Notícia n. 3698 - Boletim Eletrônico IRIB / Junho de 2002 / Nº 493 - 07/06/2002
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
493
Date
2002Período
Junho
Description
Penhora. Imóvel residencial - moradia de ex-mulher e filha. Impenhorabilidade. - Sérgio Jacomino, seleção e verbetação Civil e processual civil. Execução. Imóvel residencial. Impenhorabilidade. Lei 8.009/90. Entidade familiar. Devedor divorciado. Imóvel habitado pela ex-mulher e pela filha. I- O conceito de entidade familiar deve ser compreendido de acordo com as alterações que se processaram nos últimos tempos no Direito de Família, de modo a ser preservado o sentido social da Lei 8.009/90. II - Não se expõe à penhora o imóvel de propriedade do executado e de sua ex-esposa, quando se destina à moradia desta última e da filha, vez que a proteção da Lei 8.009/90 atinge o bem por inteiro e não apenas a meação da mulher, sob pena de prejudicar o núcleo familiar. Recurso especial provido. Relatório e decisão. Nos autos de execução movida por Ailton Francisco Fraulo contra Roque Antônio de Moraes, Vicentina Colombo, ex-mulher do devedor, opôs embargos de terceiro, insurgindo-se contra penhora incidente sobre imóvel de propriedade do antigo casal, alegando tratar-se de bem de família. Requereu, ainda, alternativamente, o resguardo de sua meação. Julgado parcialmente procedente o pedido, manteve-se a restrição sobre cinqüenta por cento do imóvel. O Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo negou provimento à apelação da embargante em acórdão assim ementado: "Embargos de terceiro. Oposição pela ex-esposa do executado visando afastar penhora que recaiu sobre imóvel onde reside. Doação do referido imóvel aos filhos não concretizada via escritura pública devidamente registrada no registro imobiliário. Promessa de doação quando da separação dos pais. Bem imóvel de propriedade indivisível de condôminos. Bem de família não caracterizado. Levantamento da penhora sobre a meação pertencente à embargante. Embargos parcialmente providos. Apelação provida em parte para esse fim." Interpostos embargos de declaração, foram rejeitados. Inconformada, a embargante apresenta recurso especial, com amparo nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional. Aduz a recorrente negativa de vigência do artigo 1º da Lei 8.009/90. Sustenta, em síntese, que o imóvel objeto da constrição é indivisível e está protegido pelo referido diploma legal, vez que nele reside juntamente com a filha mais nova do casal proprietário. Cita doutrina em abono à sua tese e aponta dissídio com julgado desta Corte. Remetidos os autos ao Ministério Público Federal, opinou o ilustre representante do Parquet pelo provimento do recurso. É o relatório. Discute-se, no presente processo, se, não residindo o executado no imóvel, podem seus familiares, ex-esposa e filha, gozar da proteção assegurada pela Lei 8.009/90. A corte estadual entendeu que não. Ressalto a seguinte passagem. Não sendo o imóvel questionado "próprio do casal", ante a ocorrência do divórcio, nem existindo cônjuge, pois inexistente o casamento como também não sendo ele "próprio da entidade familiar porque de propriedade indivisível de condôminos, um deles não residente no imóvel, sendo inviável a instituição de bem da família em imóvel alheio, como bem salientou a sentença, a penhora que se quer afastar é válida, somente reduzida pela metade, para que incida, somente, na meação do devedor." O tribunal a quo não se houve com o costumeiro acerto. Tenho como induvidoso que violada a Lei 8.009/90. Cumpre ressaltar inicialmente que, na linha dos precedentes desta Corte, o conceito de entidade familiar deve ser compreendido de acordo com as alterações que se processaram nos últimos tempos o Direito de Família, de modo a ser preservado o sentido social da Lei 8.009/90. A propósito, vale transcrever as ementas de julgados deste Tribunal que têm admitido a extensão do benefício, igualmente argumentando com a teleologia da norma: "Execução. Impenhorabilidade. Imóvel residencial. Devedor separado judicialmente que mora sozinho. Com a separação judicial, cada ex-cônjuge constitui uma nova entidade familiar, passando a ser sujeito da proteção