Notícia n. 3913 - Boletim Eletrônico IRIB / Agosto de 2002 / Nº 529 - 23/08/2002
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
529
Date
2002Período
Agosto
Description
IRIB participa de importante Encontro sobre Regularização Fundiária em Porto Alegre. - Convidado para o Encontro sobre Regularização Fundiária no Brasil, realizado em Porto Alegre dentro do II Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico, sob a coordenação do Instituto Pólis de São Paulo, o Presidente Sérgio Jacomino indicou o Registrador rio-grandense-do-sul, Dr. João Pedro Lamana Paiva, Vice-Presidente do Irib/RS, para participar do processo de elaboração de um Manual de Regularização Fundiária no Brasil. O II Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico foi realizado de 14 a 16 de julho de 2002, no Centro de Convenções do Plaza São Rafael, em Porto Alegre-RS, promovido pela Escola Superior de Direito Municipal e Procuradoria-Geral do Município, com a participação de cerca de 500 congressistas, representantes de diversas entidades ligadas à regularização fundiária, Prefeituras Municipais, Promotores de Justiça, Procuradores Municipais etc. O processo de elaboração do Manual de Regularização Fundiária no Brasil se originou de encontros com agentes envolvidos com regularização fundiária (urbanistas, operadores do direito, movimentos populares, técnicos de prefeituras), ativando um grupo de trabalho encarregado de apontar as questões mais relevantes para a questão da regularização fundiária no Brasil. O objetivo do Manual é pautar os procedimentos envolvendo o tema da regularização fundiária nas cidades brasileiras, devendo funcionar tanto como um referencial teórico e conceitual para o tema, como um apoio (em termos de procedimentos) para as ações. A participação do IRIB se deu em dois importantes momentos do evento. Primeiramente, o Dr. Lamana Paiva participou da elaboração de um Manual de Regularização Fundiária no Brasil, sob a coordenação do Instituto Polis (14/7). A seguir, proferiu palestra no grupo Função Social da Propriedade, sob a coordenação de Liana Portilho sobre o tema More Legal (16/7), cuja sinopse divulgamos a seguir. Regularização Fundiária More Legal * João Pedro Lamana Paiva A Propriedade é, histórica e fatidicamente, um dos direitos mais fortes e tutelados pela sociedade humana. De certo modo, ampara-se a propriedade quase tanto como a vida, quando lhe oportuniza o exercício da reivindicatória, que é a legítima defesa exercida pelo proprietário a todos aqueles que violam ou atentam contra seu direito. Consagrado amplamente na Constituição Federal de 1988, o artigo 5º, inciso XXIII, dispõe que “a propriedade atenderá sua função social”. No princípio, a propriedade pertencia ao Estado que a conquistava, passando, num segundo momento, às mãos dos particulares, para fins de ocupação e cultivo para sustento. Com a evolução da sociedade e de suas relações, foram gerados sistemas para regular o direito de propriedade e, com isso, criou-se o que se chama de propriedade regular. Esta advém do registro de um título hábil na Serventia Registral Imobiliária da situação do imóvel e confere ao proprietário os mais amplos poderes (usar, fruir e dispor) sobre a coisa, oponíveis erga omnes. Em decorrência do êxodo rural, iniciado no Brasil na década de 60, originou-se o que conhecemos por propriedade informal, cujo caráter nega ao seu titular um título causal que lhe assegure direitos e, assim, lhe mitiga as garantias e prerrogativas decorrentes do domínio regular. Para exemplificar, nega-se o direito à hipoteca, como forma de conseguir meios para imprimir um melhoramento na coisa, como uma construção. Apresenta como mecanismo de defesa tão-somente as ações possessórias. Como se vê, a propriedade informal é aquela originária dos loteamentos ilícitos, que se dividem em clandestinos e irregulares. Conforme lição de Francisco Eduardo Loureiro, no trabalho denominado Loteamentos Clandestinos: Prevenção e Repressão, em que conceitua como “loteamentos irregulares aqueles que, embora aprovados pela Prefeitura e demais