Notícia n. 301 - Boletim Eletrônico IRIB / Março de 1999 / Nº 42 - 10/03/1999
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
42
Date
1999Período
Março
Description
O PESO DA GRATUIDADE NA IMPRENSA - Registrador civil ou não, se você pensa que financiar atos registrários obrigatórios para um país de 150 milhões de habitantes é problema bastante para qualquer serventia, enganou-se. Os felizes doadores de cidadania ainda têm que carregar o fardo da interpretação do assunto pela mídia. A gratuidade do Registro Civil continua a ser discutida na imprensa do DF. Os representantes da classe são ouvidos e seus argumentos até aparecem na reportagem de hoje. O problema é que a parte opinativa do artigo, que aparece em primeiro lugar, já enterra, antecipadamente, eventual boa vontade do leitor em entender o assunto ou simplesmente continuar a leitura. Qualquer jornalista no exercício da profissão sabe que, ao lado do título e subtílulo (onde ele tem que "ganhar" o seu leitor), a parte mais importante da matéria deve aparecer no chamado "lead", ou seja, no máximo até o segundo parágrafo. A estatística ensina que daí em diante, e em ordem crescente nos parágrafos seguintes, grande parte dos leitores abandona o texto jornalístico. A reportagem do Correio Braziliense vai na íntegra para observarmos a técnica utilizada. Título e subtítulo sem comentários! O primeiro parágrafo apela para a imagem de criancinhas inocentes e carentes desatendidas pela ganância dos registradores civis que lhes negam o registro gratuito "como previsto na lei". A primeira frase do 2º parágrafo já diz tudo, "A lei é para ricos e pobres. No entanto.." Precisa mais? Em cinco linhas o leitor já assimilou "tudo" sobre o assunto: há uma lei, que "dá" os registros de nascimento e óbito de graça à população brasileira, mas que está sendo descumprida pelos registradores civis. Agora, se algum leitor renitente escapar da nossa estatística e chegar ao fim do artigo não perde por esperar a última pá de cal sobre o assunto: ''A lei de gratuidade existe há 111 anos e nunca foi cumprida.'' "Cartórios contestam certidão gratuita" Tabeliães e registradores adaptam lei para que pelo menos os ricos paguem por registros, garantindo os lucros - Maria Clarice Dias - Da equipe do Correio Aos titulares de cartório de registro civil do país não é pedido muito. Ninguém lá dentro precisa saber se, um dia, a criança nascida chegou a sorrir, se teve febre quando lhe nasceram os dentes ou se está indo bem na escola. Basta registrar-lhe o nome, o dia de nascimento, de morte, os pais. O que complica, para eles, é fazer esse trabalho de graça, como previsto na lei. A lei de registro civil gratuito completou um ano e ainda não conseguiu acalmar os ânimos dos donos de cartórios. A lei é para ricos e pobres. No entanto, os tabeliães e registradores dos dez cartórios de registro civil do Distrito Federal resolveram adaptá-la. Segundo o presidente da Associação de Notários e Registradores do DF (Anoreg-DF), Emival Moreira, filhos de pobres recebem a certidão de nascimento ou óbito gratuitamente. Os ricos pagam. ''Enquanto os ricos sustentarem a parte dos pobres, teremos como trabalhar. Do contrário, faltará registro para todo mundo'', alega Moreira, que garante que basta o pobre se declarar incapaz de pagar para obter a certidão. O problema, segundo o presidente da Anoreg-DF, é que quem votou a lei esqueceu de avisar quem pagaria o papel, o salário dos funcionários, a tinta e todas as outras exigências para que as crianças tenham, desde cedo, sua cidadania. Pelas estimativas da associação do DF, o rendimento anual dos dez cartórios da unidade da federação é de cerca de R$ 822 mil. Sem a cobrança das certidões de nascimento e óbito, os titulares deixam de ganhar dois terços desse total. Restariam R$ 274 mil para pagar os custos do trabalho. É um lucro que, segundo os cartórios, faz falta. Para a presidente da Anoreg nacional, Léa Portugal, perder dinheiro com nascimento e morte pode levar ao fechamento