Notícia n. 3769 - Boletim Eletrônico IRIB / Junho de 2002 / Nº 507 - 28/06/2002
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
507
Date
2002Período
Junho
Description
Arquidioceses, Dioceses e mitras- alienação de imóveis - Bula papal - averbação no registro de imóveis - CORREGEDORIA PERMANENTE DO REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SERRA NEGRA VISTOS. A DIOCESE DE AMPARO deduziu pretensão de averbar a Bula Papal que a instituiu em matrículas e transcrições do Registro de Imóveis desta comarca, em que figura como titular de domínio a Arquidiocese de Campinas, a Diocese de Campinas ou a Mitra Diocesana de Campinas, com vistas à regularização de sua administração, alegando, para tanto, que o Oficial daquela serventia se recusou a proceder a averbação, argumentando que há necessidade de outorga de escritura pública, por se tratar de transferência de domínio, com o que não se conforma a requerente, por negar a existência de qualquer venda, doação ou alienação de qualquer espécie. Postula, assim, a averbação direta da Bula Papal nos referidos registros prediais, independentemente de ato translativo de domínio. Concedida oportunidade de o oficial de Registro de Imobiliário manifestar-se, sobreveio ratificação da nota de devolução (fls. 23). O Ministério Público opinou pela extinção terminativa do feito (fls. 24). Este, o relatório. DECIDO: O pedido é procedente. Trata-se de procedimento administrativo que busca a averbação de Bula Papal nas matrículas e nas transcrições do Registro de Imóveis desta comarca, nas quais figura como titular de domínio a Arquidiocese de Campinas, a Diocese de Campinas ou a Mitra Diocesana de Campinas, a fim de que o novo titular de domínio passe a constar a Diocese de Amparo, instituída por aquele mesmo decreto. Antes da análise da pretensão formulada, cumpre apreciar a preliminar levantada pela Curadoria de Registros Públicos. Ao reverso do invocado pelo nobre representante do Ministério Público, o caso não se ressente de ilegitimidade de parte nem de impossibilidade jurídica do pedido. Com efeito, o procedimento de dúvida não seria aplicável à hipótese, pois não se busca registro em sentido [estrito], mas mera averbação. Como para essa última modalidade registraria inexiste previsão legal de dúvida a ser suscitada pelo registrador, apenas cabe a via administrativa direta do interessado, tal como o fez corretamente a requerente. Com essas considerações, fica rejeitada a extinção terminativa do feito, alvitrada pelo Ministério Público, impondo-se o exame do mérito nos termos que se seguem. A questão central a ser dirimida diz respeito à possibilidade jurídica de proceder-se à averbação de Bula Papal em registros imobiliários pertencentes à Arquidiocese de Campinas, desmembrada, com o surgimento de nova Diocese de Amparo, a requerente. O oficial de Registro Imobiliário opina pela negativa, considerando necessária a lavratura de escritura pública de doação entre as Dioceses de Campinas e de Amparo. Todavia, razão não lhe assiste. Para a correta solução do impasse, mostra-se recomendável primeiramente especificar a natureza jurídica do ato que se busca averbar, qual seja, a Bula Papal, cuja tradução está reproduzida às fls. 9/10. Em verdade, tem-se aí autêntico ato de império ou de autoridade, através do qual a Administração usa de sua supremacia para impor coercitivamente sua vontade, de cumprimento obrigatório. Vale dizer, é a expressão de vontade de um Chefe de Estado, que precisa e deve ser respeitada, em virtude da soberania, aqui tomada como expressão consagrada de poder político e jurídico. Nessa ordem de idéias, o problema que aqui se coloca assume contornos de Direito Internacional Público, cuja evolução aponta para o bom convívio entre as Nações, dentro da conceituação jurídica de soberania que "se baseia na igualdade jurídica dos Estados e pressupõe o respeito recíproco, como regra de convivência". Dessa