órgãos Estaduais e Federais, quando necessário, fisicamente não são executados, ou são executados em descompasso com a legislação ou com atos de aprovação. Por sua vez, os loteamentos clandestinos são aqueles que não obtiveram a aprovação ou autorização administrativa dos órgãos competentes, incluídos aí não só a Prefeitura, como também entes Estaduais e Federais, quando necessário. Os loteamentos irregulares podem estar, ou não registrados. Às vezes, encontram-se formalmente perfeitos, porque contêm nos respectivos processos todos os documentos e autorizações necessárias ao parcelamento. Fisicamente, porém, as obras previstas podem não ter sido executadas, ou executadas em desacordo com o próprio projeto, ou em ofensa a outras normas cogentes correlatas ao parcelamento. Via de regra, se pode falar em graduação dos vícios que maculam o parcelamento do solo. O loteamento clandestino, assim, padeceria de vícios mais graves do que o loteamento meramente irregular. Faltam ao primeiro não só o registro, ou a implantação de acordo com as normas de regência, mas a própria aprovação urbanística. Muitas vezes, porém, a irregularidade fática não guarda exata simetria com a irregularidade jurídica. Pode perfeitamente ocorrer do loteamento clandestino ser passível de regularização, ao contrário do loteamento meramente irregular. No clandestino podem estar respeitadas, fisicamente, as normas de caráter urbanístico, enquanto que no irregular, pode ser implantado em total desacordo com o projeto e com o registro, estando, assim, ferindo abruptamente a lei.” Nestes casos, observa-se como característica fundamental, a irreversibilidade, ou seja, apresentam situações fáticas consolidadas, as quais não podem ficar desamparadas. Dessa forma, hodiernamente, estão merecendo toda a atenção do Estado, através de seus Entes Públicos, União Federal, Estados Federados e Municípios, por seus poderes, para inseri-los sob o pálio da lei, passando a gerar efeitos no universo jurídico. Para que isso ocorra, ou seja, para a regularização, necessariamente, a propriedade informal deverá transmutar, ingressando nos Registros Públicos, para tornar-se regular. Desta forma, com base em preceito constitucional, que consagrou o direito de propriedade, cujo interesse visa atender o interesse social, principalmente em relação àqueles menos afortunados que possuem imóveis em situações irregulares e irreversíveis, é que o Poder Judiciário do Rio Grande do Sul, através da Corregedoria-Geral da Justiça, instituiu um plano emergencial, objetivando regularizar as propriedades, dispensando exigências outras, que não a documentação relativa à boa origem do imóvel. Assim, os requisitos urbanísticos e exigências fiscais não seriam motivos impeditivos a permitir o acesso ao registro imobiliário para os terrenos que apresentassem uma situação jurídica consolidada, cuja posse, com início de prova escrita vinda do proprietário, fosse inatacável. Trata-se do projeto More Legal, que é um assunto recente e de suma importância para toda a comunidade gaúcha, face à originalidade do tema, servindo de paradigma para os demais Estados da Federação, inclusive estabelecendo diretrizes para a promulgação da Lei 9.785, de 29 de janeiro de 1999, pela finalidade básica que traz em si, que é a regularização registral do parcelamento do solo urbano. Projeto More Legal 2 Este projeto foi idealizado pelo brilhante Desembargador Décio Antonio Erpen, quando Corregedor-Geral da Justiça, e consolidado através dos Provimentos nº 39/95-CGJ e nº 1/98-CGJ. Posteriormente, sofreu alterações decorrentes da publicação do Provimento nº 17/99-CGJ, que instituiu o More Legal 2, através do então Corregedor-Geral, Desembargador Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, trazendo novidades. O More Legal tem for escopo solucionar um problema social, acabando ou reduzindo o número de propriedades informais. Como se sabe, a via principal de regularização de imóveis urbanos é a Lei 6.766/79. Todavia, outros caminhos podem ser adotados para alcançar o fim colimado, seja por meio de decisões judiciais nas ações de usucapião, de adjudicação compulsória, de divisão e extinção de condomínio, ou através do More Legal. 