Notícia n. 3076 - Boletim Eletrônico IRIB / Novembro de 2001 / Nº 397 - 08/11/2001
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
397
Date
2001Período
Novembro
Description
3º Painel - Direito de Superfície, Direito de Preempção e institutos jurídicos para adequado aproveitamento do solo urbano (parcelamento compulsório IPTU progressivo desapropriação-sanção - Coordenador: Paulo Teixeira - Secretário Municipal de Habitação de São Paulo Palestra 1 - 3º painel O ESTATUTO DA CIDADE E OS NOVOS INSTRUMENTOS DA POLÍTICA URBANA Regina Helena Costa - Juíza Federal, Mestre e Doutora pela PUC/SP e Professora de Direito da PUC/SP - (Trecho do trabalho escrito.) Ansiosamente aguardada, após passados mais de doze anos, finalmente veio a lume a regulamentação dos arts. 182 e 183 da Constituição da República, disciplinadores da política de desenvolvimento urbano. A Lei n. 10.257, de 10.07.2001, denominada Estatuto da Cidade, estabelece, na dicção do parágrafo único de seu art. 1º, "normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental''. Trata-se de diploma legal inovador, continente de regramento indispensável à adequada ordenação dos espaços habitáveis, garantidora da qualidade de vida dos cidadãos. Nasce em meio a grande polêmica, própria dos textos que introduzem limitações ao exercício de direitos individuais, ensejando questionamentos acerca da constitucionalidade de vários de seus dispositivos. Ao lado da disciplina de institutos expressamente já referidos pela Lei Maior (art. 182, § 4º, I a III), como o IPTU progressivo (art. 7º) e o parcelamento e a utilização compulsórios (arts. 5º e 6º), o ineditismo transparece no regramento de outras figuras, como o direito de superfície (arts. 21 a 23), a outorga onerosa do direito de construir (arts. 28 a 31), as operações urbanas consorciadas (arts. 32 a 34), a transferência do direito de construir (art. 35) e o estudo de impacto de vizinhança (arts. 36 a 38), dentre outros, o que dá conta do arrojo com que se houve o legislador brasileiro, inspirado na legislação de países cujo direito urbanístico é mais desenvolvido, como a Espanha, a França e a Itália. Neste modesto estudo, fruto de primeiras reflexões, teceremos algumas considerações sobre o Direito Urbanístico e a função social da propriedade e, após, nos limitaremos a analisar os institutos colocados pela Lei Maior à disposição do legislador municipal para o implemento da política urbana necessária ao bem-estar dos habitantes da cidade : o parcelamento e a edificação compulsórios, assim como a desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública. Alguns aspectos desse novo diploma legal merecem ser abordados inicialmente, no intuito de propiciar a exata compreensão das considerações feitas a seguir. O primeiro deles diz com a previsão da garantia do direito a cidades sustentáveis, relevante novidade desse texto normativo, entendido como "o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações" (art. 2º, I). Inspira-se tal preceito no art. 225 do Texto Fundamental, significando que todo cidadão faz jus a um meio ambiente urbano equilibrado. Outro ponto a destacar são as sucessivas referências feitas ao interesse social, verdadeira tônica do Estatuto da Cidade. Primeiramente, o art. 2º, ao indicar as diretrizes da política urbana, arrola a "isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção de empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido o interesse social" (art. 2º, XVI). O § 2º, do art. 4º, por sua vez, prescreve que, "nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse social, desenvolvidos por órgãos ou entidades da Administração Pública com atuação específica nessa área, a concessão de direito real de uso de imóveis públicos poderá ser contratada coletivamente". Ainda, quando o Estatuto aborda a transferência do direito de construir, contempla essa possibilidade no que tange a imóvel considerado necessário para fins de "servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda e habitação de interesse social" (art. 35, III). Registre-se, também, o teor do art. 47 da lei, segundo o qual os tributos sobre imóveis urbanos, assim como as tarifas relativas a serviços públicos urbanos, serão diferenciados em função do interesse social, e o conteúdo de seu art. 8º, que regulamenta a desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública, modalidade de desapropriação com fundamento em interesse social (art. 5º, XXIV, C.R.). Interesse social é modalidade de interesse público, como o próprio Texto Fundamental indica ao disciplinar o instituto da desapropriação, em seu art. 5º, XXIV. Sinaliza a busca pelo bem-estar coletivo, objetivo último do próprio Estado. Seabra Fagundes leciona que ocorre interesse social quando o Estado tutela os "chamados interesses sociais, isto é, daqueles diretamente atinentes às camadas mais pobres da população e à massa do povo em geral, concernentes à melhoria nas condições de vida, à mais eqüitativa distribuição de riqueza, à atenuação das desigualdades sociais". Assim é que todo o desenvolvimento da política de desenvolvimento urbano deve ter por fio condutor o interesse social. 