Notícia n. 4256 - Boletim Eletrônico IRIB / Dezembro de 2002 / Nº 589 - 16/12/2002
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
589
Date
2002Período
Dezembro
Description
Pacto comissório na compra e venda de imóvel e o novo Código Civil Brasileiro - Consultas técnicas - prática registral Irib responde P. O pacto comissório, previsto no Código Civil de 1916, não poderá ser utilizado a partir do advento do novo Código Civil? R. O Dr. José Ribeiro, que é assessor jurídico da AnoregPR, publicou pequeno artigo no Jornal da AnoregPR, que vale a pena divulgar entre os nossos leitores. Pacto comissório na compra e venda de imóvel e o novo Código Civil Brasileiro Durante os longos anos de vigência do atual Código Civil, tornou-se muito comum a utilização, no mercado imobiliário, com reflexo direto na prática dos atos notariais e nos assentos registrais imobiliários, da cláusula especial à compra e venda de bem imóvel, denominada pacto comissório, expressamente prevista no artigo 1.163 do referido Código, nestes termos: "Ajustado que se desfaça a venda, não se pagando o preço até certo dia, poderá o vendedor, não pago, desfazer o contrato, ou pedir o preço. Parágrafo único. Se, em dez dias de vencido o prazo, o vendedor, em tal caso, não reclamar o preço, ficará de pleno direito desfeita a venda". A freqüente utilização dessa cláusula, pelas partes contratantes, deveu-se, ao que tudo está a indicar, a dois principais fatores: de um lado, a economia que beneficia ao adquirente, o qual concretiza o negócio, em caráter definitivo, com a prática de apenas um ato notarial e um assento registral imobiliário, sem necessidade de ter despesas com uma prévia escritura de promessa de compra e venda e o seu registro no Serviço Registral Imobiliário, para ter direito real sobre o bem e torná-lo oponível contra todos de outro lado, a garantia que fica ao vendedor, que, embora já transmita desde logo o domínio sobre o bem, sem ter recebido todo o preço, poderá reavê-lo posteriormente, contra quem quer que o detenha, posto que o negócio realizado fica desfeito, de pleno direito, caso o adquirente não cumpra a sua obrigação. O novo Código Civil, com entrada em vigor prevista para janeiro próximo vindouro, não cuida de tal cláusula quando trata da compra e venda nos artigos 481 a 532. Isso significa que tal cláusula deixou de existir juridicamente? Não podem as partes, numa compra e venda de imóvel, cujo preço deva ser pago a prazo ou em prestações, pactuar a mencionada cláusula? A nosso ver, o simples fato de o novo Código não mais se referir, de modo expresso, à cláusula pacto comissório na compra e venda, não excluiu a possibilidade dela vir a ser adotada em tal espécie de contrato em particular, e nos negócios jurídicos bilaterais em geral. Vejamos inicialmente qual é o conceito de pacto comissório. Segundo MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES, "O pacto comissório, de um modo geral, é a cláusula por força da qual se opera a extinção dos direitos contratuais da parte contratante que não cumpre a sua prestação. O nosso direito já conhece a resolutória expressa e tácita (...) presumindo-se esta última que se diferencia da primeira" (Curso de Direito Civil, Vol. III, Fontes das Obrigações: Contratos, Freitas Bastos, 4ª edição revista e aumentada, 1964, p. 363). O renomado professor e jurista SILVIO RODRIGUES, em nova edição, recentemente publicada, de sua obra Direito Civil, atualizada de acordo com o novo Código Civil, escreveu que o pacto comissório, para o caso específico da compra e venda, é a aplicação da regra geral prevista a todos os contratos bilaterais, contida nos artigos 119, parágrafo único, e 1.092, ambos do Código Civil de 1916, pela qual se presume a existência de uma condição resolutiva em todos os negócios daquela espécie, de tal sorte que o inadimplemento, por parte de um dos contraentes, defere ao outro a prerrogativa de pleitear a rescisão do contrato, com as perdas e danos. E prossegue dizendo que por meio dessa cláusula acessória ajustam as partes que se desfaça a venda, não se pagando o preço até acerto dia e, assim, não pago o preço, pode o vendedor desfazer o contrato ou pedir o preço, nos termos do artigo 1.163 do Código de 1916. Em rigor, para esse eminente professor, tal direito já competia ao vendedor, mesmo sem o ajuste em questão apenas, por seu intermédio, fica dispensado de obter sentença constitutiva da rescisão, visto que sua manifestação de vontade, nesse sentido, tem eficácia suficiente para romper a compra e venda. Todavia, como é necessário ingressar-se em juízo, com a ação competente, mesmo no caso do pacto comissório, concluiu o