Notícia n. 3990 - Boletim Eletrônico IRIB / Setembro de 2002 / Nº 540 - 19/09/2002
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
540
Date
2002Período
Setembro
Description
Certidões de feitos ajuizados e o Registro de Imóveis - Marcelo da Costa Alvarenga* - Os Boletins Eletrônicos de nº 523 e 529, trazem, respectivamente, trabalhos de autoria dos Doutores Eduardo Ribeiro Pacheco de Souza, Titular do serviço registral e notarial do 2º Ofício de Teresópolis - RJ e João Pedro Lamana Paiva, registrador imobiliário em Sapucaia do Sul - RS a respeito do tema. Com a intenção de ampliar o debate sobre o tema, em virtude de sua importância para a área notarial e registral, apresento algumas considerações, sem, contudo, o brilhantismo dos autores anteriores. A Lei 7.433/85 dispõe sobre os requisitos para a lavratura de escrituras públicas, que em virtude do disposto no seu parágrafo 1º, do artigo 1º, também se estende aos instrumentos particulares resultantes da Lei 4.380/64, bem como aos instrumentos elaborados com fundamento na Lei 9.514/97, em razão de uma aplicação extensiva, sempre no que couber (grifo nosso). As certidões de feitos ajuizados são impostas pelo parágrafo 2º, do artigo 1º, da Lei 7.433/85, mas devemos verificar a possibilidade ou não de sua dispensa, uma vez que se trata de requisito para o instrumento público, e, se couber, para os instrumentos particulares. Para saber se uma determinada norma pode ou não ser dispensada pelas partes devemos classificá-la, em razão de sua imperatividade, como norma dispositiva ou norma cogente. As normas dispositivas são as que têm caráter supletivo, somente vigorando no silêncio das partes como, por exemplo, as normas que dispõem sobre a imputação do pagamento, constantes do código civil. As normas cogentes são as de observância obrigatória, não sendo lícito às partes dispor sobre o seu conteúdo. As normas cogentes podem ser divididas em: normas cogentes que visam proteger o interesse público como, por exemplo, as normas que dispõem sobre a competência funcional no processo civil ou penal normas cogentes que visam proteger o interesse do particular, dado o grau de relevância por este interesse apresentado como, por exemplo, o disposto no artigo 1.132 do Código Civil, vedando aos descendentes, sem consentimento dos demais, adquirir bens dos ascendentes. A apresentação das certidões de feitos ajuizados tem o condão de fazer nascer, para o adquirente, uma presunção de boa-fé na aquisição, presumindo-se o desconhecimento de demandas porventura existentes contra o vendedor, quando estas não constem expressamente do instrumento. Ou seja, demonstra que o adquirente tomou as cautelas próprias do homem médio e necessárias para uma aquisição sem problemas. Assim, a apresentação das referidas certidões visa à proteção do interesse particular e não tutela um interesse público, posto que o interesse público não é afetado pelo ato jurídico realizado neste caso. Logo, em princípio, o parágrafo 2º, do artigo 1º, da Lei 7.433/75, quando impõe a obrigatoriedade da apresentação das certidões de feitos ajuizados nas escrituras públicas ou, se couberem, nos instrumentos particulares, seria uma norma dispositiva, sendo passível de regulamentação contrária ou dispensada pelas partes. A meu sentir esta não é a sua melhor interpretação, posto que de uma análise sistemática e teleológica da referida norma, verifica-se que o nosso ordenamento vem buscando dar, ao adquirente de bens de raiz, garantias de aquisição com os menores riscos possíveis. Esta posição fundamenta-se na análise de alguns dos diplomas legais que disciplinam a aquisição de imóveis, iniciando-se com a Lei 4.591/64, no artigo 32, alínea “b” e com a Lei 6.766/79, artigo 18, inciso IV, alínea “b” e seu parágrafo 2º, que têm aplicabilidade em razão de empreendimentos imobiliários realizados em que ao adquirente é dado aceitar uma proposta de venda com a garantia de que está contratando com um vendedor sem ações judiciais que possam a vir causar-lhe danos, já que esta questão foi objeto de análise pelo oficial registrador, estando, pois, protegido nesta sua aquisição. Após esses diplomas normativos, a Lei 7.433/85 disciplinou como requisito (etimologicamente, aquilo que não pode faltar) da escritura pública a apresentação das certidões de feitos ajuizados. E o Decreto 93.240/86, em seu artigo 1º, parágrafo 3º, impôs ao vendedor o dever de declarar a existência de quaisquer outras ações que possam trazer prejuízos para o