forma, na qualidade de Chefe de Estado da Cidade do Vaticano, a manifestação livre e soberana do Sumo Pontífice precisa ser acatada, sem retardo. Feita essa abordagem superficial da questão no plano do Direito Internacional Público, passa-se ao enfoque da peculiaridade da requerente. A Diocese de Amparo pertence a integra a Igreja Universal Católica, a qual é regida fundamentalmente pelo Código de Direito Canônico. Em outra palavras, ao lado do ordenamento jurídico pátrio e das convenções internacionais, a correta aplicação da lei aos assuntos atinentes à Igreja Católica não pode olvidar a existência e a vigência entre nós do Código de Direito Canônico, que a disciplina em diversos aspectos. E o primeiro preceito do aludido Código de Direito Canônico que nos interessa é o Cânon 122, mencionado no próprio decreto do Sumo Pontífice que se pretende averbar. Eis o texto: "Cân. 122 – Se uma universalidade, que tem personalidade jurídica pública, se dividir de tal modo que ou uma parte dela venha a unir-se a outra pessoa jurídica, ou venha a erigir-se com a parte desmembrada uma nova pessoa jurídica pública, a autoridade eclesiástica, à qual compete fazer a divisão, deve cuidar pessoalmente ou por um executor, respeitados em primeiro lugar a vontade dos fundadores e doadores, os direitos adquiridos e os estatutos aprovados: 1 º - que os bens comuns, suscetíveis de divisão, os direitos patrimoniais, as dívidas e os outros ônus sejam divididos entre as pessoas jurídicas em questão, na proporção devida ex aequo et bono, levando me conta todas as circunstâncias e as necessidades de ambas 2 º - que o uso e usufruto dos bens comuns, não suscetíveis de divisão, aproveitem a ambas as pessoas jurídicas, e os ônus próprios deles sejam impostos a ambas, respeitada também a devida proporção determinada ex aequo et bono". A melhor compreensão dessa norma revela que, com a divisão de uma diocese ou de uma província religiosa, os bens patrimoniais (móveis e imóveis) transferem-se ipso iure por conta do desmembramento. Foi exatamente o que ocorreu. A autoridade eclesiástica competente, ou seja, o Papa JOÃO PAULO II, por decreto próprio, fundou a Diocese de Amparo, desmembrando, para tanto, a Arquidiocese de Campinas e a Diocese de Limeira, dotando aquela do acervo patrimonial imobiliário existente nos limites territoriais que outrora era das porções desmembradas. Por força desse preceito canônico, cuja observância, reitere-se, não pode ser desprezada, houve simultânea criação da Diocese de Amparo e respectiva dotação patrimonial. Isso significa que o ato papal basta por si mesmo. Em outras palavras, a formalização da doação sugerida pelo oficial de Registro Imobiliário é desnecessária e não condiz com a essência do ato praticado. Outro dispositivo afeto à faceta patrimonial da Igreja, que aqui nos interessa, é o Cânon 1.257, § 1 º, pelo qual "todos os bens temporais pertencentes à Igreja Universal, à Sé Apostólica ou a outras pessoas jurídicas públicas na Igreja são bens eclesiásticos e se regem pelos cânones seguintes e pelos estatutos próprios". Tal preceito reforça a idéia já exposta de que a análise do intento da requerente deve considerar obrigatoriamente os preceitos canônicos, justamente pela natureza eclesiástica do patrimônio em questão. Além de regular a face patrimonial de toda a Santa Igreja, o Código de Direito Canônico disciplina também a sua própria hierarquia. Dentre os dispositivos sobre esse tema, revela transcrever o Cânon 333: "Cân. 333 - § 1 º - O Romano Pontífice, em virtude de seu múnus, não só tem poder sobre a Igreja Universal, mas obtém ainda a primazia do poder ordinário sobre todas as igrejas particulares e entidades que as congregam, pelo qual é, ao mesmo tempo, reforçado e defendido o poder próprio, ordinário e imediato que os bispos têm sobre as igrejas particulares confiadas a seu cuidado. § 2 º - O Romano Pontífice, no desempenho