Notícia n. 3943 - Boletim Eletrônico IRIB / Agosto de 2002 / Nº 533 - 29/08/2002
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
533
Date
2002Período
Agosto
Description
A penhora, o Registro de Imóveis e o terceiro de boa-fé. - Julio Cesar Weschenfelder* - Introdução Este é um breve estudo que visa demonstrar a importância do registro da penhora como meio de garantia e de estabilidade das relações sociais. Tem se notado o comportamento processualista de inúmeros profissionais do direito que, apegados ao formalismo processual, têm descurado da importância que determinados atos processuais, como in casu, a penhora, geram no meio social. A falta de registro da penhora de imóvel no Ofício Imobiliário competente tem muito mais de danoso à sociedade que ao próprio credor. Tem a sociedade o direito de conhecer a existência de tal constrição para que não seja o terceiro de boa-fé pego de assalto com a retirada de seu patrimônio de bem, cuja penhora não se havia assentado e que acabou por gerar ato de alienação compulsória em hasta. Através deste breve enfoque doutrinário e jurisprudencial, discorrer-se-á sobre a importância do registro da penhora para a mantença da estabilidade social. 1. O Registro de Imóveis e a publicidade Cumpre-nos definir Registros Públicos para alcançarmos a missão do Registro de Imóveis no seio da organização estatal à qual estamos vinculados pelo pacto social. Trata-se de "instituição de Direito que se destina a tornar público o estado e a capacidade de pessoas, autenticar, no complexo das relações jurídicas, os atos dos indivíduos, perpetuando, através do cível do tempo, sua validade, a fim de permitir a comprovação dos fatos da vida social, no tocante à aquisição, transferência ou perda de direitos, como também de obrigações" (1) Novo Dicionário Jurídico Brasileiro, 5ª. ed., vol. III.2/266. 1. A teor da Lei, são serviços destinados a garantir a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos (2) Art. 1º da Lei n° 6.015/73 e art. 1º da Lei nº 8.935/94. 2. Da conceituação exsurge a extensa gama de atribuições, fundadas em vários princípios garantidores de sua eficácia, dentre os quais os da fé pública, publicidade, obrigatoriedade, titularidade, territorialidade, continuidade, prioridade, reserva de iniciativa, tipicidade, especialidade, disponibilidade e legalidade. A definição permite-nos concluir que os Registros Públicos, além de outras missões, têm a de outorgar a publicidade, função primordial que confere segurança às relações jurídicas que lhe são submetidas. Para Nicolau Balbino Filho (3) Registro de Imóveis, 9ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, pág. 9. 3, a publicidade é a alma dos registros públicos. É a oportunidade que o legislador quer dar ao povo de conhecer tudo o que lhe interessa a respeito de determinados atos. Deixa-o a par de todo o movimento de pessoas e bens. A propósito, Eminente Des. Décio Antônio Erpen (4) "Registro da Penhora", Revista do Direito Imobiliário, n° 12, 1983. 4, enquanto Juiz do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, ao apreciar o fenômeno da publicidade, informou: "É certo que não se está frente a uma verdade metafísica, uma verdade absoluta, mas há um máximo de probabilidade e um mínimo de dúvida de que houve uma comunicação capaz de gerar o conhecimento generalizado. Trata-se de uma ficção necessária como também o é aquela em que a ninguém é dado alegar a ignorância da lei, mesmo que se disponha a demonstrar o contrário." E prossegue o Eminente jurista (5) Décio Antônio Erpen, obr. cit. 5: "As presunções – absolutas ou relativas – advêm, portanto, de uma exigência social, ante o acentuado inter-relacionamento humano, não se tratando de produto do artificialismo que não possa encontrar justificativa. A comunicação, visando gerar o conhecimento, insere-se no intercâmbio social, ultrapassando a esfera jurídica. A própria Filosofia cuida dela, assim que, no campo de Direito, o instituto da publicidade não advém de capricho do legislador, e que estaria a prestigiar exclusivamente a forma. Diante das mutações da vida, fatos e situações passam