ilustrado professor que a utilidade desse ajuste é insignificante (Direito Civil, Dos Contratos e das Declarações Unilaterais da Vontade, de acordo com o novo Código Civil - Lei n. 10.406, de 10-1-2002, Editora Saraiva, 28ª edição, atualizada de acordo com o novo Código Civil, 2002, vol. 3, p. 193 e 194). Pacto comissório, portanto, quando expressamente previsto no contrato de compra e venda, pelas partes intervenientes, funciona na realidade como verdadeira condição resolutiva expressa. E, assim, já tinha respaldo, no atual Código, ao estatuir "Considera-se condição a cláusula, que subordina o efeito do ato jurídico a evento futuro e incerto" (art. 114) e "Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o ato jurídico, podendo exercer-se desde o momento deste o direito por ele estabelecido mas, verificada a condição, para todos os efeitos, se extingue o direito a que ela se opõe. Parágrafo único. A condição resolutiva da obrigação pode ser expressa, ou tácita operando, no primeiro caso, de pleno direito, e por interpelação judicial, no segundo" (art. 119). A condição resolutiva tácita, por sua vez, está subentendida em todos os contratos bilaterais, por força do parágrafo único do artigo 1.092, ao estabelecer que a parte lesada pelo inadimplemento pode requerer a rescisão do contrato com perdas e danos. Ora, o novo Código Civil, a exemplo do Código Civil de 1916, prevê a possibilidade dos atos jurídicos serem realizados sob condição resolutiva, desde que não contrária à lei, à ordem pública e aos bons costumes (arts. 121, 122, 127 e 128) e a prevê expressamente em relação aos contratos de modo geral, ao estatuir que a "cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito a tácita depende de interpelação judicial" (art. 474) e que a "parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos" (art. 475). Portanto, a interpretação conjugada dos artigos 121, 122, 127, 128 e 474, do vindouro Código Civil, nos dá a certeza de poderem vendedor e comprador, numa escritura de compra e venda de imóvel, estabelecer condição resolutiva expressa, pela qual o contrato ficará resolvido, de pleno direito, se, por exemplo, o comprador não efetuar o pagamento do preço na data aprazada, ou se deixar de pagar alguma das parcelas, caso o preço da compra tenha sido parcelado. A ausência, pois, de previsão expressa de tal cláusula, como especial à compra e venda, no novo Código, tal como está prevista no Código atualmente em vigor (art. 1.163), não significa estar afastada a possibilidade jurídica de vir a ser utilizada, na compra e venda de bem imóvel, pelas partes contratantes. Seria mesmo despicienda, a nosso ver, a sua previsão como cláusula especial à compra e venda, no novo Código, se este já previu a condição resolutiva expressa, na Seção II (arts. 474 e 475) do Capítulo II, que trata da extinção dos contratos em geral, quando é certo que a compra e venda é sem dúvida alguma também um contrato. Assim, podemos afirmar, em conclusão, com segurança, que poderá ser inserida, pelas partes, nas escrituras de compra e venda de bem imóvel, a cláusula pacto comissório, isto é, a condição resolutiva expressa, com supedâneo nos artigos 121, 122, 127, 128, 474 e 475 do novo Código Civil, pactuando-se que a venda fica desfeita se o adquirente não pagar o preço, uma vez que tal cláusula não é contrária à lei, nem à ordem pública e nem aos bons costumes, como também não está proibida a sua utilização, na compra e venda de imóvel, por qualquer dispositivo legal desse novo Código. Com a inserção dessa condição resolutiva expressa na compra e venda de bem imóvel, o registrador imobiliário deverá mencioná-la ao proceder ao registro da escritura, tal como vem fazendo atualmente com a cláusula pacto comissório, para dar publicidade a terceiros. A publicidade é indispensável, no caso, posto que se trata, na realidade, de propriedade resolúvel a adquirida pelo comprador, e se este onerar ou alienar o imóvel, o terceiro que com ele contratar não poderá alegar, no futuro, ignorância dessa situação, sobretudo porque, se o antigo vendedor não receber o preço, o negócio realizado por ele ficará desfeito de pleno direito, e, de conseqüência, resolvem-se também todos os direitos reais concedidos na pendência da condição resolutiva, de modo que esse antigo proprietário, em cujo favor se opera a resolução, "pode reivindicar a coisa do poder de quem a possua ou detenha", na expressa dicção do artigo 1.359 do novo Código. * JOSÉ RIBEIRO Juiz de Direito Aposentado.Ex-Juiz Federal. Professor de Direito.Mestre em Direito. Advogado.Consultor Jurídico da ANOREG/PR.
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