do múnus de pastor supremo da igreja, está sempre unido em comunhão com os outros bispos e até com toda a igreja entretanto, ele tem o direito de determinar, de acordo com as necessidades da igreja, o modo pessoal e colegial de exercer esse ofício. § 3 º - Contra uma sentença ou decreto do Romano Pontífice, não há apelação, nem recurso" (destaquei). Bem se vê que igualmente, pelo prisma hierárquico da Igreja Universal, a Bula Papal deve ser cumprida, pois esgota-se em si mesma, preenchedora que é dos requisitos legais para que produza efeitos no mundo do Direito, não admitindo revisão. Firmadas todas essas considerações, e tendo em vista que, para a segurança que os registros públicos visam resguardar, é necessária a consonância entre seus dados e a realidade fática, plenamente justificável a averbação reclamada, nos exatos termos do permissivo contido na norma invocada pela requerente, qual seja, o artigo 246, caput, da Lei n º 6.015/73: "Art. 246 – Além dos casos expressamente indicados no item II do artigo 167, serão averbadas na matrícula as sub-rogações e outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro". A melhor interpretação que se tem dado a esse dispositivo é de que as hipóteses de averbação previstas no artigo 167, II, da Lei n º 6.015/73, são meramente exemplificativas (numerus apertus). O mesmo não se dá com as situações de registro, em sentido estrito, contempladas no rol do artigo 167, I, da Lei n º 6.015/73, as quais são taxativas (numerus clausus). Dentre as demais exigências do registrador constam: ausência da prova da existência jurídica de ambas as dioceses e falta de reconhecimento de firma ausência de prova de que o subscritor da petição de averbação seja o representante legal da requerente ausência de referência, na Bula Papal, aos bens imóveis divergência de denominação das titulares de domínio das transcrições n ºs 9.256, 5.668 e 14.892, bem como da matrícula n ºs 21.156, 14.820 e 20.354. Contudo, também aqui razão não assiste ao registrador. Em primeiro lugar, o reconhecimento de firma é desnecessária quando se trata de documento estrangeiro, ao teor do artigo 221, III, da Lei n º 6.015/73. Em segundo lugar, a própria Bula Papal comprova a existência jurídica das Dioceses de Limeira e de Campinas. Em terceiro lugar, é público e notório que o bispo diocesano é dom FRANCISCO JOSÉ ZUGLIANI, mostrando-se dispensável a prova exigida. Em quarto lugar, se não há menção expressa do repasse imobiliário, também não há ressalva desse ponto. Ademais, com a nova delimitação geográfica, o contexto do decreto do Sumo Pontífice se harmoniza com a dotação imobiliária para nova Diocese de todos os bens situados em seus limites territoriais, conforme já expedido. Por fim, a discrepância na nomenclatura utilizada para a Arquidiocese de Campinas, Diocese de Campinas e Mitra Diocesana de Campinas, é absolutamente irrelevante, de vez que todas essas expressões têm sentido único, referindo-se à mesma entidade, prescindindo-se de qualquer retificação registraria. Conclui-se, portanto, que a averbação deve ser procedida como pleiteado, em que pese a cautela e o zelo costumeiros com que se houve o registrador. Diante do exposto, acolho a representação formulada pela DIOCESE DE AMPARO para determinar que o Registro Imobiliário desta Comarca de Serra Negra proceda a averbação da Bula Papal, nas transcrições n º s 9.256, 5.668 e 14.892, bem como nas matrículas n º s 21.156, 14.820 e 20.354, a fim de que os imóveis nelas retratados passem a ter a requerente como titular de domínio. Transitada em julgado, faculto à interessada o desentranhamento dos documentos juntados, mediante traslado, encaminhando-se cópia da presente ao oficial de Registro Imobiliário desta comarca para efetivo cumprimento. P.R.I.C. Serra Negra, 23 de novembro de 1999. SÉRGIO ARAÚJO GOMES Juiz de Direito
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
3769
Idioma
pt_BR