Notícia n. 3792 - Boletim Eletrônico IRIB / Julho de 2002 / Nº 512 - 04/07/2002
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
512
Date
2002Período
Julho
Description
Matrícula - bem de domínio público por destinação- Averbação de via pública - Hipótese de incorporação de bem particular como bem de uso comum do povo pela destinação - Viabilidade do controle da disponibilidade - Pretensão acolhida. - Proc. 124/84 Exmo Sr. Corregedor: 1.Trata-se de pedido de averbação junto à transcrição 13.462, do 12º Registro de Imóveis, das Ruas Antonio Carlos Ferreira e Antonio Coelho da Silveira. A r. decisão de fls. julgou extinto o processo, remetendo os interessados às vias ordinárias, por exigir a matéria maiores investigações, e condenou o requerente ao pagamento das custas e honorários advocatícios, esses arbitrados em Cr$ 5.000. Recorreu o interessado (fls.), alegando, nas razões, que as ruas já foram oficializadas pela Municipalidade, restando, tão-somente, a regularização da situação registrária. Destaca, inclusive, que doou à Municipalidade, uma área de terreno com 4.780 m² destinada às ruas, faixa de saneamento e praças do loteamento “Jardim Nazareth”, por meio de escritura pública cuja cópia encontra-se a fls. Pede a reforma do decisório. O procedimento foi remetido à E. 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, onde os Exmos. Desembargadores não conheceram do recurso e determinaram, com base no art. 246 do Código Judiciário do Estado, a remessa dos autos a esta Corregedoria Geral da Justiça, diante do caráter meramente administrativo da providência alvitrada (itens 115 e 115.1, Cap. XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo). 2. É o relatório sucinto. Passo a opinar. A pretensão do recorrente resume-se na averbação, à margem da transcrição 13.462, do 12º Registro de Imóveis, das ruas Antonio Carlos Ferreira e Antonio Coelho da Silveira, antigas ruas “C” e “D”, constantes do plano de loteamento “Jardim Nazareth”, devidamente aprovado pela Municipalidade, mas não submetido ao Cartório Imobiliário. Diante dessa situação irregular, para que os adquirentes de lotes pudessem registrar suas aquisições, ocorreu a averbação, à margem da transcrição 13.642, do 12º Registro de Imóveis, de diversas vias públicas, todas situadas dentro do denominado “Jardim Nazareth”. É o que se constata da certidão dessa transcrição juntada a fls. deste procedimento. Verifica-se, outrossim, na certidão fornecida pela Prefeitura Municipal de Guarulhos (fls.), que as ruas Antonio Carlos Ferreira e Antonio Coelho Silveira, encontram-se devidamente oficializadas, vale dizer, aceitas pela Municipalidade. Essa circunstância é de extrema relevância para o deslinde da questão em debate. Com efeito, conforme o magistério de José Afonso da Silva, “Criam-se vias públicas urbanas por três processos fundamentalmente, quais sejam: a) pela execução de plano de arruamento mediante o parcelamento do solo em quadras por meio de abertura de vias de circulação b) pela abertura de rua isolada em execução de obras de aplicação do sistema viário c) pela oficialização de via particular” (Direito Urbanístico Brasileiro, Ed. RT, 1981, p. 250). No caso, embora tenha havido um plano de loteamento devidamente aprovado pela Municipalidade (fls.), não foi este executado e nem submetido, posteriormente, ao Registro Imobiliário. Tanto é que sequer a escritura de doação das vias públicas e espaços livres foi levada ao registro (fls.). Não ocorreu, também, a abertura de rua isolada em execução de obras públicas de aplicação ao sistema viário, mesmo porque, em tal situação, a via é construída em terreno pertencente à Municipalidade. O que houve, efetivamente, foi a oficialização, pelo Poder Público, de via particular, o que demonstra a sua aceitação pela Municipalidade. Conforme a lição de José Afonso da Silva, “No Brasil essa solução parece impor-se mesmo nos casos de loteamento clandestino ou irregular (não inscrito), conforme já adiantamos em outro lugar. Não tem sentido continuarmos apegados ao formalismo jurídico, para não conceber como públicas as vias da circulação desses procedimentos parcelários do solo, só porque o loteamento não foi aprovado pela Prefeitura ou não foi inscrito no registro imobiliário. Ora, desde que tenham sido vendidos os lotes, ou boa parte deles e a situação se apresente irreversível, não há por que recusar o efeito proposto. Pois, na verdade, como já anotamos antes, o loteador, clandestino ou irregular, ao parcelar sua gleba e destinar o sistema de arruamento à utilização pública, e, por outro, por vontade própria, motivada precisamente por aquele interesse, desfez-se da propriedade daquelas áreas, priva-se dessa propriedade, despoja-se desse seu direito em favor da coletividade, porque só assim poderá auferir os benefícios decorrentes das relações sociais que o arruamento gera para seu loteamento. Em compensação pela perda da propriedade das áreas destinadas a vias, recebe as vantagens econômicas próprias do empreendimento, que, sem tais vias, seria inviável. Essa situação caracteriza um