Notícia n. 3791 - Boletim Eletrônico IRIB / Julho de 2002 / Nº 512 - 04/07/2002
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
512
Date
2002Período
Julho
Description
Matrícula - bem de domínio público - LOTEAMENTO - Registro - Inscrição sob a égide do Decreto-lei 58/37 - Decreto que torna inalienável, por qualquer título, as vias de comunicação e os espaços livres constantes do memorial e da planta - Irrelevância - Titularidade que se transfere pela destinação, por ato do proprietário, mais a disposição legal sobre a natureza pública dos bens - Ausência, inclusive, de oportuna oposição do particular - Recurso provido. - Proc. CG 1.189/94 (464/94) Exmo. Sr. Corregedor Geral: Cuida-se de recurso interposto, pela Municipalidade de São Bernardo do Campo, contra decisão do MM. Juiz Corregedor Permanente do 1 Cartório de Registro de Imóveis da Comarca, que indeferiu pleito de abertura de matrícula para praça de loteamento regularmente inscrito. Argumenta o recorrente que, até face à destinação que se pretende dar à área, a matriculação é, não só possível, mas necessária. O Ministério Público manifestou-se pelo improvimento do recurso. É o relatório. Opino. Antes de mais nada, é preciso situar o momento da inscrição do loteamento em questão, para, a partir daí, determinar qual a norma que então o regia. Só assim possível, num primeiro momento, aferir-se a condição jurídica das praças e logradouros do loteamento. Afinal, se posterior o loteamento à vigência da Lei 6.766/79, o destino das praças é vias públicas é inequívoco, ditado de forma clara pelo art. 22 daquela normatização. Segundo tal dispositivo, desde o instante do registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, além dos espaços livres e áreas destinadas às edificações públicas. E diferente não era a situação, acrescente-se, antes da lei do parcelamento do solo, quando em vigor o Decreto-lei 271/67. Ou seja, em loteamentos inscritos após 1967, as vias e praças, com o ato de inscrição, transferiam-se ao domínio público. Todavia, o fato é que, no caso em tela, a inscrição do loteamento precede até mesmo o citado Decreto-lei 271/67. Com efeito, inscreveu-se o loteamento sob a égide do Decreto-lei 58/37. E já de seus ternos dimana regramento diverso para as praças, ruas e vias públicas em geral. Consoante previsão do art. 3o do Decreto-lei 58, “a inscrição torna inalienável, por qualquer título, as vias de comunicação e os espaços livres constantes do memorial e da planta” (verbis). Quer isto dizer, de forma clara, que, malgrado conservando a característica e restrição de inalienabilidade, as praças e vias de comunicação não se transferiam ao Poder Público, remanescendo na esfera de domínio do titular da gleba bruta. Em outras palavras, em que pese despida de uma de suas características inerentes e próprias, a da disposição, a propriedade das áreas livres e de comunicação, quando em vigor o Decreto-lei 58, não se alterava, permanecendo em mãos do particular que levava a inscrição projeto de parcelamento do solo. E se assim era e é, na hipótese vertente, sob o aspecto da aquisição, que não há, como se viu, do domínio da praça pela inscrição do loteamento, falece razão à Municipalidade de São Bernardo quando postula a abertura de matrículas para aquela área. Contudo, crê-se, s.m.j., que, por motivo diverso, é certo, seu pleito esteja a merecer guarida. É que, mesmo não adquirido o domínio da praça pela inscrição do loteamento, ao mesmo fim prestou-se à destinação que, de há muito, e por ato do proprietário, se vem dando às áreas ocupadas pela praça. Como é sabido, na conceituação de bens públicos, em sentido amplo, estão aqueles de uso comum do povo, entre os quais as ruas, estradas e praças (art. 66, I, do Código Civil). Trata-se, na justa observação de Hely Lopes Meirelles, de titularidade que se transfere pela destinação, isto é, “se opera pelo só fato da transformação da propriedade privada em via pública sem oportuna oposição do particular, independente, para tanto, de qualquer transcrição ou formalidade administrativa” (in Direito Administrativo brasileiro, 14a ed., RT, p. 463). Aliás, no caso, mais do que falta de oposição do proprietário à destinação pública da praça está a consideração de que dele próprio emanou a entrega do bem àquele fim. Daí entender-se possível a abertura de matrículas perseguida pela requerente. Afinal, pugna-se pela abertura de matrizes para praças, lembrando-se a lição de Washington no sentido de que os bens de uso comum “pertencem ao ente de direito público (União, Estado ou Município), que tem a respectiva guarda, administração e fiscalização” (in Curso - Parte Geral, 12a ed., Saraiva, p. 151). E a ninguém mais o incumbe, no caso em tela, senão à postulante. Mas ainda não é só. É preciso asseverar que, mesmo negando-se, como alhures se procede (v.g. Carvalho Santos, in Código Civil brasileiro interpretado, 5a ed., Freitas Bastos, v. II, p. 105, in fine), que a destinação e o uso possam, de per si, ensejar aquisição dominial pública, não há negar-se que, este uso e destinação, mais a disposição legal de que certa coisa seja considerada pública, sem dúvida àquele fim se prestam (ob. cit., p. 112). Este exatamente o caso das praças como tal reputadas pelo Código Civil brasileiro. Pois bem. Se, por qualquer que seja o ângulo de análise, concluem-se públicas as praças do loteamento em questão, o que de resto nos autos não se controverte, corolário obrigatório é a admissão de que podem elas encerrar objeto de assentamento matricial. É certo que isto seria desnecessário. Mas não menos certo é que, abstraindo-se postulado típico da seara jurisdicional, que para cá não pode ser transportado, as matrículas podem ser abertas, em que pese desnecessárias à tipificação da situação dominial pública. E, se possível, não há porque negar-se o descerramento matricial postulado. De mais a mais, justifica o requerimento a eventual necessidade de desafetação ou alteração da destinação das áreas, de possibilidade a ser discutida no momento e sede próprios, mas que, de qualquer forma, denota interesse no postulado. Há, entretanto, ressalva final a ser feita. De todo o exposto a conclusão a se extrair é apenas a de que as matrículas podem ser abertas. Este parecer não implica em qualquer aferição sobre todos os demais requisitos imprescindíveis à abertura de matrículas. Vale dizer. Se aprovado, o tudo quanto aqui disposto servirá apenas ao assentamento de que as matrículas relativas às praças de loteamento anterior ao próprio Decreto-lei 271 são passíveis de descerramento, mas, frise-se, obviamente desde que atendidos todos os requisitos próprios da lei registrária, sobretudo aquele concernente à especialidade, pertinente ao controle da disponibilidade quantitativa e qualitativa, o que cumprirá ao Oficial da Serventia Imobiliária verificar. Destarte, na esteira do decidido no Proc.650/94, o parecer que, respeitosamente, se submete à elevada apreciação de V. Exa., é pelo provimento ao recurso interposto, nos termos acima precisados. Sub censura. São Paulo, 27 de maio de 1994 Cláudio Luiz Bueno de Godoy, Juiz Auxiliar da Corregedoria.
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
3791
Idioma
pt_BR