Notícia n. 3075 - Boletim Eletrônico IRIB / Novembro de 2001 / Nº 397 - 08/11/2001
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
397
Date
2001Período
Novembro
Description
Palestra 3 - 2º Painel INSTRUMENTOS DA POLÍTICA URBANA Jorge Wilheim - Urbanista e Secretário Municipal de Planejamento Urbano de São Paulo - (Trecho da palestra.) As primeiras discussões de reformas urbanas são de 1963. Algumas destas idéias que discutimos hoje, inclusive a possibilidade de transferência do direito de construir chegaram a ser enunciadas de forma imprecisa e sem a prática conseqüente. A primeira aplicação prática da transferência de potencial construtivo, resultante da carta de Embu, na década de 70, aconteceu em 1983 quando eu era Secretário de Planejamento na Sempla do prefeito Mário Covas. Muitos se lembram de que houve um domingo em que foram derrubados dois casarões da Av. Paulista da forma mais brutal possível. Foi destruída a faixada para dizer que não havia mais nada a ser preservado. Aquilo impressionou muito pela brutalidade do tombamento efetivo. E, para poder salvar as únicas duas ou três casas que ainda existiam criamos, primeiro por decreto, depois por lei, a possibilidade de transferir o potencial construtivo dessa área para outro local. Tudo isso foi feito com a intenção de preservar o patrimônio imobiliário do proprietário daquelas áreas, embora se tratasse de um patrimônio criado de forma parasitária: foi a cidade que valorizou aqueles terrenos e não o capital investido pelo proprietário. Mas se preservava esse patrimônio, transferindo o potencial construtivo para outro lugar da cidade e se eliminava a razão para a demolição do patrimônio cultural que deveria ser preservado. A aprovação do Estatuto da Cidade depois de tantos anos veio a calhar. Alguns dos seus instrumentos já vinham sendo utilizados pioneiramente em São Paulo, como a transferência do potencial construtivo e também as operações urbanas e o instrumento de outorga onerosa. A lista de instrumentos do Estatuto da Cidade não se limita à outorga onerosa, transferência do direito de construir e operação urbana. Dois outros instrumentos - usucapião e concessão real de uso - são muito importantes para permitir que as prefeituras legalizem áreas invadidas e consolidadas há mais de cinco anos, ou seja, as favelas, possibilitando dar uma solução legal a uma situação que às vezes corresponde a quase dois terços da cidade. Não é o caso de São Paulo, mas mesmo em São Paulo essas irregularidades fundiárias são muito extensas. Há também na lista de instrumentos a aplicação de imposto progressivo e o uso compulsório do imóvel que também são importantes na condução da gestão urbana. No entanto, instrumentos são ferramentas. Uma faca é instrumento da mesma forma que outorga onerosa é instrumento. É preciso saber como se maneja, se ele é adequado à mão que maneja, se é adequado à realidade na qual se insere. Nenhuma prefeitura é obrigada a utilizar todos ou alguns desses instrumentos, eles estão à disposição. Acho que a contribuição que posso dar é dizer de que maneira esse ferramental está sendo utilizado no caso concreto do planejamento do futuro da cidade de São Paulo. Nas últimas décadas houve um grande esvaziamento da parte central da cidade, o centro propriamente dito e os bairros em torno do centro. Eles perderam moradores enquanto a periferia aumentou muito a sua taxa de crescimento anual. Nós pretendemos inverter essa tendência centrífuga, aproveitando melhor os imóveis ociosos e a infra-estrutura já existente nessas zonas centrais. É preciso, então, encontrar o instrumental para poder inverter essa tendência. Por outro lado, o setor público, no caso a prefeitura, não dispõe mais dos recursos financeiros de que dispunha no passado. Esse fato não ocorre apenas em São Paulo, não ocorre apenas no Brasil. O setor público, no mundo, perdeu recursos e perdeu grande parte daquilo que eram os recursos financeiros para obras e para dar início ao processo de transformação. Houve, no mundo todo, uma concentração de capitais na mão dos novos capitalistas, que são as companhias de seguros, os fundos mútuos e os fundos de pensão. Este processo se dá em São Paulo e agrava a situação, através de um reconhecimento de dívida e um contrato de pagamento dessa dívida por mais dez anos. Com isso diminui ainda mais a possibilidade do setor público investir em recursos, porque tem de pagar dívidas e está impedido de receber financiamentos para obras de qualquer tipo. É uma camisa de força que amarra ainda mais o setor público no desempenho daquilo que é sua obrigação: servir