Notícia n. 3789 - Boletim Eletrônico IRIB / Julho de 2002 / Nº 512 - 04/07/2002
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
512
Date
2002Período
Julho
Description
Matrícula - bem de domínio público - Abertura de matrícula para vias públicas - Parcelamento anterior ao Dec.-Lei 58/1937 - Proc. CG 1.180/94 (483/94) Exmo. Sr. Corregedor Geral: Cuida-se de recurso interposto, pela Municipalidade de São Bernardo do Campo, contra decisão do MM. Juiz Corregedor Permanente do 1o Cartório de Registro de Imóveis da Comarca, que indeferiu pleito de abertura de matrícula para leito de rua contida em antigo loteamento. Aduz a recorrente que o registro do bem referido, público ante sua própria natureza, é não só possível como também necessário, até face à permuta que sobre a área em questão se realizou. É o relatório. Opino. Segundo se depreende dos documentos acostados à inicial, o leito da rua, cuja matrícula se tenciona ver aberta, está localizado em loteamento anterior mesmo ao Dec.-Lei 58/37. Diversa, e mais simples, seria a situação, caso o parcelamento se tivesse dado, de forma regular, sob a égide da Lei 6.766/79. Aí então dúvida não haveria quanto à condição jurídica das ruas e praças do empreendimento. Afinal, inequívoca a disposição do art. 22 da normatização referida, segundo a qual, desde o instante do registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, além dos espaços livres e áreas destinadas às edificações públicas. E assim também era quando em vigor o Dec.-Lei 271/67. Já sob o âmbito de abrangência do Dec.-lei 58/37, as mesmas áreas das ruas e praças tinham diferente tratamento. Com efeito, estatuía o art. 3 daquele decreto-lei que “a inscrição torna inalienáveis, por qualquer título, as vias de comunicação e os espaços livres constantes do memorial e da planta”. Ou seja, malgrado conservando a característica e restrição de inalienabilidade, as praças e vias de comunicação não se transferiam ao Poder Público em parcelamentos inscritos ao tempo da vigência, nesta parte, do Dec.-lei 58, remanescendo na esfera de domínio do titular da gleba bruta. No caso em tela, entretanto, o loteamento em que contida a Rua Conde Siciliano precede mesmo o Dec.-Lei 58/37. Segue-se pois que, pelo fato em si da existência do parcelamento, não se pode atribuir à Municipalidade o domínio da rua questionada, tal como sucederia se operado o empreendimento nos moldes e sob o jugo da Lei 6.766. Nem por isso, todavia, há de se admitir que o logradouro seja particular. Trata-se, aliás, de hipótese de impossível ocorrência em nosso ordenamento, até ante o disposto no art. 66 do Código Civil. E aí o ponto a ser realçado. Em que pese não adquirido, pela Municipalidade, o domínio das vias da Vila Mussolini, pelo fato em si do parcelamento, sem dúvida a tanto se prestou a destinação dada à respectiva área. Induvidoso, nos autos, a destinação pública que há muito se dá à área em exame, utilizada como via de comunicação. E, como é sabido, na conceituação de bens públicos, em sentido amplo, estão aqueles de uso comum do povo, entre os quais, justamente, as ruas, estradas e praças (art. 66, do CC, já citado). Cuida-se, na precisa observação de Hely Lopes Meirelles, de titularidade que se transfere pela destinação, isto é, “se opera pelo só fato da transformação da propriedade privada em via pública sem oportuna oposição do particular, independente, para tanto, de qualquer transcrição ou formalidade administrativa” (in Direito Administrativo brasileiro. 14ª ed. RT, p. 463). Pugna-se, enfim, pela abertura de matriz para logradouro, cabendo lembrar a lição de Washington no sentido de que os bens de uso comum “pertencem ao ente de direito público (União, Estado e Município), que tem a respectiva guarda, administração e fiscalização” (in Curso - Parte Geral. 12ª ed. Saraiva, p. 151). Em conclusão, evidente a natureza pública do bem cuja matrícula se quer ver descerrada. Mas ainda não é só. É preciso asseverar que, mesmo negando-se, como alhures se procede (v.g. Carvalho Santos, in Código Civil brasileiro interpretado. 5a. ed. Freitas Bastos. v. II, p. 105, in fine), que a destinação e o uso possam, de per si, ensejar a aquisição dominial pública, não há negar-se que este uso e destinação, mais a disposição legal de que certa coisa seja considerada pública, sem dúvida àquele fim se prestam (ob. cit., p. 112). Este exatamente o caso dos logradouros, reputados públicos pelo Código Civil. Pois bem. Se, por qualquer que seja o ângulo de análise da questão, concluem-se públicas as vias da Vila Mussolini, corolário obrigatório é a admissão de que podem elas encerrar objeto de assentamento matricial. A respeito de todo acertada a observação, feita pelo Registrador em suas alentadas e substanciosas informações, acerca do despropósito de orientação vedatória da abertura de matrícula para bens públicos. Com efeito, motivo não há para se impedir a matriculação de bens públicos, patrimoniais, que não podem ser confundidos com o domínio eminente inerente à soberania do Estado. É certo que esta matriculação mostra-se desnecessária, como obtempera o Corregedor-Permanente. Mas não menos certo é que, abstraindo-se postulado típico da seara jurisdicional, que não pode para cá ser transportado, as matrículas são de abertura possível, pese embora desnecessárias à tipificação da situação dominial pública. De mais a mais, no caso em tela justifica o requerimento, denotando-o necessário, o acesso que se quer dar ao registro de escritura de permuta firmada pela Municipalidade. Em tese, destarte, o descerramento matricial buscado é viável. Sucede, porém, que, para que se o veja consumado, mister o preenchimento de todos os pertinentes requisitos registrários, sobretudo aquele relativo à especialidade, que por ora bem se demonstrou não atendida. Deverá a interessada proceder à correta descrição do bem, decidindo se tenciona o registro do total do logradouro, ou apenas da parte permutada, adequando ainda esta mesma descrição aos dados do cadastro e à planta que fez apresentar, tudo submetido à oportuna aferição do Oficial Imobiliário. Isto posto, e na esteira do decidido nos Procs. CG 650/94 e 1.189/94, o parecer que, respeitosamente, se submete à elevada apreciação de V. Exa., é pelo provimento ao recurso manifestado, nos termos acima explicitados. Sub censura. São Paulo, 6 de junho de 1994 Cláudio Luiz Bueno de Godoy, Juiz Auxiliar da Corregedoria.
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
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3789
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