Notícia n. 4409 - Boletim Eletrônico IRIB / Fevereiro de 2003 / Nº 634 - 21/02/2003
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
634
Date
2003Período
Fevereiro
Description
Mudanças em pauta - A inclusão do cônjuge na herança e o novo Código Civil - Eulice Jaqueline da Costa Silva Cherulli* - Em minha sede pelo saber, aliás muito necessária e oportuna na realização de meu ofício, li um artigo sobre a nova codificação civil, enfocando o fato do cônjuge ser herdeiro necessário. Naquele artigo havia a afirmação de que as regras sobre herança valem para todos os casamentos que tenham sido extintos por morte após a entrada em vigor do novo código civil, com a ressalva de que muitos advogados entendem que elas só valem para novos casamentos caso contrário estariam contrariando a norma do direito adquirido. De difícil conceituação, o direito denomina-se adquirido quando consolidada sua integração ao patrimônio do respectivo titular, em virtude da consubstanciação do fator aquisitivo (requisitos legais e de fato) previsto na legislação.(Alexandre de Moraes - Constituição do Brasil interpretada-Jurídico Atlas) O artigo 1.829 do Código Civil diz que a sucessão legítima defere-se na seguinte ordem: I- aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único) ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares II- aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge III- ao cônjuge sobrevivente IV- aos colaterais. Nas disposições finais e transitórias da novel legislação, há um artigo que assevera:"As disposições deste Código relativas à ordem da vocação hereditária (arts. 1.829 a 1.844) não se aplicam à sucessão aberta antes de sua vigência, prevalecendo o disposto na lei anterior (Lei 3.071, de 1o de janeiro de 1916). Está absolutamente claro que a nova legislação é aplicável às sucessões abertas desde o primeiro instante de sua vigência. No entanto, a ressalva levantada no artigo é argumento e instrumento de realização de Justiça inevitáveis todas as vezes (e não são poucas) em que temos a publicação ou a alteração de legislação: "o direito adquirido" olvidá-lo seria negar nossa lei maior. O professor Silvio Rodrigues, ao comentar sobre a eficácia da lei no tempo, ponderou que "muitos espíritos liberais combatem, genericamente, a possibilidade de a lei retroagir, mas não me parece evidente a sua razão. Colin e Capitant, argumentando na defesa da lei retroativa, sustentam que, como a lei nova se supõe melhor do que a anterior, e por isso mesmo é que se inovou, deve ela aplicar-se desde logo. Tal argumento ao meu ver é irrespondível. De resto, a lei nova atende, em geral a um maior interesse social, devendo, por conseguinte, retroagir. "Aliás, em casos de interesse social, deve a lei nova ter aplicação imediata... Apenas, permitindo a retroatividade da lei, deve-se preservar aquelas situações consolidadas em que o interesse individual prevalece.E prossegue : "Entre nós a lei é retroativa, e a supressão do preceito constitucional que, de maneira ampla, proibia leis retroativas constitui um progresso técnico. A lei retroage, apenas não se permite que ela recaia sobre o ato jurídico perfeito, sobre o direito adquirido e sobre a coisa julgada."(In Direito Civil - Parte Geral- Ed. Saraiva). Para acirrar a discussão instalada, lembremos o posicionamento de nossa mais alta Corte de Justiça ao firmar entendimento de que "o disposto no artigo 5o. XXXVI, da Constituição Federal, se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública ou lei dispositiva" (RTJ 143/724) e mais "O princípio insculpido no inciso XXXVI do art. 5o. da Constituição (garantia do direito adquirido) não impede a edição, pelo Estado, de norma retroativa (lei ou decreto) em benefício do particular" (RTJ 165/327) Aplicar a legislação civil, especificamente em relação ao artigo 1.829, dentro da interpretação dada pelos que defendem a preservação do direito adquirido, condiciona sua validade somente a matrimônios realizados a partir de 10 de janeiro de 2003. Sim, esta é a ilação que se chega ao pôr a salvo os que detêm direito adquirido no tocante à figura do cônjuge como herdeiro. É que todos os casais cujo ato solene (casamento) tenha ocorrido antes da entrada em vigor no novo código têm em seu favor o direito adquirido. E mais, ao optarem pelo regime de bens contavam com a segurança das relações jurídicas, ou seja, tinham conhecimento antecipado e reflexivo das conseqüências diretas de seus atos e fatos à luz da liberdade reconhecida. Aliás, oportuno transcrever o espírito do legislador, traduzido pelo ilustre supervisor da comissão elaboradora e revisora do Anteprojeto do Código Civil, Prof. Dr. Miguel Reale, que em pronunciamento, ao destacar as inovações do Código no direito de família, pontificou: "nesse sentido, o cônjuge passou a ser também herdeiro, em virtude da adoção de novo regime geral de bens do casamento, o da comunhão parcial, corrigindo-se omissão existente no Direito das Sucessões". Aqui, está a resposta que se busca. A afirmativa condiciona a nova situação de herdeiro à adoção no novo regime geral de bens no casamento, como fatos que devem coexistir, resguardando, como de fato deveria fazê-lo, o preceito constitucional insculpido no inciso XXXVI do artigo 5o. da Constituição Federal. (Revista Consultor Jurídico, 18 de fevereiro de 2003). * Eulice Jaqueline da Costa Silva Cherulli é juíza de Direito ([email protected])
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Article Number
4409
Idioma
pt_BR