adquirente do imóvel, reforçando-se, pois, o caráter de proteção para os casos estranhos aos empreendimentos imobiliários. No que diz respeito aos instrumentos particulares com força de escritura pública, estes merecem algumas considerações em virtude dos diversos contratos de financiamentos que são apresentados nos ofícios de registros prediais. Atualmente, em razão da celeridade dos negócios, que muitas vezes trazem prejuízos aos seus participantes, é comum, principalmente nos contratos celebrados com a interveniência da Caixa Econômica Federal, uma cláusula de dispensa das certidões. A meu sentir, esta cláusula é nula por ferir preceitos de ordem pública albergados pelo Código de Defesa do Consumidor, uma vez que se impõem ao comprador do imóvel, por contrato de redação eminentemente unilateral, renúncia de direitos, o que lhe pode causar sérios prejuízos, já que pode haver feitos ajuizados em nome do vendedor que causem embaraços na aquisição do bem. E, não sendo expedidas tais certidões, não lhe será permitido conhecê-las previamente para a não realização do negócio, sendo, pois, nula tal cláusula, nos termos do disposto no artigo 51, inciso I e seu parágrafo 1º, inciso II do CDC. Ademais, se assim não fosse, a apresentação das certidões de feitos ajuizados não poderiam ser dispensadas, em razão de seu caráter de proteção ao adquirente, não contrariando, tal preceito, os contidos nas Leis 4.380/64 e 9.514/97, sendo, pois, requisito para que os instrumentos particulares referidos nestes diplomas legais tenham caráter de escritura pública. Máxime que o artigo 4º, do Decreto nº 93.240/86, impõe que as certidões sejam anexadas aos instrumentos, ou seja, devem acompanhar os contratos celebrados quando de sua apresentação no registro de imóveis, não sendo, pois, esta regra incompatível com o sistema dos contratos particulares. Desta sorte, em virtude do caráter protetivo, não se pode afastar a obrigatoriedade de apresentação das certidões de feitos ajuizados, quer nas escrituras públicas, quer nos instrumentos particulares, seja o fundado na Lei 4.380/64 ou na Lei 9.514/97. É imperioso ressaltar que o conteúdo da certidão não impede a execução do negócio, salvo quando venha a restringir por completo a disponibilidade do vendedor, mas tão somente retira do adquirente a presunção de boa fé sobre o desconhecimento do feito ajuizado, constante da certidão. Igualmente importante destacar que a certidão deve ser expedida pelos órgãos competentes antes da confecção do negócio, uma vez que se assim não for, perde-se o interesse na sua apresentação. Ademais, outra não poderia ser a exegese, uma vez que o artigo 4º do Decreto nº 93.240/86 dispõe que aos instrumentos particulares serão anexadas as certidões apresentadas, fazendo ver que estas devem ser objeto de análise antes da confecção do contrato. No que diz respeito ao registro público, a Lei 6.015/73, em seu artigo 1º, dispõe que o registro público, entre outras finalidades, fornece segurança aos atos jurídicos, o que foi novamente sacramentado pelo artigo 1º, da Lei 8.935/94. A segurança dos atos lançados nos registros públicos tem como um de seus fundamentos o Princípio da Legalidade, que impõe ao registrador a análise dos requisitos extrínsecos do título, vez que a segurança do registro está intimamente ligada à legalidade do título causal que lhe serviu de base. Com base neste princípio, compete ao registrador, quando da qualificação de um título, verificar se estão presentes os requisitos legais do ato ou negócio e, principalmente, se existe qualquer nulidade no título, devendo ser qualificado negativamente quando de sua ocorrência. Logo, a meu sentir, não é possível ser objeto de registro escritura pública ou instrumento particular onde não conste a apresentação das certidões de feitos ajuizados, posto que este título fere o Princípio da Legalidade, devendo ser qualificado negativamente pelo oficial. Por fim, é bom ressaltar que exigir apresentação de certidão de feitos ajuizados, expedida posteriormente ao negócio em razão da falta de interesse, não supre a exigência legal, posto ser esta requisito de consignação no título. E, também, impedir o acesso do título com base no conteúdo da certidão fere a parêmia de que o que não consta da tábula ou do título não deve ser objeto de análise pelo oficial. * Marcelo da Costa Alvarenga é Oficial do Registro de Imóveis do 2º Ofício de Duas Barras - RJ
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
3990
Idioma
pt_BR