a ser gravados, para se perpetuarem e para serem acessíveis a uma comunidade em geral." Este é, pois, o instrumento que oferece garantia e segurança para combater a clandestinidade. O resultado é a outorga de um conhecimento público previsível. Admite-se que os direitos inscritos estão protegidos pelo regramento, sendo cognoscíveis por todos, o que acentua o apregoado efeito erga omnes. O objetivo, marcantemente público, advém de um fenômeno social que visa ao pacífico inter-relacionamento humano. A publicidade não confiável abala o sistema, porque informa erroneamente desde o estado das pessoas até o mundo dos negócios, comprometendo-o. Eis uma das razões para a existência dos Registros Públicos, verdadeira emanação do Estado. Aqui, o bem jurídico tutelado pela ordem estatal é a coletividade, podendo-se concluir que a publicidade é a verdadeira guardiã de direitos, outorgando segurança nas relações jurídicas, evitando desagradáveis surpresas e conflitos dispensáveis. Os Registros Públicos erigem-se, pois, no marco inicial de um direito real, ao qual somente se podem opor: 1) outro de maior relevância ou prioritário, 2) um negócio jurídico viciado em sua substância ou 3) um defeito formal do registro, mas em todas as hipóteses não se prescinde de ação própria, com o ônus probatório a cargo do demandante (6) Décio Antônio Erpen, obr. cit. 6. Logo, não basta, para que se possa pôr em dúvida a fé pública decorrente do sistema de publicidade, mera alegação. Há que se ter ação própria, onde o demandante tem de se desincumbir de produzir prova capaz da ineficácia ou da imprestabilidade do direito assentado no registro. 2. A penhora O 2° Grupo Cível do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, ao apreciar Embargos Infringentes n° 27.445, acentuou a necessidade de se levar a registro a penhora de bem imóvel para caracterizar a fraude à execução em caso de alienação do bem. O Registro de Imóveis, espécie do gênero Registro Público, é um instituto que tem sido freqüentemente subestimado por juízes e tribunais, ao argumento de se tratar de formalidade que não pode ser sistematicamente prestigiada, dizendo respeito mais aos registradores e seus respectivos ofícios que aos interesses coletivos. No afã de prestigiar o processo em detrimento das normas materiais de conduta, a prática tem dado azo a danos injustos que muitos contratantes de boa-fé têm sofrido, gerando a descrença nas leis e na instituição guardiã e zeladora de sua aplicação. É de se salientar que, enquanto ato do processo, a penhora se aperfeiçoa com o depósito em mãos do executado (7) RTJ110/1049 e RT589/230. 7. Contudo, enquanto requisito de eficácia para oponibilidade contra terceiros de boa-fé, esta somente se aperfeiçoa com o registro (8) RSTJ 95/261, RT 726/347 e 737/435. 8. Destarte, se a penhora, que é ato de império, deve ser registrada mesmo quando a Fazenda Pública é exeqüente e, notadamente, porque o próprio legislador se submeteu à exigência legal, obviamente que ela não é facultativa e tem sua razão de ser. Foi feliz. Evita com isso que terceiros, adquirentes de boa-fé, venham a ser lesados. Não há conflito entre o Código de Processo Civil e a Lei Registral, ao contrário, há perfeita harmonia. Basta uma leitura conjunta dos preceitos contidos nos artigos 167, I, 5, 169 e 240 da Lei n° 6.015/73, do art. 7°, IV da Lei n° 6.830/80 e do art. 659, § 4°, do CPC, para se perceber a evolução no sentido da obrigatoriedade do registro. O eficiente comentarista da Lei dos Registros Públicos Walter Ceneviva (9) Lei dos Registros Públicos Comentada, Saraiva, 1982, pág. 523. 