Notícia n. 3752 - Boletim Eletrônico IRIB / Junho de 2002 / Nº 502 - 26/06/2002
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
502
Date
2002Período
Junho
Description
Assinatura digital – cuique suum - Paulo Roberto de Carvalho Rego* - Recentemente, os Oficiais de Registro de Títulos e Documentos da Cidade de São Paulo viram-se obrigados a postular junto à 2a Vara de Registros públicos desta Comarca a declaração de que a eles, e tão somente a eles, é assegurada, legalmente, a atribuição para a perpetuidade e garantia do conteúdo dos documentos particulares, inclusive para geração de efeitos perante terceiros. Naquela oportunidade, decidiu, aquele mui digno Juízo Corregedor que não detém os Tabeliães de Notas atribuição para autenticar documentos digitais (1), muito menos extrair cópias das cópias em meio papel, porque cópia, como o nome diz, há de resguardar a forma do original apresentado e conferido. É evidente que ninguém pretende retirar dos Tabeliães de Notas a atribuição típica de reconhecer letras e firmas, ou mesmo o seu análogo, o reconhecimento da autoria dos documentos particulares, mediante a atestação da assinatura digital. Porém, daí a reconhecer-se, junto à atestação da autoria, a preservação do conteúdo dos documentos apresentados para o único fim de atestação da veracidade da assinatura digital, vai uma longa distância... Assim, apesar da douta decisão proferida nos autos do processo 000.01.109541-5 aludido, determinando a abstenção desse proceder em afronta às atribuições dos registros de títulos e documentos, acaba de ser publicado no sitio da ANOREG-SP (www.anoregsp.org.br), no último dia 27/05/2002, matéria de autoria do Doutor Paulo Roberto G. Ferreira, intitulada “A eficácia do Documento Eletrônico”, onde defende a tese da possibilidade de se atribuir a atos notariais efeitos diversos dos previstos em lei. Naquele texto, parece defender que os instrumentos particulares cujas assinaturas digitais forem chanceladas por tabelião gozariam de plena autenticidade “contém fé pública quanto ao seu conteúdo e à identidade e presença dos participantes” (cf. página 2/4, sétimo parágrafo, dentre outros). Informa, ainda, que tem conhecimento que assim já está procedendo “uma destas empresas” (idem, ibidem, pág. 3/4, penúltimo parágrafo), o que muito preocupa aos delegados dos serviços com atribuição legal de registro de títulos e documentos. O receio está em que, eventuais teses assim defendidas, demonstrariam o intuito de atribuir, aos atos de mera “atestação” notarial, efeitos de preservação do conteúdo dos instrumentos particulares apresentados aos tabeliães de Notas, agora para os restritos atos de reconhecimentos de assinaturas digitais. Aqui faz-se necessária a abertura de parêntesis para esclarecer que, como é curial, tanto os atos de autenticação de cópias como os de reconhecimento de firmas possuem natureza de mera “atestação” e não de certificação, como pretendem alguns notários, porque somente têm natureza de certificação os atos que notários e registradores praticam por meio de extração de seus arquivos, de seus livros, onde constam perpetuados os registros, os conteúdos dos documentos por eles lavrados ou registrados. Quem assim os classificou foi, nada mais nada menos, que o imortal das letras jurídicas PONTES DE MIRANDA. (2) Aliás, especificamente sobre o ato de reconhecimento de firmas, debruçou-se o mais ilustrado tratadista brasileiro, com maestria (3), demonstrando, mais uma vez, o equívoco em que incorre o autor da novel tese ora estudada. É certo, também, que, nos idos de Justiniano, não se conhecia a repartição de atribuição aos notários e registradores, como ocorre hoje, em especial no Brasil. Por isso que o exemplo referido em seu texto refere-se aos atos praticados com a interveniência de um tabelião, ou seja, atos por ele lavrados, com uso de sua fé pública. Somos forçados a reconhecer nossa ignorância quanto à existência de atos de reconhecimento de firma àquela vetusta época, o que, de forma alguma, implicaria eliminar a atribuição legal dos registros de títulos e documentos pátria. Não pretendem, data venia, os Oficiais de Registro de Títulos e Documentos, buscar polêmicas pessoais com o Autor, contra quem não desejam nutrir nenhuma rivalidade. Temem, todavia, o desrespeito àquela douta decisão corregedora, ainda que de forma oblíqua, como se fosse possível argumentar que sua Excelência teria proibido, apenas, a pretensão de conferir plena autenticidade (no sentido técnico) ao conteúdo das autenticações de cópias, mas