº 654 - 29/03/2003
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
654
Date
2003Período
Março
Description
Hipoteca e penhoras registradas - A adjudicação autoriza o seu cancelamento? - A decisão que abaixo publicamos tem extraordinária atualidade e importância para os registradores prediais. Coloca, uma vez mais, em pauta os limites da atuação do registrador, no que se acostumou qualificar de qualificação registral. De uns tempos a esta parte, viceja um entendimento doutrinário que visa a livrar o registrador do exame percuciente do histórico tabular, nos casos de títulos de extração judicial, fundado na boa razão de que o preenchimento de formalidades legais, no curso do processo, é de estrita responsabilidade do juízo. Falo especificamente da comprovação da intimação do cônjuge no caso de penhora, ou do caso tratado na decisão abaixo, na verificação da intimação do credor hipotecário nos casos de adjudicação do bem gravado. O limite que divisava claramente o terreno que poderia ou não ser amanhado pela qualificação registral era a nulidade de pleno direito - especialmente no trânsito desde o título causal, contaminando irremediavelmente a medula do registro, quando a causa naquele estivesse radicada. Na opinião de Ricardo Dip, a matéria deveria ser focada com as luzes do direito posto, contrasteando-se os conceitos de nulidade e anulabilidade dos atos jurídicos. Atento ao especial color impressivo do interesse público, que avulta no primeiro, caberia a desqualificação, por admitido o exame oficial (art. 168 do NCC) no segundo, entretanto, "certo que a anulabilidade não se pronuncia de ofício e não tem efeito antes de julgada por sentença" seria inviável o seu reconhecimento no juízo qualificador do registrador predial. (RDI 29/33) Parece claro que as nulidades de pleno direito devem ser conhecidas pelo juízo prudencial do registrador, obstando o acesso e conseqüente mutação que o registro opera. Será possível identificar claramente os limites da qualificação registral em face dos títulos judiciais? Qualificação registral – limites A primeira (e clássica) observação que se faz é que a origem judicial do título não o livra do exame de verificação do preenchimento dos requisitos formais essenciais para a concretização do ato. A jurisprudência do V. Conselho Superior da Magistratura de SP é vasta, citando-se apenas os últimos: Ap. Civ. 66.564-0/6, São João da Boa Vista, DOJ 6.abr.2000, Rel. Des. Luís de Macedo Ap. Civ. 70.240-0/2, Amparo, DOJ 1.ago.2000, Rel. Des. Luís de Macedo Ap. Civ. 73.225-0/6, DOJ. 21.nov.2000, Rel. Des. Luís de Macedo Ap. Civ. 76.101-0/2, São Paulo, DOJ. 16.mar.2001, e muitas outras. A doutrina, por outro lado, também agasalha a mesma idéia. Ficam registrados aqui, de passagem, Orlandi Neto, Narciso. Retificação do Registro de Imóveis, São Paulo : Juarez de Oliveira, p. 76, Dip, Ricardo Henry Marques. Sobre a qualificação no registro de imóveis. RDI 29/33, jan./jun 1992 Serpa Lopes, Miguel Maria. Tratado. Vol. II, São Paulo : Freitas Bastos, 1961, p. 355, item 344 Carvalho, Afrânio de. Registro de Imóveis. 3a ed. Rio de Janeiro : Forense, 1982, p. 282 passim). Superada essa questão preliminar, até que ponto pode questionar os defeitos que identifica no título judicial? A doutrina joeirou os conceitos e chegou às seguintes hipóteses: (a) verificação da competência judiciária (b) apuração da congruência do que se ordena e o processo respectivo (c) obstáculos registrais e (d) formalidades documentárias (Dip, Ricardo Henry Marques, op. cit. Mena Y San Millán, José Maria. Calificación registral de documentos judiciales, Barcelona : Bosch, 1985, p. 79 e s. Chico Y Ortiz, José María. Estudios sobre derecho hipotecario. T. I, 4ª ed. Madrid : Marcial Pons, 2000, p. 543 etc.). Há que se estabelecer um pressuposto de toda esta discussão: é o oficial registrador mero amanuense ou o sistema lhe outorga o poder-dever de verificar a aptidão e sanidade jurídicas dos títulos que lhes são aportados? Na primeira hipótese, as cancelas do registro deverão ser franqueadas e o acesso dos títulos totalmente liberado sem maiores considerações. Já na segunda, os sistemas que prevêem a eficácia relativa do registros, com a pública presunção de exatidão e regularidade (princípio de legitimação registral), impõem um filtro purificador como necessidade lógica e estrutural. O nosso sistema evidentemente se filia à segunda hipótese. Como registrou Chico Y Ortiz, citando o patriarca do direito registral espanhol don Jerônimo González, em um sistema como o nosso “em que os assentos se presumem exatos, resulta lógica a existência de um prévio trâmite depurador da titulação apresentada à registração, pois, do contrário, os assentos somente serviriam para enganar o público, favorecer o tráfico ilícito e provocar novos conflitos”. (Chico Y Ortiz, José María. Estudios sobre derecho hipotecario. T. I, 4ª ed. Madrid : Marcial Pons, 2000, p. 527). Com as mesmas palavras o nosso Afrânio de Carvalho já registrava que o exame prévio da legalidade dos títulos é que visa a estabelecer a correspondência constante entre a situação jurídica e a situação registral, de modo que o público possa