9, ao analisar o disposto no art. 240 da Lei n° 6.015/73, demonstra a incoerência debitada à jurisprudência ao aceitar a fraude à execução sem o registro da penhora, verbis: "Com esse caminho, introduz-se uma quebra inaceitável do sistema: afasta-se a predominância do direito real e se dá realce ao pessoal inerente à penhora não registrada. É interpretação contrária à letra do art. 240. Deste resulta a afirmação positiva de que só o registro da penhora faz prova, quanto à fraude, de transação posterior e de que, a contrário, enquanto inexistente o registro, não se pode alegar, por força da lei”. O preceito contido no art. 240 da Lei 6.015/73 possui caráter substantivo ao asseverar: "O registro da penhora faz prova quanto à fraude de qualquer transação posterior”. Da exegese resulta que, registrada a penhora, eventual ato de disponibilidade é afetado pela cominação da lei do contrário, a prova da fraude deve ser feita por quem a alega. Essa interpretação, além de ser harmoniosa com a atual sistemática, advém de preceito de ordem material, inserido na Lei de Registros Públicos e posterior à lei adjetiva de que se serviam os processualistas para sustentar a dispensabilidade do registro da penhora. Com o advento da Lei n° 8.953/94, mediante a introdução de preceito processual que tornou obrigatório o registro da constrição (art. 659, § 4º, CPC), a discussão, não obstante ainda existente, perdeu seu substrato, haja vista que, se antes nada dispunha a Lei Processual acerca da necessidade do registro e esse era o seu "calcanhar-de-aquiles", agora, ela é inequívoca, apregoando tal necessidade. 3. A obrigatoriedade do registro em face do princípio da concentração Tem-se apregoado que, ao adotar-se o sistema tabular no Brasil, deveria ele ser completo. A matrícula deveria, então, ser tão completa que dispensasse outras diligências em prestígio à cultuada segurança jurídica. Para alguns, o art. 167 da Lei n° 6.015/73 possui enumeração exaustiva, ou seja, é numerus clausus. O apego a essa conclusão, contudo, não enriquece o sistema. Além disso, o art. 246 da mesma Lei, permite ilações outras, possibilitando maior elasticidade ao comando legal. Outras leis produziram atos que devem ser submetidos a registro ou averbação, sem no entanto ter elastecido formalmente aquela enumeração, mas gerando, inequivocamente, a necessidade de assentamento destes atos registrais. Assim, permitimo-nos concluir com Décio Antonio Erpen e João Pedro Lamana Paiva (10) "A Autonomia Registral e o Princípio da Concentração", Boletim do Colégio Registral do Rio Grande do Sul, n° 18, setembro de 2000. 10 que "nenhum fato jurígeno ou ato jurídico que diga respeito à situação jurídica do imóvel ou às mutações subjetivas pode ficar indiferente à inscrição na matrícula". A matrícula deve, então, ser o repositório de todos os atos que digam respeito à situação jurídica do imóvel e suas mutações objetiva e subjetiva, possibilitando àquele que a ela acorra conhecer das nuances que envolvem os direitos assentados. Daí se conclui pela necessidade do registro da penhora, não para garantia processual, eis que processualmente a constrição existe formalmente, aperfeiçoando-se com o depósito em mãos do executado, nem mesmo para a constituição do próprio gravame, mas para garantia da estabilidade das relações sociais, precisamente, para que o terceiro de boa-fé – a quem o ordenamento jurídico tem o dever de proteger em sua hipossuficiência – não seja surpreendido, mesmo depois de tomar todas as cautelas legais que cercam a aquisição imobiliária, perdendo aquilo que pode ser fruto de economias de uma vida inteira. O registro da penhora se faz necessário, além disso, pelo disposto na própria Lei de Registros Públicos, por força do princípio da obrigatoriedade, que impõe o necessário registro dos atos previstos em lei (art. 285, III, Prov. 01/98-CGJ). A Lei nº 6.015/73, em seu art. 167, I, 5, impõe o registro da penhora compulsório por força de seu art. 169. Refere o dispositivo: "No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos: I - o registro: 1) ... 