dos cartórios. ''O nascimento e a morte são inevitáveis, o registro é certo. Sobra o casamento. E casamento está fora de moda'', diz. Em alguns estados, a determinação legal está funcionando graças a acordos entre os cartórios de registro civil e os responsáveis por todos os outros mecanismos legais para tornar públicas as negociações - como cartórios de imóveis, de protesto etc. No Rio de Janeiro e na Paraíba, por exemplo, titulares dos cartórios que não são de registro civil estão subsidiando os custos dos que receberam a determinação de oferecer a cidadania gratuitamente. No Rio Grande do Sul, os notários terceirizaram o serviço de registro de automóveis, antes realizado apenas pelo Departamento de Trânsito. ''Para fazer cumprir-se a lei, propusemos a cada estado que encontrasse alternativas. Mas ainda há muitas cidades onde a gratuidade do registro não acontece'', lamenta Léa Portugal. No ano passado, foi elaborada uma emenda para criar um fundo de compensação dos prejuízos. A proposta se parece com o que acontece no Rio de Janeiro e na Paraíba porém, foi vetada quando chegou ao presidente da República. A Anoreg nacional apresentou ao Ministério da Justiça diversas sugestões para acelerar o funcionamento da lei. Entre elas, a de descontar no imposto de renda dos titulares o equivalente aos descontos e a de que os bancos pagassem o valor equivalente ao das certidões. Segundo Léa, nenhuma vingou. Outras alternativas estão em estudo no ministério. Para o oficial de comunicação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Manuel Manrique, faltou uma negociação mais detalhada entre os legisladores, o Ministério da Justiça e os titulares de cartórios. ''Os pequenos cartórios, espalhados pelas cidades de interior do país, dependem dessa receita. Não dá para de uma hora para a outra cortar a fonte de rendimento'', afirma. O problema, segundo Manrique, é que está sendo pedido um serviço público a empresas privadas. A professora de estatística da Universidade de Brasília, Ana Maria Vasconcelos, cujo tema de doutorado é sobre estatística de mortalidade no Brasil, conta que o serviço de registro civil é privado desde os tempos do Império. Em março de 1888, Dom Pedro II retirou da Igreja a tarefa de registrar eventos vitais: nascimento, morte e casamento. Com a estrutura sócio-política do país precária, a concessão dos direitos foi dada a empresas privadas. 'A lei de gratuidade existe há 111 anos e nunca foi cumprida.'"(Correio Braziliense-10/3) AINDA O REGISTRO CIVIL E A GRATUIDADE A falta de seriedade da reportagem - ou na melhor das hipóteses, enorme ignorância - raia a desfaçatez. O oficial de comunicação da UNICEF obtemperou que os cartórios modestos dependem da receita para continuar prestando regularmente seus serviços. Conclui que o problema reside no fato de que esse serviço público é prestado por "empresas privadas". Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que os serviços de registro civil são públicos, embora exercidos em caráter privado por delegação. Há 111 anos, segundo a reportagem. Depois, seria bom que o técnico averiguasse quanto o estado brasileiro está economizando com o serviço prestado pelos cartórios e o que essa economia representa para a sociedade. Afinal, alguém sempre paga a conta. Se o serviço fosse prestado diretamente pelo estado, não é difícil imaginar o que isto significaria em termos de dispêndio com infra-estrutura e pessoal, sem falar na ineficiência do serviço público brasileiro, que padece de um sem número de problemas. Somente quem é absolutamente ignorante de como funcionam os registros civis pode expressar opiniões tão obtusas. Afinal, como noticiado anteriormente, esse mesmo governo que "impôs a gratuidade da certidão de nascimento ao registrador civil, com o objetivo de 'conceder' a cidadania brasileira a todas as crianças do país, não parece incluir a alimentação entre os direitos da criança cidadã".
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
301
Idioma
pt_BR