2. Enquanto o Urbanismo "é o conjunto de medidas estatais destinadas a organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade", ou, em outras palavras, a ciência e na técnica de ordenar os espaços habitáveis, visando o bem-estar geral, o direito urbanístico compreende o "conjunto de normas jurídicas reguladoras da atividade do Poder Público destinada a ordenar os espaços habitáveis, o que eqüivale dizer : conjunto de normas reguladoras da atividade urbanística" . Traduzindo-se na disciplina jurídica do Urbanismo, o Direito Urbanístico vai abarcar as regras jurídicas que cuidam do planejamento urbanístico, do uso e da ocupação do solo urbano (parcelamento, loteamento e proteção ambiental), da ordenação da atividade edilícia (zoneamento, licenças urbanísticas) e da utilização de instrumentos de intervenção urbanística (desapropriação, tombamento, servidão administrativa). O Direito Urbanístico, como sabido, é informado, dentre outros, pelo princípio da função social da propriedade. Trata-se do grande princípio aplicável ao Direito Urbanístico, cuja importância sobreleva em relação a qualquer outro. Tal princípio é afirmado e reafirmado por diversas vezes pela Constituição da República. Nada menos que oito dispositivos a ele se referem (arts. 5º, XXIII (rol dos direitos individuais) 156, § 1º (IPTU progressivo) 170, II (princípio geral da atividade econômica) 182, caput e § 2º (política urbana) 184, caput 185, parágrafo único (desapropriação para fins de reforma agrária) e 186 (propriedade rural). O princípio da função social da propriedade é uma limitação ao direito de propriedade, no sentido de que compõe o próprio perfil desse direito (correspondendo à noção de Poder de Polícia em sentido amplo, na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello). O proprietário deve usar e desfrutar do bem, exercendo esse direito em prol da coletividade. Significa esse princípio que, num plano ideal, a sociedade deve extrair benefícios do exercício desse direito. Como limite mínimo de sua eficácia, ao menos não pode ser o interesse coletivo contrastado pelo interesse particular. Em outras palavras, com esse princípio o direito de propriedade ganhou uma significação pública, que não possuía no passado, "socializando-se". Meditando sobre o conteúdo desse princípio, no direito pátrio, em sua extensa dimensão, cremos seja possível afirmar que o mesmo origina subprincípios, quais sejam, o da proteção ambiental e o da remissão ao plano. Quanto ao princípio da proteção ao meio ambiente, cabe relembrar que a propriedade privada é princípio geral da atividade econômica (art. 170, II), assim como a defesa do meio ambiente (art. 170, VI). O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, constitucionalmente contemplado, impõe ao Poder Público o dever de assegurar a sua efetividade, mediante diversos modos de atuação, dentre eles, especialmente, o de "definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção" (art. 225, inciso III). O princípio da remissão ao plano, citado por juristas espanhóis, dentre eles Antonio Carceller Fernandez, é extraível de nosso ordenamento, já que o papel a ser desempenhado pela propriedade imóvel, em cada cidade, há que ser delineado no plano urbanístico. Desse modo, a definição do conteúdo da função social a ser cumprida pela propriedade imóvel faz remeter ao plano urbanístico. Dessarte, sendo o plano uma lei de efeitos concretos, as expectativas urbanísticas derivam diretamente deste. Notas 8 A propósito do direito à moradia, veja-se o nosso Programa Constitucional de Habitação e Urbanismo e os Direitos Fundamentais, Revista do Tribunal Regional Federal da Terceira Região n. 45, janeiro/fevereiro de 2001, pp. 31-33. 9 "Art. 5º, XXIV, C.R. : a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição". 10 O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário, São Paulo, Saraiva, 1984, pp. 287-288. 11 Os itens 3 e 4 deste trabalho reproduzem texto de artigo de nossa autoria, intitulado Reflexões sobre os princípios de Direito Urbanístico na Constituição de 1988, in Temas de Direito Urbanístico, publicação do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Habitação e Urbanismo, co-edição do Ministério Público do Estado de São Paulo e Imprensa Oficial do Estado, 1999, pp. 11-19. 12 Cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 3ª ed., São Paulo, RT, 1977, p. 585. 13 Cf. José Afonso da Silva, Direito Urbanístico Brasileiro, São Paulo, RT, 1981, p. 21. 14 Celso Antônio Bandeira de Mello leciona que a função social da propriedade vincula a propriedade não só ao destino produtivo do bem, mas, outrossim, a objetivos de justiça social (Novos aspectos da função social da propriedade, in Revista de Direito Público 84/39). 15 Destaques nossos. 16 Instituciones de Derecho Urbanístico, Madrid, Editorial Montecorvo, 1979, pp. 52-54. (...)
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3076
Idioma
pt_BR