5) das penhoras, arrestos e seqüestros de imóveis"... Estabelece o art. 169, a seu turno: "Todos os atos enumerados no art. 167 são obrigatórios e efetuar-se-ão no cartório da situação do imóvel"... Da dicção citada resulta que a compulsoriedade do registro é a base para a configuração de fraude à execução, conforme menção expressa do art. 240 da mesma lei: "O registro da penhora faz prova quanto à fraude de qualquer transação posterior”. O entendimento doutrinário evoluiu até ensejar a indução nos dispositivos relativos à obrigatoriedade do registro da penhora na Lei de Execução Fiscal. A Lei n° 6.830/80, mais moderna e preocupada com a repercussão social da medida constritiva, estabeleceu a obrigatoriedade do registro em seu art. 7º. Refere o art. 7°: "O despacho do Juiz que deferir a inicial importa em ordem para: I - .... ... IV - registro da penhora ou arresto, independentemente do pagamento de custas ou despesas, observado o disposto no art. 14 e”... Esta inclinação doutrinária teve por escopo a garantia registral da apreensão e sua publicidade, formalidade que torna pública esta apreensão, relativamente à constrição imobiliária. Não obstante a legislação citada, também o Pergaminho Processual, alterado pela Lei n° 8.953/94, acedeu à moderna doutrina, que, preocupada com os aspectos sociais da medida, prestigia o registro da constrição como requisito para segurança jurídica, prescrevendo em seu art. 659, § 4°: "A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora e inscrição no respectivo registro”. Assim, ainda uma vez, o registro da penhora deve ser feito não para a validade da própria constrição em si, mas para garantia de todo o sistema de confiabilidade imobiliária implantado no Brasil, que é assentado, fundamentalmente, nos princípios da fé pública e da publicidade, que asseguram a paz social para o qual foram desenvolvidos e, em decorrência, a estabilidade das relações jurídicas. Finalmente, para Décio Antonio Erpen e João Pedro Lamana Paiva (11) Obr. cit. 11, além dos atos traslativos de propriedade, das instituições de direitos reais, à matrícula devem acorrer os atos judiciais, os atos que restringem a propriedade, os atos constritivos (penhoras, arrestos, seqüestros, embargos), mesmo de caráter acautelatório, as declarações de indisponibilidade, as ações pessoais reipersecutórias e as reais, os decretos de utilidade pública, as imissões nas expropriações, os decretos de quebra, os tombamentos, comodatos, as servidões administrativas, os protestos contra a alienação de bem, os arrendamentos, as parcerias, enfim, todos os atos e fatos que possam implicar a alteração jurídica da coisa, mesmo em caráter secundário, mas que possa ser oponível, sem a necessidade de se buscar alhures informações outras, o que conspiraria contra a dinâmica da vida. 4. Fraude à execução A fraude à execução é ilícita. Nela que incide o devedor que aliena ou onera bens quando sobre eles pender ação fundada em direito real, ou quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra si demanda capaz de reduzi-lo à insolvência (art. 593 do CPC). O direito registral, relegado a segundo plano em face à postura processualista de inúmeros profissionais do direito, tem, não obstante, função primordial para o acompanhamento da dinâmica constante da vida. Enseja soluções racionais e práticas para solver impasses, visando noticiar toda a real e correta situação jurídica da coisa, com todas as suas mutações subjetivas e objetivas. A harmonia do direito com a notícia deve ser inquestionável e inequívoca para não gerar novas demandas. Isso revela a função primordial ínsita aos registros públicos, ou seja, a de outorgar a paz jurídica. Não hesita-se em afirmar que a penhora não levada a registro é inoponível, por si só, frente a outro ato, judicial ou extrajudicial, que tenha logrado êxito junto ao Registro Imobiliário, salvo se em ação própria for demonstrada a má-fé do adquirente, mas que não se presume. Pelo sistema imobiliário adotado no país, o adquirente de imóvel (penhorado nos autos de execução) sem a penhora registrada, ou ainda livre de outros ônus reais ou gravames, é sempre de boa-fé, pois o que comprova a oneração do imóvel é a certidão do Registro Imobiliário, documento obrigatório para a lavratura dos atos notariais relativos a imóveis (art. 1º, IV, Decr. 93.240/86). As situações que envolvem o tema sinalizam dois caminhos. O primeiro, quando há alienação do imóvel penhorado sem registro correspondente, caso em que a penhora é adstrita ao processo e inoponível e o segundo, com a penhora registrada, quando esta é conhecida do mundo jurídico e negocial, fazendo prova quanto à fraude de qualquer alienação que lhe seja posterior (art. 240 da Lei n° 6.015/73). Como assegurar a paz social? Sugere Sergio Sahione Fadel (12) Código de Processo Civil Comentado, v. II, Forense, 1982, pág. 474. 