o público com a implementação de obras, serviços e ordenamento urbano. No que se refere ao plano diretor, essa situação leva ao estudo cuidadoso da forma pela qual serão manejados os recursos financeiros disponíveis para colocá-los a serviço do interesse público. Assim, o plano diretor toma duas grandes diretrizes. Uma delas é multiplicar a quantidade de operações urbanas que permitem a outorga onerosa, permitindo obter-se uma receita. Para que isso não seja uma aventura o plano diretor coloca essas operações urbanas e lhes dá uma definição que até hoje não existia. As três operações são completamente diferentes umas das outras, quer dizer, foram feitas mais ou menos sob medida. Não são ruins no seu funcionamento, mas não se percebe nelas uma visão urbanística. Nós estamos dando uma única definição para todas as operações urbanas daqui para diante. A operação urbana é um conjunto de iniciativas que deve criar espaços públicos, ordenar a infra-estrutura e o sistema viário, atender problemas de habitação de interesse social e, através de outorga onerosa, permitir um adensamento maior do que o permitido em outras regiões. Esta definição deve ser utilizada em todas as operações urbanas, todas elas devem preocupar-se com essas quatro respostas para poderem ser chamadas de operações urbanas. Com isso estamos tentando garantir um interesse mais público nessas operações. A segunda medida que estamos tomando é de adotar um coeficiente básico para toda a cidade. Em todo lote urbano é permitido construir uma vez a área do lote. Nós dividimos o município em duas macro zonas, uma de estrutura urbana onde se constrói a cidade e, na sua periferia, uma macro zona de preservação ambiental. Essa macro zona não existe apenas nos extremos, ela pega todas as áreas que são muito frágeis do ponto de vista da topografia e onde o problema da preservação tem de ser adotado com um critério condutor das decisões urbanistas. Essa divisão em duas macro zonas é importante quando definimos um coeficiente básico e único porque permitimos, igualmente em toda a cidade, que se passe do coeficiente 1 para o coeficiente 2,5. Como se passa do coeficiente 1 para o 2.5, transferindo o potencial construtivo que é gerado virtualmente naquelas áreas de preservação ambiental, quem tem lote na macro zona de preservação ambiental terá um incentivo anual traduzido por um certificado que poderá colocar à disposição daqueles empreendedores que desejam construir mais que uma vez a área do seu terreno. Cria-se, portanto, uma forte demanda por esses certificados. Cria-se um incentivo à preservação das áreas verdes que será dado não de uma só vez, mas através de certificados anuais. Esse mesmo princípio é adotado para todas as edificações de interesse cultural. Os bens de interesse histórico tombados também recebem esse privilégio financeiro de poder transferir o restante do potencial construtivo como um incentivo à preservação. Finalmente, temos um potencial que pode chegar a 4, mas apenas dentro das operações urbanas. Até o ano 2010 estamos propondo doze operações urbanas, três existentes e mais 9. O nível 4 pode ser alcançado desde que através de outorga onerosa, portanto, estamos utilizando esse instrumento para financiar habitação, espaços públicos, e infra-estrutura dentro de cada operação urbana. Essas medidas que estão sendo propostas pelo plano diretor, utilizando o solo criado, nos parece uma dinâmica nova e diferente, inclusive as atividades imobiliárias. A novidade é que na composição dos custos de qualquer empreendedor imobiliário ele tem de considerar os ônus que pode utilizar ou não. Assim, aquilo que antes ele tinha de considerar apenas o custo da construção e os ônus da compra do terreno, ele compõe agora, a sua rentabilidade a partir da compra de certificados ou da outorga onerosa e, conseqüentemente, isso exercerá uma pressão para baixo do custo do solo. O plano diretor tem de ser uma proposta e uma visão de futuro e, portanto, de previsibilidade e de orientação. É também uma forma de construir consenso da forma mais transparente possível. Não temos nenhuma ilusão de que não haverá conflitos de interesses, isto é próprio de uma cidade livre. Os interesses são conflitantes, embora legítimos. O governo local foi eleito para tratar do interesse público e o plano diretor fornece uma visão generosa e um instrumental, que está em debate até meados de janeiro e que permitirá que São Paulo conte com esse documento orientador da cidade e da própria administração para os próximos dez anos.
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
3075
Idioma
pt_BR