meio normal da perda da propriedade, por interesse e vontade própria, em favor da coletividade. Por isso, a consolidação dessa situação jurídica requer apenas o reconhecimento e, conseqüente, oficialização das vias, mediante o estabelecimento do respectivo plano de alinhamento, pelo qual se corrigirá as distorções existentes” (ob. cit., p. 269). As ruas Antonio Carlos Ferreira e Antonio Coelho da Silveira, como demonstra a certidão de fls., foram devidamente oficializadas e nos decretos constaram, inclusive, as metragens lineares e área total de cada uma. Ora, assim sendo, foram aceitas nessas condições pelo Poder Público Municipal, restando, apenas, a final regularização perante o Registro Imobiliário. A existência de um plano de loteamento, de uma escritura de doação (fls.) e de posturas municipais não interferem com a já consumada oficialização das vias e conseqüente aceitação pela Municipalidade, diante do consagrado princípio da destinação. Com efeito, as vias públicas podem ser integradas “no domínio público, excepcionalmente, por simples destinação, que as tornam irreivindicáveis por seus primitivos proprietários. Esta transferência por destinação se opera pelo só fato da transformação da propriedade privada em via pública sem oportuna oposição do particular, independente, para tanto, de qualquer transcrição ou formalidade administrativa. Isto, todavia, não impede que o particular despojado de suas terras obtenha a justa indenização do dano causado pelo Poder Público por essa desapropriação indireta” (Direito Administrativo Brasileiro, Hely Lopes Meirelles, Ed. RT, 1976, p. 509). Conforme o magistério de José Cretella Júnior, pela destinação, que em direito administrativo também tem o sentido de afetação, “o bem ou coisa muda de categoria, passando a integrar, em definitivo, o domínio público. Nessas condições, o bem afetado fica submetido a um regime jurídico de direito público, regulando-se por princípios diversos daqueles que vigoram no campo do direito privado. Isto porém, só se verifica depois da afetação ou destinação ao uso e gozo da comunidade, momento em que a coisa afetada, agora dependência dominial, fica sob o impacto das normas de direito público” (Bens Públicos, 1975, EUD, p. 124). Na mesma obra, leciona o mestre: “Decorrendo de ato administrativo, ou de prática permitida pela Administração, no sentido de manifestar a intenção de consagração ao bem público, ou ainda de mero fato, a afetação erige-se como operação inconfundível do direito administrativo, sem símile no direito privado, definindo-se como o fato ou o pronunciamento do Estado que incorpora uma coisa à dominialidade da pessoa jurídica pública. Um fato, pois, uma lei ou um ato administrativo podem dar origem à afetação” (p. 122). No caso, o decreto que oficializou as vias públicas veio a se constituir no ato administrativo que originou a afetação. Aliás, como já ensinou Hely Lopes Meirelles, “nem todo arruamento é de domínio público, só o sendo o aprovado em loteamento ou o oficializado por ato inequívoco da Prefeitura...” (Direito Administrativo Brasileiro, Ed. RT, 1977, p. 487). O que se cuida neste procedimento é de regularizar a situação das ruas perante o cartório imobiliário e não de discutir diferenças constatadas entre a oficialização e implantação das vias públicas. A principal finalidade dessa medida será a fiel observância, notadamente, do princípio registrário da especialidade, mesmo porque, conforme a lição de Afrânio de Carvalho, “ao acolher apenas os imóveis particulares, deixando livres os imóveis públicos, o registro tem em vista que a propriedade pública não necessita da proteção por ela oferecida, por estar a salvo de atos jurídicos dos particulares” (Registro de Imóveis, Forense, 1977, p. 57). É inegável que o Poder Público Municipal já adquiriu o domínio das áreas após a oferta do particular e a conseqüente oficialização, que representa a aceitação, independente de qualquer providência junto ao Registro de Imóveis. Se houve avanço dos proprietários lindeiros sobre as ruas, cabe à Municipalidade reaver as áreas indevidamente ocupadas mediante ação própria. Esse embate, portanto, deve ser desviado para outra sede, quiçá a jurisdicional, e nunca ser solucionado, por total inadequação da via, neste mero procedimento administrativo. Dessa forma, diante da comprovação de que as vias públicas encontram-se oficializadas e apuradas a área de cada uma delas, nada mais resta a não ser deferir a pretensão averbatória. Opino, pois, pelo acolhimento do pedido inicial para o fim de ser autorizada a averbação das ruas à margem da transcrição 13.462, do 12º Registro de Imóveis. Para tal fim, após o retorno dos autos à origem, deve ser expedido o competente mandado. Honorários advocatícios neste tipo de procedimento não são devidos, como já decidiu esta Corregedoria Geral da Justiça no Processo C.G. 280/83. É o parecer sub censura. À douta apreciação de V. Exa. São Paulo, 04 de julho de 1984 Hélio Lobo Júnior Juiz de Direito Corregedor.
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
3792
Idioma
pt_BR