12: "No caso de a penhora recair em imóvel, deve o credor providenciar, através de certidão do auto, a inscrição dessa penhora no registro imobiliário, a fim de evitar os casos comuns de fraude de execução, em que o devedor aliena ou onera seus bens penhorados com o escopo de dificultar ou impossibilitar a execução, criando, com isso, incidente demorado e acarretando, em muitos casos, o envolvimento de terceiros, às vezes de boa-fé, no processo executivo." Alcides De Mendonça Lima (13) Comentários ao Código de Processo Civil, v. VI, t. II, Forense, 1979, pág. 569. 13, também sensível à problemática, opina pela exigibilidade da inscrição: "A formalidade da inscrição, no caso, gera apenas um dos efeitos que da mesma decorrem: a transferência de direitos reais e a publicidade, ou seja, apenas este último, como bem nota Amilcar de Castro. Com tal inscrição, que passa a acompanhar o bem imóvel sempre que for solicitado seu 'histórico', nenhum terceiro poderá ignorar a situação, ante a possibilidade de o autor vencer a ação e, portanto, ter assegurado seu direito sobre o bem, onde quer que o mesmo esteja. A fraude decorrerá, assim, da presunção juris et de jure. Se porém, a inscrição não for feita, a posição se alterará completamente em detrimento do autor-credor: a ele caberá provar, então, pelos meios admitidos que houve fraude, que o terceiro tinha ciência da ação etc. Às vezes, tal prova é de difícil produção. A negligência do credor, não procedendo à inscrição da citação (como de qualquer medida preventiva que haja requerido, como seqüestro ou arresto), lhe poderá ser fatal, pois não contará com a presunção absoluta a seu favor. O Código, aliás, ao tratar da 'fraude de execução', deveria referir-se à exigência da inscrição, porque, pela redação já tradicional, a impressão que se dá é que basta a propositura da ação, como única prova que o credor deverá fazer, para tornar ineficaz o ato entre o devedor e o terceiro. Somente o Regulamento dos Registros Públicos é que menciona a formalidade. O intérprete menos avisado, porém, poderá ater-se aos termos apenas do Código, cuja omissão é injustificável, dado o valor de que a formalidade se reveste em benefício do credor “. Importante trazer à colação voto da lavra do Eminente Des. Relator Athos Gusmão Carneiro (14) Diversos - Jurisprudência Brasileira, pág. 169. 14 na Ap. Cív. 31.227 – TJRS, que faz adequada exegese na questão da necessidade do registro da penhora para a eficácia perante terceiros, verbis: "Sr. Presidente. Mantenho meu posicionamento contra a limitação da eficácia, face a terceiros, da penhora não registrada. É que no conflito entre o interesse do credor, que poderia ter registrado o ato de constrição e não o fez, do credor que descurou, e o interesse daquele terceiro que a título oneroso adquiriu o bem ao devedor executado e pagou o respectivo preço, negociando fiado no registro imobiliário que não acusava ônus algum sobre o imóvel, justo é que prevaleça o interesse do adquirente de boa-fé, e isso mesmo no caso de fraude à execução." Também a jurisprudência do Colendo STJ, no exercício da guarda das normas infraconstitucionais, tem decidido copiosamente pela necessidade do registro da constrição para fazer prova quanto à fraude da alienação: "Na ausência de registro, ao credor cabe o ônus de provar que o terceiro tinha ciência da demanda em curso" (15) STJ - 4ª T. - Resp 4.132-RS - Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, publ. em 7.10.1991. 15. "Somente após o registro a penhora faz prova quanto à fraude de qualquer transação posterior (Lei n° 6.015, art. 240)" (16) STJ - 4ª T. - Ag. 4.602-PR - Rel. Min. Athos Carneiro, publ. em 1º.4.1991. 16. "Alienado a terceiro, incumbe ao exeqüente e embargado fazer a prova de que o terceiro tinha conhecimento da ação ou da constrição" (17) STJ - Ac. unân. da 3ª T. - Resp 145.296-SP - Rel. Min. Waldemar Zveiter, publ. em 20.3.2000. 