Notícia n. 3918 - Boletim Eletrônico IRIB / Agosto de 2002 / Nº 529 - 23/08/2002
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
529
Date
2002Período
Agosto
Description
Usucapião coletiva: direito novo? - Benedito Silvério Ribeiro* - A usucapião urbana coletiva contida no artigo 10 do Estatuto da Cidade constitui modalidade distinta daquela prevista no artigo 183 da Constituição Federal? As posses anteriores à vigência do mencionado estatuto podem ser computadas? Há os que pensam tratar-se de novo tipo de usucapião e que o tempo só poderá ser contado a partir da vigência do citado estatuto. Assim, o mencionado artigo 10 não fala em possuir, mas ocupar área em forma coletiva, isto é, por população de baixa renda, envolvendo um grande número de pessoas, diferentemente do que ocorre com a modalidade individual do artigo 9º. Nesta, não se enxerga muita diferença daquela inserta no artigo 183 da Constituição Federal, que fala em área urbana de até 250 m², enquanto aquela outra menciona área ou edificação urbana de até 250 m². A palavra edificação só pode referir-se ao direito de superfície criado no Estatuto da Cidade, alçado como direito real no novo Código Civil. Se é possível usucapir o todo (área urbana, evidentemente, com a construção, já que o possuidor deve morar no imóvel), inclui-se no direito toda a superfície, que é o menos, daí não se cuidar a usucapião individual estatuída no artigo 9º do direito novo. Os que entendem não se tratar de usucapião coletiva de nova modalidade usucapiatória aduzem que o legislador do estatuto apenas forneceu instrumento para viabilizar situações peculiares da já conhecida usucapião constitucional urbana. Argumenta o preclaro juiz Francisco Eduardo Loureiro: “A situação aqui é outra, por razões várias. Primeiro, porque o Estatuto da Cidade teve período de vacatio legis, suficientemente longo para que eventuais titulares do domínio ajuizassem ações para retomar os imóveis ocupados, não sendo colhidos, assim, de surpresa pela suposta nova modalidade de prescrição aquisitiva. Segundo, porque o chamado usucapião coletivo nada mais é do que uma espécie de usucapião constitucional urbano, apenas ostentando algumas facetas peculiares para solucionar situações fáticas que encontravam obstáculos de natureza formal para consumação da prescrição aquisitiva.” (Usucapião Coletivo e Habitação Popular, in Revista do Direito Imobiliário, número 51, página 159). À jurisprudência caberá dar a devida interpretação no tocante à contagem de tempo anterior à vigência do Estatuto da Cidade, tal como ocorreu com a figura assentada no artigo 183 da Constituição Federal de 1988. Em que pesem ponderações de um e outro lado, cabe indagar como devia colocar-se o proprietário de imóvel vendo um certo ou grande número de pessoas em gleba de terra de sua propriedade, com barracos ou casas precárias e de forma desordenada. Não se cuidando de usucapião de maior prazo (extraordinária) ou da modalidade constitucional (artigo 183), deveria o proprietário, no período da vacatio legis do Estatuto da Cidade, interromper a prescrição, para evitar a ocorrência de usucapião coletiva? É de se concluir por resposta negativa. O prazo de 90 dias mostra-se curto para a defesa da propriedade, como o foi o de seis meses da Lei nº 2.437/55, que encurtou o tempo das prescrições extraordinárias e ordinária. A lei nova fala em áreas urbanas com mais de 250 m², o que induz impossibilidade de usucapião individual justo por ultrapassar o limite máximo de metragem permitida no artigo 183 da Constituição Federal. Outro ponto a merecer realce é referente ao acréscimo da posse do antecessor, sem previsão no mencionado artigo 183. O artigo 10 do Estatuto da Cidade, além de referir-se a áreas urbanas com mais de 250 m², di-las ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor. Ocupação não ostenta significado de posse propriamente dita, despontando tolerância maior, no sentido meramente material. Ainda, cabe ressaltar que é a primeira vez que a lei estabelece ocupação por várias pessoas (população) de baixa renda e que pode gerar conseqüências jurídicas (levar à usucapião). O novo Código Civil prevê hipótese de ser o proprietário privado de seu direito dominial, ao reivindicar imóvel consistente em extensa área, de considerável número de pessoas que tenham realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social ou econômico relevante (artigo 1.228, § 4º). Fixada a justa indenização devida ao proprietário e pago o preço, valerá a sentença como título para registro em nome dos possuidores (§ 5º). No entanto, por se tratar de medida que interfere com o direito de propriedade, além do período de vacatio legis de um ano, para vigência do novo Código Civil, concedeu o legislador mais dois anos para vigorar o novel preceito, conforme expressão prescrição no artigo 2.030. O proprietário do imóvel ocupado não visualizará possuidores em locais certos, para serem usucapidos, prevendo a lei áreas ocupadas... onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor. Não se vislumbrando casas ou barracos fixos, muitas vezes apoiados em estacas e com cobertura precária, não será possível mesmo identificar os terrenos ocupados por cada possuidor. Tal não possibilita descrição ou locação dos imóveis para fins registrários. Ademais, a finalidade buscada na usucapião coletiva é a formação de um condomínio, cabendo frações ideais a cada um dos condôminos, até mesmo de forma diferenciada (§ 3º do artigo 10 do estatuto), podendo não sobrevir extinção do condomínio (§ 4º). A possibilidade de grande número de autores e até mesmo a substituição processual deles somente adveio com o citado estatuto (artigo 12). O acréscimo de posse – accessio possessionis - , que não era permitido na modalidade constitucional do artigo 183, constitui inovação do legislador ordinário (§ 1º, do artigo 10). São todos pontos específicos de nova figura usucapiatória a demandar reconhecimento de direito novo, cuja contagem de tempo prescricional deve ocorrer a partir da vigência do artigo 10 do Estatuto da Cidade. * Benedito Silvério Ribeiro é Juiz do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo.
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
3918
Idioma
pt_BR