1. Objetivos O More Legal visa solver grave problema social, com benefícios para todos: a) para a Municipalidade, que atualizará o cadastro para fins tributários b) para o titular do domínio, que poderia dar o imóvel em hipoteca, com acesso ao crédito c) para notários e registradores, porque praticariam atos passíveis de emolumentos d) para a paz jurídica, identificando o titular do domínio, inclusive para os credores poderem penhorar, se for o caso, o imóvel ou direitos e ações. 2. Fundamento Legal Provimento nº 39/95-CGJ, posteriormente reproduzido na Consolidação Normativa Notarial e Registral, Provimento 01/98 da CGJ-RS, em seus artigos 532 e seguintes, onde encontramos as situações fáticas que podem ser regularizados pelo projeto. Hoje, a matéria está disciplinada pelo Provimento nº 17/99-CGJ, de 11 de outubro de 1999. Não é qualquer parcelamento que se enquadra nas hipóteses de regularização, pois há de se ter uma situação de ocupação plena dos lotes, com posse assentada e já consolidada. Em outras palavras, serve para consolidar o que já é irreversível. 3. Formas de Regularização a) Pelo loteador-proprietário Poderá ocorrer após a notificação prevista no artigo 38 da Lei 6.766/79, quando faltoso o loteador com suas obrigações, vindo a cumpri-las. É difícil que isso ocorra, mas não podemos desprezar tal hipótese. b) Pela Municipalidade A Lei 6.766/79, em seu artigo 40, atribui à Prefeitura Municipal o direito/dever de proceder à regularização de loteamento sempre que o loteador, regularmente notificado, não o faça. Portanto, é à Municipalidade que a lei confere poderes para requerer a regularização. E, como sabemos, muitas vezes a própria Prefeitura não age assim, entendemos ser possível a notificação da mesma, juntamente com o loteador, a fim de constituí-los em mora. Constituir em mora o Município parece-nos necessário porque é a ele que a lei confere poderes e a obrigação de assumir o processo, podendo e devendo buscar a reparação dos custos pela execução, do loteador faltoso. E, se regularmente notificado, não cumprir o seu dever, os procedimentos requeridos por terceiros, derivados do More Legal, teriam seu curso normal. 4. Processo de Regularização Primeiramente, o pedido de regularização, instruído com os documentos informados pelo artigo 2º do Provimento nº 17/99-CGJ, iniciar-se-á através de requerimento ao juízo competente, o qual será submetido ao Oficial do Registro de Imóveis. Depois, haverá a manifestação do Ministério Público, acerca da viabilidade da regularização. Em ato seguinte, os autos serão conclusos ao Juiz de Direito, para publicação de editais, dando ciência a terceiros, acaso necessário e para posterior decisão. Depois de cumpridos os trâmites judiciais, o Juiz determinará o registro da regularização. O documento judicial não precisará ser, necessariamente, um mandado, nem mesmo uma ordem judicial específica, tendo em vista que a decisão proferida nos autos será suficiente para gerar o lançamento do registro. O ato de registro da regularização será feito na matrícula do imóvel. Se a gleba for formada por diversas aquisições constantes de várias matrículas, deverá haver prévia unificação com abertura de matrícula única. Se a área regularizada fizer parte de uma área maior, também será necessária a abertura de matrícula própria. Ademais, assim que for registrada a regularização, o Oficial deverá providenciar a abertura de matrículas individuais para os lotes, conforme determina o artigo 540 da Consolidação Normativa Notarial e Registral. A existência de ônus ou gravames de qualquer natureza, incidentes sobre a gleba, deve ser transportada, por averbação, para cada matrícula individual de cada lote, e seguidos todos os demais regramentos sobre cautelas e técnicas registrais. a) Documentação A documentação prevista no artigo 2º do Provimento 17/99, que instituiu o More Legal 2, é a seguinte: “Art. 2º... I – título de propriedade do imóvel ou, nas hipóteses