17 "O arresto não registrado é inoponível ao terceiro adquirente de boa-fé. Inexistindo o registro, ao tempo da alienação, incumbia ao credor fazer a prova da má-fé do terceiro adquirente" (18) STJ - 4ª T. - Resp 76.063-RS - Rel. Min. Ruy Rosado, publ. em 24.6.1996. 18. "Não havendo registro da penhora, não há falar em fraude à execução, salvo se aquele que alegar a fraude provar que o terceiro adquiriu o imóvel sabendo que estava penhorado" (19) STJ - 3ª T. - Resp 113.666-DF - Rel. Min. Menezes Direito, publ. em 30.6.1997. 19. "a ineficácia da alienação do bem penhorado, diante de terceiros adquirentes que alegam boa-fé, depende de o "credor demonstrar que o terceiro tinha ciência da existência dos atos constritivos da penhora, do arresto ou do seqüestro" (Sálvio de Figueiredo, Ajuris, op. loc. Cit.). Essa prova se faz, em se tratando de imóveis, com o registro da penhora no livro imobiliário, ou, faltando o registro, com a demonstração de efetiva ciência do adquirente, pelos meios admitidos de prova, durante a instrução. Hoje, a lei exige, para a integralização da penhora de imóvel, o seu registro (artigo 659, § 4º do CPC, com a redação da Lei 8.953/94). Inexistindo o registro e sem a prova de que o terceiro adquirente tinha conhecimento da penhora, não há, na alienação do bem, ineficácia por atentado ao ato judicial de constrição ..." (20) STJ - 4ª T. - Resp 136.342-PR - Rel. Min. Ruy Rosado - publ. em 15.12.1997. 20 "Se a penhora não foi registrada no registro de imóveis, ao credor cabe a prova da fraude de execução" (21) RTJ 111/690. 21. O direito é dinâmico e este entendimento cria a necessidade de revisão da doutrina. Necessário se faz estabelecer a efetiva limitação da eficácia da penhora não registrada, eis que esta só gera instabilidade social. Registrada a penhora no fólio real, só então será oportunizado ao futuro adquirente de imóvel conhecer da sua existência – como decorrência dos próprios efeitos do sistema registral – de modo a repercutir na esfera do seu direito, não lhe sendo mais lícito alegar ignorância. A obrigatoriedade encerra não só a caracterização da fraude por alienações posteriores (art. 240 LRP), mas a publicidade inerente ao ato de registro. Enquanto não registrada a penhora, a presunção é sempre de boa-fé, o contrário é que exige prova inequívoca. A própria lei prevê, em situação análoga, que se registre a citação da ação (art. 167, I, 21, LRP) para a obtenção da declaração de fraude, acautelando terceiros, eis que a ação é real. O registro tem caráter cautelar, como de resto os demais o têm. O litigante diligente, que pretenda manter a situação patrimonial de seu contendor, em garantia da satisfação de seu crédito, deve noticiar a demanda, promovendo o registro, ou da citação, ou do ato constritivo ou da decisão final. Finalmente, não há como igualar ao credor diligente, que registrou a penhora, o credor desidioso, que ficou alheio à plena eficácia de seus direitos e ao direito de terceiros, deixando de promover o registro obrigatório segundo o ordenamento legal. 5. O terceiro de boa-fé Terceiro de boa-fé, no âmbito da aquisição imobiliária e da fraude à execução, é aquele que, tomando as cautelas previstas em lei, tem o seu direito de propriedade posto à prova, em virtude de litígio pré-existente em processo do qual não tomou conhecimento. Como fica o direito deste cidadão ante o desconhecimento deste litígio, cuja normatização para a garantia da estabilidade social é dever do Estado? Parece-nos, por evidente, que este direito está assegurado em diversos diplomas legais. Como preconizado anteriormente, uma leitura conjunta dos preceitos contidos nos artigos 167, I, 5, 169 e 240 da Lei n° 6.015/73, do art. 7°, IV da Lei n° 6.830/80 e do art. 659, § 4°, do CPC, possibilita-nos a resposta a tal indagação, permitindo-nos afirmar que este direito deve ser assegurado mediante o registro obrigatório de eventual constrição para que essa possa lhe ser oponível. Aliás, a preceito contido no art. 240 da Lei 6.015/73 assevera: "O registro da penhora faz prova quanto à fraude de qualquer transação posterior”. Conclui-se, pois, que