Notícia n. 3849 - Boletim Eletrônico IRIB / Julho de 2002 / Nº 518 - 25/07/2002
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
518
Date
2002Período
Julho
Description
Lei 9.492/97 cria mecanismos simples e céleres de soluções de conflitos de interesses - * Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza - Lei 9.492/97 - regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida, se inserindo no contexto de evolução legislativa a criar mecanismos simples e céleres de soluções de conflitos de interesses. Os serviços de protesto de títulos e outros documentos de dívida são serviços públicos, exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público (art.236 da C.F). Na definição de Hely Lopes Meirelles, em Direito Administrativo Brasileiro, RT, "serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade, ou simples conveniências do Estado”. São os serviços de protesto, portanto, prestados no interesse público, garantindo segurança às relações jurídicas que envolvem débito e crédito. Tal enfoque é indispensável para uma correta interpretação da Lei 9.492, evitando uma visão distorcida ou precipitadas conclusões de que a lei objetiva beneficiar um ou outro segmento. Com efeito, o tabelião de protestos é profissional do direito que exerce suas funções com imparcialidade e por delegação, mantendo-se afastado dos interesses dos credores e devedores, agindo estritamente dentro da legalidade e sujeito à fiscalização do Poder Judiciário. Não age o tabelião no interesse do credor, apenas cumpre os preceitos legais no interesse público. Aquele que figura como devedor numa relação jurídica e se insurge contra a celeridade do serviço de protestos, a provar sua inadimplência e o descumprimento de obrigação, não pode olvidar que, figurando como credor, as mesmas regras jurídicas lhe servirão de amparo. O magistrado e professor no Estado de São Paulo, Vicente de Abreu Amadei, em artigo publicado na obra Registros Públicos e Segurança Jurídica, Sergio Antonio Fabris Editor, apresenta relevantes dados que demonstram a importância do serviço de protestos na satisfação do crédito, mencionando informações do Instituto de Protesto de Títulos de São Paulo de que os serviços de protestos da capital do Estado de São Paulo "respondem pelo recebimento de cerca de 80% dos títulos colocados a protesto no prazo médio de três dias" e que, não existissem esses serviços, só restaria aos credores recorrer ao Poder Judiciário para receber seus créditos, "sufocando a Justiça com mais de 200 mil execuções por mês". Os dados referem-se ao ano de 1.997. Serviço de interesse público a desafogar o Judiciário, exigia o protesto legislação específica, que surgiu no contexto da evolução legislativa que vem criando, sistematicamente, novos mecanismos para simplificar e tornar mais célere a solução de conflitos de interesses. Antes objeto de normas esparsas, os serviços de protestos de títulos e outros documentos de dívida foram regulamentados pela Lei 9.492, de 10/09/97. A lei enfocada, seguindo a esteira das Leis 7.244/84 (que disciplinou o Juizado Especial de Pequenas Causas), 9.099/95 (que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais) e 9.307/96 (que dispõe sobre a arbitragem), trouxe inovações importantes. O parágrafo único do art. 8º estabelece que "poderão ser recepcionadas as indicações a protestos das Duplicatas Mercantis e de Prestação de Serviços, por meio magnético ou de gravação eletrônica de dados, sendo de inteira responsabilidade do apresentante os dados fornecidos, ficando a cargo dos Tabelionatos a mera instrumentalização das mesmas". A norma nada mais fez do que se adequar à realidade dos meios de comunicação, à rapidez que se faz presente nas transações, acompanhando a evolução tecnológica e atendendo às exigências atuais. O professor Carlos Ferreira de Almeida, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, citado por Theophilo de Azeredo Santos em parecer publicado em O Edital nº 14 (publicação do Instituto de Estudos de Protestos de Títulos do Brasil), afirmou que "em todos os campos da comunicação, o papel e a escrita físico-química estão a ser substituídos pelo