dos §§ 3º e 4º, apenas a certidão da matrícula II – certidão negativa de ação real ou reipersecutória referente III – certidão de ônus reais relativos ao imóvel IV – planta do imóvel e respectiva descrição, emitidas ou aprovadas pela Prefeitura Municipal”. Originados pela Lei 9.785/99, os §§ 3º e 4º dispõem sobre os parcelamentos populares, destinados às classes de menor renda declarados de utilidade pública, com processo de desapropriação judicial em curso e imissão provisória na posse, desde que promovidos pela União Federal, Estados, Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, autorizadas por lei a implantar projetos de habitação. Como se vê, é um rol de documentos bastante simplificado se comparado com o disposto no artigo 18 da Lei 6.766/79. b) Exame Prévio O artigo 9º do Provimento 17/99, assim disciplina: “O pedido de regularização do lote individualizado, de quarteirão ou da totalidade da área será apresentado perante o juízo competente que, autuado e registrado, ouvirá, no prazo de dez (10) dias, o Oficial do Registro de Imóveis” (grifo nosso). Com isso, vislumbra-se que o pedido de regularização deverá passar, necessariamente, pelo crivo do Registrador Imobiliário, que possui conhecimentos registrais e técnicos para auxiliar o Juízo na regularização, examinando previamente a documentação, em relação aos aspectos jurídico-formais, a fim de averiguar o respeito aos princípios registrais e evitando que, futuramente, a regularização seja impugnada por haver inadequação documental. c) Autoridade Competente O pedido de regularização será apresentado perante o juízo competente que será, em Porto Alegre, a Vara dos Registros Públicos e, no interior, a Vara da Direção do Foro (artigo 9º, § 3º). d) Intervenção do Ministério Público Segundo ensina o mestre Paulo Affonso Leme Machado, o Ministério Público é o “Curador do Meio Ambiente”, é o protetor dos direitos difusos da Sociedade. Diante disto, será obrigatória a sua manifestação, quanto à viabilidade ou não da regularização, devendo fiscalizar os casos que não admitem a regularização das situações já consolidadas nas áreas de risco ambiental, áreas indígenas, de preservação natural e outros casos previstos em lei. e) Publicação de Edital: O artigo 9º, parágrafo segundo, do Provimento número 17/99, estabeleceu a possibilidade de publicação de editais para ciência de terceiros, quando o Juízo competente assim entender, para a perfectibilização do pedido de regularização, da mesma forma como ocorre com os loteamentos disciplinados pela Lei 6.766/79. Atribuiu-se, então, caráter facultativo à publicação dos editais. f) Casos impossibilitados de regularização: Conforme estabelece o parágrafo único do artigo 1º do Provimento número 17/99, da Corregedoria-Geral da Justiça do Rio Grande do Sul, de 11 de outubro de 1999, não poderão ser regularizados os imóveis urbanos ou urbanizados que integrem áreas de risco ambiental, áreas indígenas, de preservação natural e outros casos definidos em lei, eis que, logicamente, estar-se-ia legislando contra preceitos constitucionais de caráter especial. Com isso, para se proceder à regularização, necessário se faz que a situação já consolidada satisfaça condições mínimas de habitabilidade e segurança para seus moradores. Finalmente, para a efetivação das regularizações através do More Legal, mister será a união de esforços de todos os envolvidos, seja o Judiciário, através do poder jurisdicional e correicional que exerce o Ministério Público, que efetivamente zela pelo interesse social a Classe Registral, com conhecimentos suficientes para viabilizar o desenvolvimento técnico do projeto o “proprietário”, detentor de um título dominial precário e inacessível ao Folio Real, maior interessado na regularização e, principalmente, o Poder Público Municipal, cuja função primordial é executar atos em benefício dos cidadãos, não devendo omitir-se de sua obrigação legal. *João Pedro Lamana Paiva é Registrador e Vice-Presidente do Irib pelo Rio Grande do Sul.
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
3913
Idioma
pt_BR