o registro da penhora deve ser feito, não para garantia processual, mas para a garantia da estabilidade das relações sociais protegidas pelo Direito e, principalmente, para que o terceiro de boa-fé – a quem o ordenamento jurídico tem o dever de proteger em sua hipossuficiência – não seja prejudicado pela falta de diligência de litigantes em levar a registro à constrição que lhe garantiria a execução de seu crédito. Reitera-se: a penhora não levada a registro é inoponível, por si só, frente a outro ato, judicial ou extrajudicial, que tenha logrado êxito junto ao Registro Imobiliário, salvo se em ação própria for demonstrada a má-fé do adquirente, mas que não se presume. Tem a penhora como requisito de eficácia para oponibilidade contra terceiros de boa-fé o necessário registro (RSTJ 95/261, RT 726/347 e 737/435). Importante a lição de Carlos Maximiliano (22) Hermenêutica e Aplicação do Direito, 8ª ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1965, pág. 13. 22, para quem interpretar é determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito. Segue o Mestre (23) Obr. cit. 23 afirmando: "É tarefa primordial do executor a pesquisa da relação entre o texto abstrato e o caso concreto, entre a norma jurídica e o fato social, isto é, aplicar o Direito. Para conseguir, se faz mister um trabalho preliminar: descobrir e fixar o sentido verdadeiro da regra positiva e, logo depois, o respectivo alcance, a sua extensão. Em resumo, o executor extrai da norma tudo o que a mesma contém”. A lição explicita a importância da interpretação da Lei e sua correlação com o fato social. Assim, havendo normas expressas (artigos 167, I, 5, 169 e 240 da Lei n° 6.015/73, do art. 7°, IV da Lei n° 6.830/80 e do art. 659, § 4°, do CPC) que visam fundamentalmente à proteção social, negar-lhe a vigência é admitir que a lei é feita para a proteção de poucos, na medida em que, se estes poucos não acautelam seu direito, utilizando-se das faculdades previstas em seu texto, não podem pretender fazer valer seu direito em detrimento do direito de quem é o ente justamente protegido pela lei. A lei tem o dever de garantir a estabilização das relações jurídicas e o fez com a determinação de registro da penhora para sua oponibilidade em relação a terceiros. Wellington Pacheco Barros (24) "A Eficácia Social da Lei", jornal Zero Hora, ed. 16.12.1989, Porto Alegre, pág. 4. 24 condensa com propriedade o processo político-social de formação legislativa, informando: "É verdade que a lei não surge como os mandamentos para Moisés. O processo de formação legislativa é ato humano, e, portanto, o produto daí advindo, a lei, sofre naturalmente as influências ideológicas representativas do momento político-social de sua edição. O ato de legislar, como essência do Poder Legislativo, se caracteriza, na regra de comportamento, em captações de realidades e transformações de comando geral. Por conseguinte, a perenidade dessa lei deve durar enquanto durar a realidade que a ensejou, obrigando-se o legislador a acompanhar as mudanças para transformá-las em novas leis. Essa obrigação é ínsita na própria outorga social do mandato eletivo recebido pelo procurador da lei. A conceituação da lei calcada na realidade social é decorrência de reação aos excessos lógicos e formalistas do Positivismo Jurídico atávico, que, abstraindo-se que a sociedade evolui, teima em privilegiar princípios que socialmente não mais são aceitos e com isso afasta o pensamento de que a lei não exaure o Direito“. Todavia, quando a lei não acompanha o evoluir social, ou seja, quando não há correspondência entre o fato socialmente aceito e a lei que o regula, ela sofre de ineficácia declarada pela própria sociedade. A evolução legislativa do instituto do registro da penhora demonstra este processo de evolução social, e, por ser o Poder Judiciário também um mandatário do poder social, a ele cabe determinar a aplicação das normas cogentes que ratificam a necessidade de registro da penhora para o alcance dos chamados efeitos erga omnes, permitindo-nos afirmar que o contrário atenta contra a normalidade geral. Segue o lúcido