suporte magnético e pela escrita informática, isto é, pela troca de dados informáticos (eletronic data interchange - EDI). A desmaterialização dos títulos de crédito não resulta só do aproveitamento de uma oportunidade: é uma inevitabilidade cultural. O tempo parece ser de dizer adeus aos títulos de crédito". Ao tabelião de protestos, portanto, não incumbe exigir documentos que deram causa às duplicatas mercantis ou de prestação de serviços, pois a existência dos mesmos é de responsabilidade do apresentante, sujeito a severas sanções nas esferas cível e criminal caso os dados fornecidos não sejam verdadeiros. O art.172 do Código Penal comina pena de detenção de dois a quatro anos e multa para quem "emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado". O § 3º do art. 20 da Lei 5.474/68 foi revogado pelo parágrafo único do art. 8º da Lei 9.492/97 na parte que exige para a lavratura do protesto "qualquer documento que comprove a efetiva prestação dos serviços e o vínculo contratual que o autorizou". Lei nova regulou a matéria de que tratava a lei anterior. A discussão da causa do título deve se restringir a uma eventual fase judicial, sendo estranha ao protesto extrajudicial. A Lei 5.474/68 já exigia comprovante de entrega e recebimento da mercadoria tão somente para a cobrança judicial da duplicata ou triplicata não aceita. Não cabendo ao tabelião de protestos investigar a ocorrência de prescrição ou caducidade, também não lhe cabe analisar a causa dos títulos ou documentos de dívida, examinados apenas em seus caracteres formais (art.9º da Lei 9.492). Entender de forma contrária seria caminhar na contramão, ignorando a realidade da comunicação eletrônica e negando vigência à lei que inova, adequando-se à evolução. Há uma tendência natural do meio jurídico em resistir às inovações, ocorrendo lenta assimilação de seus profissionais de novos conceitos e inovações, resistência que tende a diminuir diante do quadro mundial de busca de meios rápidos para solução de conflitos. Não merece acolhida, outrossim, a alegação de que o devedor está sujeito a desastrosas conseqüências decorrentes do protesto, porque a lei lhe concede prazo para defesa, quando poderá obter a sustação judicial do protesto, NÃO CONSTANDO DE CERTIDÕES os apontamentos, ou seja, os títulos e documentos de dívida lançados no protocolo, enunciando as certidões apenas os títulos e documentos de dívida protestados. Assim, requerida a certidão referente a determinada pessoa, física ou jurídica, só constarão de mesma os protestos não cancelados (art.31 da Lei 9.492, com as modificações da Lei 9.841), sendo expedida certidão negativa em não havendo protestos não cancelados. Por outro lado, demonstrou a experiência que as hipóteses de apresentação de títulos sem embasamento representam percentual absolutamente irrisório, sendo a exceção e não servindo as pouquíssimas ocorrências para fundamentar entendimento que pode entravar todo um sistema. O parágrafo único do art. 22, o § 6º do art. 26, o art. 32, os §§ 1º e 2º do art. 34, o § 2º do art. 35, o art. 39 e o art. 41 da Lei 9.492 representam inovações no campo da computação, microfilmagem e gravação eletrônica de imagem, permitindo a lei que o índice de localização dos protestos registrados seja elaborado por banco eletrônico de dados e desobrigando a conservação de livros microfilmados ou gravados por processo eletrônico, dentre outras novidades que demonstram ter o legislador se curvado à evolução tecnológica. Contudo, a maior e mais importante inovação refere-se à possibilidade de apresentar para protesto os documentos de dívida. Há que se determinar o que se encaixa na definição. Considerando que a lei foi editada em momento em que é evidente a busca por meios mais simples, rápidos e menos onerosos para os interessados solucionarem conflitos de interesses, considerando que a realidade das relações jurídicas envolvendo débito e crédito exige segurança e solução célere para os conflitos, e considerando que não há palavras inúteis na lei, que refere-se em diversos dispositivos aos documentos de dívida, não se pode emprestar à expressão interpretação restritiva sem amparo