teria silenciado quanto ao mesmo efeito se atribuído aos meros reconhecimentos de firmas. Ora, o ato de reconhecer firmas (ou à pretendida analogia às assinaturas digitais) foram previstos, apenas e tão somente, para atestar a autoria do documento particular. Nada mais. E, como reconhecem os próprios defensores da tese contrária, não há nenhuma segurança jurídica quanto ao conteúdo dos documentos particulares assim revestidos, porque não há previsão legal que a ampare. Por isso o legislador, que não usa palavras inúteis, conferiu tal atribuição apenas aos registros especiais de títulos e documentos, como já visto de forma até cansativa na douta decisão referida, do que nos escusamos reiterar. Assim, e no intuito de ver preservada a atribuição de cada um dos segmentos notariais e registrais, vemo-nos obrigados a, mais uma vez, demonstrar o equívoco dos que crêem que a era digital teve o condão de alterá-las, lembrando a lição dada pelo excelentíssimo Doutor Marcio Martins Bonilha Filho, ao esclarecer que “é induvidoso que a utilização do meio digital não afetou as atribuições respectivas, nem alterou o sistema de competência, na prestação dos serviços delegados” (idem, ibidem, processo 000.01.109541-5), que, no nosso sentir, põe fim à discussão. Entretanto e mais uma vez, está aberto o debate, não sendo demais, todavia, lembrar que é desejável que o segmento de notários e registradores seja o primeiro a defender as atribuições individuais, para que, no futuro, outros não se vejam compelidos a aventurar-se a praticar atos que, por lei, a eles e somente a eles são atribuídos. Aberta a temporada de caça, não será exagero imaginar que, no futuro, outros segmentos vejam-se dispensados de exigir a atestação notarial das assinaturas das partes, porque recepcionados documentos digitais de cuja autoria não se duvida ou de cópias não conferidas com o original pelos mesmos motivos ou, também, sejam dispensados protestos de títulos porque, com o sistema brasileiro de pagamentos, a mora poderá ser atestada por meio digital, tornando em tudo dispensáveis a lavratura e registro de atos porque os meios digitais privados já aufeririam a autenticidade necessária, do que discordamos, não imaginando o meio digital como a panacéia geral e reconhecendo, em nossa tradição e eficiência comprovadas ao longo dos séculos, como o melhor e mais seguro meio de perpetuação e publicidade dos atos jurídicos. Notas (1) Como se sabe, na esfera do direito registrário, regido pelas normas do direito público, é de rigor a aplicação e a observância do princípio da legalidade. Aqui, tal como sucede em relação ao agente, na administração pública, ao Delegado do Serviço somente é permitido fazer o que a lei autoriza. Nesse ponto, é irrepreensível o invocado ensinamento do sempre lembrado Hely Lopes Meirelles: "Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa 'pode fazer assim' para o administrador público significa 'deve fazer assim'" (Direito Administrativo Brasileiro, 26ª ed., Malheiros Editores, 2001, p. 82). Aliás, bem citada pelos representantes, como já o fizera o acatado jurista José Afonso da Silva, ("in" Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª ed., Malheiros Editores, 1.992, p. 373/374), por incidir na espécie. É inegável que "o serviço notarial e de registros se subordina rigorosamente ao princípio constitucional da legalidade. O ato praticado ou praticável é sempre previsto em lei, para ser executado e cumprido na forma desta", como elucida o ilustre Advogado Walter Ceneviva, ao apreciar a matéria (op. cit. p. 211). Ademais, no quadro das atribuições legais, e da competência normativa, são distintas as atividades de cada categoria, cumprindo exigir-se a rígida obediência aos limites da atuação dos agentes delegados, que, embora não sejam servidores públicos, pertencem ao quadro de colaboradores do Poder Público, a que se referiu o ínclito Helly Lopes Meirelles (op. cit. p. 75), sujeitos aos mesmos princípios que regem o serviço público, pouco importando, para esse fim, que não ocupem cargo público. Portanto, em se tratando de serviço público, subordinado a regras específicas de Direito Público, é de exigência indeclinável o rigor na observância estrita das atribuições delegadas, sem margem para ampliação da função exercida, que não está legitimada por norma constitucional, tampouco por regra legal. No caso em exame, a oferta de serviços ultrapassou as atribuições pertinentes do representado, que são previstas no artigo 7º da Lei nº 8.935/94, incorrendo em extensão relativa