Des. Wellington Pacheco Barros (25) Obr. cit. 25 afirmando que o Judiciário precisa ver a lei com os olhos da realidade, pois, se não o fizer, na explicação de que é apenas o seu aplicador, estará se negando, porque o seu poder, originalmente um poder social, tem um correspondente dever. René David (26) Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo, 1ª ed. brasileira, trad. de Hermínio Carvalho. São Paulo: Martins Fontes, 1986, pág. 101.26 salienta que a interpretação do Direito varia de acordo com juízes, com a época e dependendo do ramo do Direito. A interpretação gramatical e lógica é aplicada quando existe entre a letra da lei e o conceito de justo uma perfeita simbiose. Aí, o legislador é plenamente obedecido. A simbiose evidenciada por René David está presente na evolução legislativa que trata da penhora e sua repercussão social. Foi feliz o legislador em atribuir oponibilidade a terceiro àquelas penhoras devidamente registradas no Álbum Fundiário (artigo 240 da Lei n° 6.015/73 c/c art. 659, § 4°, do CPC). Também feliz a interpretação dos tribunais acerca da matéria (RSTJ 95/261, RT 726/347 e 737/435). Resta-nos afirmar, que somente teremos a plena estabilidade das relações jurídicas que envolvem credor, devedor, terceiro de boa-fé e sociedade como um todo, com a plena aplicação dos ditames legais e jurisprudenciais contemporâneos, deixando de lado o ranço bizantino, o apego ao processualismo, prestigiando o respeito às normas materiais de conduta e de direito. Conclusão O presente estudo procurou demonstrar a importância do registro da penhora como meio de garantia e estabilidade das relações sociais. A falta de registro da penhora de imóvel no Ofício Imobiliário competente é mais danosa à sociedade que ao próprio credor. A sociedade tem o direito de conhecer a existência de eventual constrição incidente sobre o imóvel para que terceiros de boa-fé não sejam prejudicados pela falta de diligência de credores desavisados no cumprimento das normas legais, que potencializam danos àqueles que se vêem tolhidos do seu direito de propriedade pela alegada fraude à execução, de cujo processo sequer tiveram conhecimento pela absoluta inexistência de publicização da constrição. Sobressai, aqui, a importância do Registro Imobiliário como veículo próprio para a notícia confiável sobre a situação jurídica do imóvel e sua especialidade objetiva e subjetiva. Restou evidenciado, ainda, que normas expressas (artigos 167, I, 5, 169 e 240 da Lei n° 6.015/73, do art. 7°, IV da Lei n° 6.830/80 e do art. 659, § 4°, do CPC) determinam o registro da penhora para sua oponibilidade a terceiros e que a jurisprudência tem se preocupado com a repercussão social da medida (RSTJ 95/261, RT 726/347 e 737/435). Por fim, a afirmativa de que somente teremos a plena estabilidade das relações jurídicas que envolvem credor, devedor, terceiro de boa-fé e sociedade como um todo, com a plena aplicação dos ditames legais e jurisprudenciais contemporâneos, afastados do ranço bizantino, do apego ao processualismo, em prestígio ao respeito às normas materiais de conduta e de direito. Referências bibliográficas BARROS, Wellington Pacheco, “A Eficácia Social da Lei”, jornal Zero Hora, ed. 16.12.1989, Porto Alegre, pág. 4. CENEVIVA, Walter, Lei dos Registros Públicos Comentada, Saraiva, 1982, pág. 523. DAVID, Rene, Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo, 1ª ed. brasileira, trad. de Hermínio Carvalho. São Paulo: Martins Fontes, 1986, pág. 101. DIVERSOS, Jurisprudência Brasileira, pág. 169. ERPEN, Décio Antônio e PAIVA, João Pedro Lamana, “A Autonomia Registral e o Princípio da Concentração”, Boletim do Colégio Registral do Rio Grande do Sul, n° 18, setembro de 2000. ERPEN, Décio Antônio, “Registro da Penhora”, Revista do Direito Imobiliário, n° 12, 1983. FADEL, Sergio Sahione, Código de Processo Civil Comentado, v. II, Forense, 1982, pág. 474. FILHO, Nicolau Balbino, Registro de Imóveis, 9ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, pág. 9. LIMA, Alcides de Mendonça, Comentários ao Código de Process
Direitos
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