Notícia n. 2673 - Boletim Eletrônico IRIB / Junho de 2001 / Nº 331 - 29/06/2001
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
331
Date
2001Período
Junho
Description
Os "cartórios" do mundo Ângelo Volpi Neto* - O tema da certificação eletrônica tem provocado inúmeras inquietações em âmbito nacional. Aliás, o tema reconhecimento de firmas sempre inspira facções extremistas. Seja por projetos de lei que propõem sua completa extinção, seja em virtude daqueles que querem estender a fé pública notarial a entidades privadas, funcionários públicos, delegados de polícia etc. Como, em última análise, a certificação eletrônica é o reconhecimento de firmas na Internet, muito natural e saudável que o tema seja amplamente debatido. Dessa forma nós, tabeliães, através do Colégio Notarial do Brasil, temos promovido e parcipado de vários eventos, fóruns, audiências públicas, reuniões com associações de usuários e outros, com o intuito de suprir a comunidade de informações e externar nossa posição. Assim, nessas ocasiões, temos afirmado categoricamente e em alto e bom som que não advogamos quaisquer tipo de monopólios e/ou privilégios. Entretanto, muitos não nos querem escutar. Fazem ouvidos moucos por absoluto interesse próprio. Desde o surgimento do projeto da OAB-SP, temos dito e afirmado que aquele modelo é o que nos interessa, em sua essência. Ou seja, com algumas reservas no que se refere à fiscalização e regulamentação das certificações notariais. O ponco central da discussão é: quem poderá certificar as pessoas na Internet? Em nossa opinião, todos aqueles que contarem com confiabilidade e tecnologia para fazê-lo É necessário esclarecer que na Internet, assim como em documentos no papel, não será necessário reconhecer todas as assinaturas em cartórios. Ora, os bancos e o comércio já vêm operando há mutios anos com sua própria certificação. Entretanto, quando necessitam hipotecar um imóvel, outorgar uma procuração, dar publicidade a um negócio, usufruem dos serviços notariais e registrais. Por quê? Por que necessitam de uma segurança adicional que é provida por um terceiro neutro, imparcial e com fé pública. O modelo que advogamos à Internet é análogo ao de documentos em papel, que é adotado na grande maioria dos países desenvolvidos, onde o poder público delega aos notários a fé pública, exigindo-lhes que alguns requisitos técnicos sejam cumpridos e fiscalizando seus atos. Da mesma forma que delega aos bancos a atividade de emprestar dinheiro e cobrar juros, ou autorizando seguradoras a celebrar seguros (muitos obrigatórios), ou ainda quando prevê que exclusivamente cidadãos brasileiros possam gerir órgãos de imprensa. A lista é realmente extensa: somente advogados podem defender as partes em juízo, engenheiros assinar projetos e assim por diante. Ora, seriam todos esses cartórios? Privilégio de poucos? Monopólios? Vivemos então no mundo dos cartórios! Bem, de certa forma sim e não, na medida que qualquer um que possua os meios para se aperfeiçoar e estudar, ou suficientes recursos financeiro para ser banqueiro. Inclusive para ter capacidade de submeter-se a concurso público para delegação de... cartórios! Atualmente, cerca de 80% dos documentos que transitam em cartórios do Brasil não têm previsão legal de obrigatoriedade de reconhecimento de firma nem de autenticação. No entanto, por que a população, inclusive os advogados, continuam a fazê-lo? Simplesmente porque essa é a forma mais barata e segura de garantir a identidade de alguém através de uma assinatura. É tão natural como trancar o carro e a casa com as chaves, mesmo não sendo obrigatório por lei. Simplesmente este é o método mais seguro e barato. Por outro lado, os bancos por exemplo, não exigem que seus clientes reconheçam firma em cheques, já que eles mesmos o fazem através de comparação com a assinatura de clientes em seus arquivos. E assim ocorre com milhares de documentos assinados. Ou seja, não há a obrigação legal de reconhecimento de firma, porque os receptores desses documentos assim o desejam ou conhecem e presenciaram o autor subscrevendo o ato. O que estamos defendendo é que a fé pública tenha um mínimo de regulamentação, que empresas privadas, sujeitas a falências, concordatas etc. não possam ter a mesma fé pública outorgada pelo Estado aos tabeliães. Que a certificação eletrônica feita pelo notário seja diferente daquela feita pelas instituições privadas. Poucos têm noção da dificulade dos tribunais em fiscalizar os atos dos tabeliães e registradores, que segundo pesquisas recentes goza de excelente credibilidade perante à população. Vejam, não estou aqui falando de presteza, pois que nisso ainda estamos a dever - em parte por nossa própria culpa e por outra em decorrência dos cuidados necessários a fim de se garantir segurança jurídica. Quando um tabelião causa danos a um cidadão qualquer é obrigado a ressarci-lo. Caso não o faça, o Estado será obrigado a fazê-lo. A fé pública não pode ser atribuída sem critérios, sob pena de se provocar um colapso no sistema judicial do país. A presunção de veracidade dada aos atos notariais pressupõe que "aquilo vale", assim como sua cédula de identidade, seu passaporte etc. Dar essa presunção a empresas, num mundo eletrônico que permite sedes virtuais, num ambiente de perícia crítica, é incitar o anarquismo legal no país e mergulhar o e-commerce numa nuvem de fumaça. Esse modelo não existe em lugar nenhum do mundo, inclusive nos E.U.A., onde a profissão dos cybernotaries foi criada para suprir parte da certificação privada. Somos contra o parecer do relator do projeto de lei 1589/99, Dep. Julio Semeghini, por estender a presunção de veracidade (fé pública) a empresas privadas e pelo critérios impostos às Autoridades Certificadoras privadas, que são subjetivos e podem favorecer os "escolhidos". Exigir "capacidade patrimonial suficiente para suportar os riscos inerentes à atividade de certificação" não diz nada. Eu pergunto: A Construtora ENCOL, o Banco Nacional e outras, tinham essa "capacidade patrimonial suficiente". Ou não? Temos convicção de que poderemos prestar um serviço melhor, com melhores custos e maior credibilidade, ao contrário do que afirmou Joaquim Falcão, em artigo intitulado "O maior cartório do mundo" (Folha de S. Paulo 22/06/01). POrém, não há como deixar de concordar totalmente com ele quando reconhece que o maior cartório do mundo é norte-americano e chama-se Verisign, que, assim como a Microsoft e outras são o grande perigo a ser enfrentado. E de uma vez por todas, vamos diferenciar as coisas. Uma coisa são cartórios que representam os serviços notariais e registrais desse país, que ao longo de sua história têm prestado serviços inestimáveis, documentando desde o nascimento até a compra do imóvel, lavrando o testamento, a preços baixíssimos. Outra são os cartórios dos seguros obrigatórios, da Microsoft, da Verisign, do Cimento, do Aço, dos remédios e tantos mais quando nosso povo pode lembrar-se. A realidade dos tabelionatos permite que, por exemplo, numa cidade como São Paulo, ou Curitiba, um cliente tenha dezenas de opções, elegendo o que melhor lhe aprouver. Penso que isto não seja monopólio nem mesmo privilégio. Trata-se de uma profissão que exige formação e especialização, assim como tantas outras. * Ângelo Volpi Neto é tabelião em Curitiba, Paraná.
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
2673
Idioma
pt_BR