confiar plenamente no registro (op.cit. p. 270). Especificamente com relação aos limites da atuação do registrador, aponta o pranteado Professor: “Na falta de disposição especial de lei, prevalecem, para regular o alcance do exame, as disposições gerais que vigem para o juiz, a quem o oficial é subordinado, quando tem de pronunciar-se sobre um ato jurídico que apresente vício que o impeça de produzir o efeito correspondente ao seu conteúdo. Essas disposições são as que permitem proclamar de ofício, na esfera administrativa, as nulidades de pleno direito do ato, que não podem ser supridas, mas, por outro lado, vedam reconhecer de ofício as anulabilidades, que exigem, na esfera contenciosa, processo regular e sentença (Cód. Civ., arts. 146 e 152). (§) É incontestável, portanto, que, por ser a nulidade um efeito que se produz ipso jure, em decorrência apenas da existência do vício, o registrador ao examinar o título, em processo semelhante ao de jurisdição voluntária, deve levá-la em conta para opor a ‘dúvida’ tendente a vetar a inscrição requerida. A regra dominante nesse assunto, no nosso direito como em qualquer outro, é a de que o funcionário público deve negar sua colaboração em negócios manifestamente nulos, inclusive abster-se de fazer inscrições nos registros públicos. (§) Diante disso, uma forte corrente de opinião, em resposta à questão de saber até onde pode ir o registrador no exame da legalidade, pensa que ele deve ater-se às nulidades de pleno direito, que são pronunciáveis de ofício, sem se estender às anulabilidades. Essa corrente encontra apoio em vários julgados que igualmente sustentam não poder o exame da legalidade estender-se às anulabilidades, que, destituídas de interesse público, somente são invocáveis pelos interessados, em impugnação contenciosa ao ato por elas viciado”. Pois bem. A falta de intimação do credor hipotecário por levar à não-registração do título judicial de adjudicação ou arrematação em execução? Responde-nos em parte o magistrado Marcelo Fortes Barbosa Filho: "é inquestionável que há extinção da hipoteca em razão da venda judicial realizada no âmbito da própria execução hipotecária correspondente, mas, em se tratando da execução de outro crédito diverso, com base nos artigos 615, inciso II e 698 do Código de Processo Civil em vigor, Celso Neves (Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. VII, pp.286-7) já apresentava como necessária a intimação prévia do credor hipotecário, no que era seguido por Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil, Vol. IV, pp.335-6). No âmbito registrário, esta mesma posição vem se consolidando desde meados do século passado, quando foi albergada por Miguel Maria de Serpa Lopes (Tratado dos Registros Públicos, 6ª. Ed., Vol.II, pp.460-464) e reiterada por Afranio de Carvalho (Registro de Imóveis, p.314), só podendo, segundo tal entendimento e considerado o texto expresso do inciso II do artigo 251 da Lei 6.015/73, a extinção ser tida como operada e o cancelamento ser efetuado quando a carta de arrematação ou adjudicação consigne a notificação do credor". Foi muito bem lembrada a regra do artigo 1501 do novo Código Civil, que expressa que "não extinguirá a hipoteca, devidamente registrada, a arrematação ou adjudicação, sem que tenham sido notificados judicialmente os respectivos credores hipotecários, que não forem de qualquer modo partes na execução". A conclusão, contudo, centrou-se no fato de ter sido dado ciência ao credor hipotecário - o que autorizaria o cancelamento do direito real de garantia pela sua extinção. Mas permanece a questão: a falta de ciência do credor hipotecário na execução de terceiro (embora não sendo possível, como se viu, o cancelamento da hipoteca), tal fato impediria o acesso da arrematação ou adjudicação ao registro? Estaríamos diante de um impedimento de caráter formal - declaração no título judicial de ciência do credor? (Suposto que os aspectos de direito material devam ter sidos curados pelo Juízo do feito). A eventual nulidade da arrematação ou adjudicação não inocularia o germe da nulidade no título judicial? O título que apresente vícios com tal expressão não deveriam ser barrados pelo exame de legalidade do registrador? A longa trajetória do direito registral pátrio permite-nos afirmar que o título, nessas condições, deva ser barrado pelo exame do registrador. Mas a posição não é pacífica, sabe-se muito bem. As razões que fundamentam a obstância podem ser colhidas em simples exame do vasto acervo de doutrina e jurisprudência do Irib. Mas o teor polêmico do assunto nos obriga a voltar ao tema oportunamente, com explicitação das várias e relevantes razões que recomendam tal procedimento registral. Por enquanto, para reforço do que, a meus olhos, foi decidido com acerto, publicamos uma antiga decisão do Eg. Conselho Superior da Magistratura, não citado no parecer abaixo, em que o tema da notificação do credor hipotecário foi ventilada e decisiva para o deslinde da dúvida. Trata-se da Ap. Civ. 695-0, de Itu, publicada no DOE de 5/1/1982, sendo relator o Des. Bruno Affonso de André. (SJ)
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
4520
Idioma
pt_BR