jurídica prevista na Lei nº 8.009, de 29.03.90. Recurso especial não conhecido". (REsp 218.377/ES, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ 11.09.2000) "Execução. Embargos de terceiro. Lei 8009/90. Impenhorabilidade. Moradia da família. Irmãos solteiros. Os irmãos solteiros que residem no imóvel comum constituem uma entidade familiar e por isso o apartamento onde moram goza da proteção de impenhorabilidade, prevista na Lei 8009/90, não podendo ser penhorado na execução de dívida assumida por um deles. Recurso conhecido e provido." (REsp 159.851/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 22.06.98) "Resp. Civil. Imóvel. Impenhorabilidade. A Lei nº 8.009/90, art. 1º, precisa ser interpretada consoante o sentido social do texto. Estabelece limitação à regra draconiana de o patrimônio do devedor responder por suas obrigações patrimoniais. O incentivo à casa própria busca proteger as pessoas, garantido-lhes o lugar para morar. Família, no contexto, significa instituição social de pessoas que se agrupam, normalmente por laços de casamento, união estável ou descendência. Não se olvidem ainda os ascendentes. Seja o parentesco civil, ou natural. Compreende ainda a família substitutiva. Nessa linha, conservada a teleologia da norma, o solteiro deve receber o mesmo tratamento. Também o celibatário é digno dessa proteção. E mais. Também o viúvo, ainda que seus descendentes hajam constituído outras famílias, e, como normalmente acontece, passam a residir em outras casas. "Data venia", a Lei nº 8.009/90 não está dirigida a número de pessoas. Ao contrário — à pessoa. Solteira, casada, viúva, desquitada, divorciada, pouco importa. O sentido social da norma busca garantir um teto para cada pessoa. Só essa finalidade, "data venia", põe sobre a mesa a exata extensão da lei. Caso contrário, sacrificar-se-á a interpretação teleológica para prevalecer a insuficiente interpretação literal." (REsp 182.223/SP, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 10.05.99, republicado no DJ de 20.09.99) Na espécie, portanto, não há como desconsiderar ser o imóvel destinado a uma entidade familiar protegida pela Lei 8.009/90. Destarte, considero que, no caso ora em exame, está a ex-esposa autorizada a defender por inteiro o imóvel em que reside, patrimônio do casal, e não apenas a sua meação. Indiscutível o prejuízo que sofrerá o núcleo familiar, caso venha a ser alienada a terceiro a outra metade do imóvel, vez que afetará a estrutura do lar que abriga mãe e filha. Há precedentes nesta Corte acolhendo essa tese, como bem ressaltou a ora recorrente, senão vejamos: "Processual civil. Execução movida ao cônjuge varão. Lei n. 8.009/90 suscitada pelo executado e rejeitada por decisão já preclusa. Embargos de terceiro da esposa meeira. Reavivamento. Possibilidade. Súmula n. 205-STJ. I. Inobstante afastada pela instância ordinária, com decisão preclusa, a aplicação da Lei n. 8.009/90 à penhora havida nos autos da execução movida ao cônjuge varão, tem-se que a questão pode ser reavivada em embargos de terceiro opostos pela esposa do devedor, que não integrava aquele processo. II. "A Lei n. 8.009/90 aplica-se à penhora realizada antes de sua vigência" (Súmula nº 205 do STJ). III. Proteção que atinge a inteireza do bem, ainda que derivada apenas da meação da esposa, a fim de evitar a frustração do escopo da Lei nº 8.009/90, que é a de evitar o desaparecimento material do lar que abriga a família do devedor. IV. Recurso conhecido e provido, para afastar a penhora." (Resp 56.754/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ 21.08.2000) "Impenhorabilidade. Imóvel destinado à moradia da ex-mulher e da filha. É impenhorável o apartamento que, no acordo de separação do casal, foi destinado à moradia da ex-mulher e da filha menor. Recurso não conhecido." (REsp 112.665/RJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 31.05.99) Pelo exposto, adotando a mesma orientação dos arestos colacionados, com base no § 1º-A do art. 557 do Código de Processo Civil, dou provimento ao especial. Brasília 6/9/2001. Relator: Ministro Castro Filho. (Recurso Especial nº 293.291/SP DJU 21/9/2001 pg. 300/301)
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