a outros serviços delegados, conforme bem assinalaram os representantes, nos pontos destacados na inicial, a reclamar pronta vedação, por isso que extravasa do campo da atuação notarial delegada do representado, sem que houvesse atribuição residual, como sucede em relação ao registro de títulos e documentos (artigo 127 da Lei nº 6.015/73)...” De outra parte, a prática de atos de arquivamento, que não passaria afinal de registro de títulos e documentos, para fins de publicidade, para fazer prova perante terceiros, ou autenticar data, mesmo para mera preservação e perpetuidade, constitui atribuição exclusiva dos serviços registrais de títulos e documentos, nos termos da legislação vigente (artigo 12 da Lei nº 8.935/94 artigo 127 da Lei nº 6.015/73). Por seu turno, no tema da atuação notarial, sob o prisma da certificação digital, cabe lembrar que a matéria ainda não foi normatizada em nosso Estado, mas é induvidoso que a utilização do meio digital não afetou as atribuições respectivas, nem alterou o sistema de competência, na prestação dos serviços delegados. Aliás, o anúncio de serviços aos usuários, nesse capítulo, gera confusão em aspectos importantes relativos à segurança e ao arquivamento de documentos, com promessa de reprodução futura, como se fosse o próprio original. Do mesmo modo, inviável a prática de autenticação de cópia autenticada. É evidente que o avanço tecnológico exige a evolução no sistema de prestação de serviços registrários, para acompanhar seu desenvolvimento, mas não com o sacrifício de princípios legais e constitucionais indeclináveis e o risco à segurança jurídica e notarial, devendo o representado ficar limitado ao desempenho de suas funções no campo relativo à sua área específica de atuação, sem margem para extrapolar as suas atividades, nada justificando a invasão de competência legalmente reservada... Por conseguinte, acolhendo a representação, nos termos da postulação inicial, determino ao Tabelião que se abstenha da promoção de propaganda a que corresponde ao folheto de fls. 09/10vº, suspendendo a oferta dos atos impugnados, sob pena de instauração de procedimento disciplinar, vedada a prática desses atos (item "b", fls. 08), resguardando-se a atribuição legal dos serviços de registro de títulos e documentos (vide Processo 000.01.109541-5). (2) In “Tratado do Direito Privado”, Tomo 3, 2000, Bookseller, pág. 465: “Documentos públicos são os que procedem de autoridades públicas, ou de pessoas com fé pública, dentro dos limites das respectivas competências e atribuições. Documentos particulares são aqueles que não têm tal procedência. Os documentos em que se reconheceram a letra e as firmas (assinaturas) dos figurantes, ou só as firmas, são documentos particulares, pois o reconhecimento da firma apenas é objeto de atestação, e não de certidão, do oficial público. Quem atesta, por isso que procede ao exame do que se lhe apresenta, acredita (= dá crédito) ao que se lhe mostra. Quem certifica dá documento, por ser sobre aquilo que consta do seu ofício. É a distinção essencial entre o atestado e a certidão..O ato de conferência e concerto não é certidão, - é atestado, como o reconhecimento de firma. Há declarações de conhecimento em todos esses atos mas certidão somente há se o que se tem por certo consta de livros, ou papéis, ou arquivos de ofício mesmo de quem, com fé pública, certifica. (A distinção que faz frei Francisco de S. Luís, Ensaio sobre alguns sinônimos da Língua Portuguesa, II, 123 s., é atécnica)”. (3) Idem, ibidem, pág. 485: “Firmas reconhecidas.Os instrumentos com firma reconhecida somente levam a mais a afirmação do tabelião de que foram firmados pelas pessoas a que se atribuem. Nenhuma proposição há do tabelião quanto ao conteúdo, tanto mais quanto podem ser reconhecidas firmas de documentos em branco, ou em parte em branco (devendo o oficial público dizer que está em branco) e o próprio reconhecimento da letra e firma somente concerne aos sinais alfabéticos e outros sinais, como os algarismos, que no documento estejam, e à firma, sem se aludir ao que com eles se diz. No direito brasileiro, o reconhecimento de firma não é por ter o oficial público estado presente à assinatura tem-se, também, o reconhecimento por comparação com a assinatura que está no fichário do tabelião, ou no seu livro de firmas.” * Paulo Roberto de Carvalho Rego é 1° Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Cidade de São Paulo e Diretor do Segmento junto à ANOREG-SP.
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
3752
Idioma
pt_BR