na lei. O Dicionário Eletrônico Aurélio 2.0, da Editora Nova Fronteira, traz os seguintes significados para dívida e documento: a) dívida: do latim debita (devida), aquilo que se deve obrigação, dever b) documento: do latim documentu, 1. qualquer base de conhecimento, fixada materialmente e disposta de maneira que se possa utilizar para consulta, estudo, prova, etc. 2. escritura destinada a comprovar um fato declaração escrita, revestida de forma padronizada, sobre fato(s) ou acontecimentos(s) de natureza jurídica. Numa interpretação gramatical, pode-se entender o documento de dívida como o escrito que se pode utilizar como prova daquilo que se deve. Qualquer meio de prova escrita que comprove a existência de uma relação creditícia, líquida e certa, há de ser admitido como documento de dívida, sujeito às normas da Lei 9.492. Não se pode limitar o que a lei não limita. Não procede a afirmação de alguns de que apenas os títulos executivos devem ser considerados documentos de dívida, pois não há qualquer disposição, inserta na Lei 9.492 ou em outra lei, que prescreva limite ao conceito de documento de dívida. Exemplo claro de documento de dívida, à margem dos títulos executivos, é o débito de condomínio. As despesas do condomínio são devidas por força da lei (art.12 da Lei 5.491), rateadas entre os condôminos, que as pagam no prazo previsto na convenção através da cota condominial aprovada por assembléia realizada nos termos da lei. A condição de condômino e a aprovação do valor da cota em assembléia não deixam dúvida sobre a existência do débito, líquido e certo, sujeito a protesto. No Estado do Rio de Janeiro, segundo dados do 7º Ofício de Registro de Distribuição, no pedido de protesto de cotas condominiais em atraso o percentual de recebimento tem atingido a marca de 85% (oitenta e cinco por cento). Os débitos decorrentes de utilização dos serviços prestados por concessionárias, de telecomunicações, água e esgoto, luz e gás, podem ser objeto de apontamento, mediante o encaminhamento das faturas de serviços, indubitavelmente documentos de dívida. O vínculo contratual entre as empresas e os usuários dos serviços decorre da própria utilização dos serviços concedidos, prescindindo-se de qualquer outra prova de vinculação contratual, valendo gizar que nas hipóteses em exame os contratos são de adesão, idênticos para todos os usuários. As faturas de serviços contêm a discriminação dos serviços prestados e o exato valor a pagar, sendo débitos líquidos e certos. Deve ser admitido a apontamento, também, o documento particular de reconhecimento de dívida líquida e certa assinada pelo devedor, não assinado por duas testemunhas (se o fosse seria título executivo extrajudicial - art.585, II, do C.P.C). É hipótese clara de documento de dívida. Apresentado o documento de dívida para protesto, terá o devedor nova oportunidade para quitar seu débito, de forma muito menos onerosa que na via judicial, que importará em pagamento de custas, taxa judiciária e honorários de advogado. Ocorrendo o pagamento no tabelionato, não será lavrado o protesto e não constará o apontamento de qualquer relação que venha a ser solicitada por entidades vinculadas à proteção do crédito (art.29 da Lei 9.492, com a redação dada pela Lei 9.841), ou seja, nenhum prejuízo advirá para o devedor. Ao contrário, o ajuizamento da ação de cobrança, antes mesmo de qualquer despacho, já terá registrada sua distribuição, que constará das certidões que vierem a ser expedidas. Não é, portanto, o encaminhamento a protesto mais gravoso que o ajuizamento de uma ação. Por fim, vale transcrever a afirmação do magistrado Vicente de Abreu Amadei, no artigo citado, de que "o serviço de protesto de títulos tem atuado como instrumento intermediário, eficaz e célere, de satisfação de grande parte dos créditos não honrados no vencimento", o que justifica sua extensão a todas as relações creditícias. * Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza é Titular do Serviço Registral e Notarial do 2º Ofício de Teresópolis e Ex- Juiz de Direito no Estado do Rio de Janeiro.
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
3849
Idioma
pt_BR