Notícia n. 248 - Boletim Eletrônico IRIB / Fevereiro de 1999 / Nº 37 - 26/02/1999
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
37
Date
1999Período
Fevereiro
Description
SINE DUBITATIONE - Cédula Rural Pignoratícia e Hipotecária emitida para fins não previstos na legislação e sem o preenchimento de requisitos legais. Acesso do título negado. Conheça aqui as razões. Cédula Rural Pignoratícia e Hipotecária foi apresentada ao cartório, emitida com fundamento no Decreto-lei 167/67, na lei 9.138/95 e nas resoluções 2.238/96, 2.471/98, 2.472/98 e 2.512/98 do Banco Central do Brasil. Porém, no entender do registrador, alguns requisitos essenciais, não foram observados. Em alentado estudo, o oficial observa que "a lei declara que as cédulas rurais são títulos civis, rompendo com a velha tradição de nosso direito, iniciada com o regulamento 737, de 1850, pelo qual os títulos de crédito, fossem de natureza cambiária ou constituíssem títulos de dívida pública, eram classificados sempre como atos de comércio. Acreditamos que devido à garantia hipotecária, que se integra em duas cédulas disciplinadas pela lei, o legislador foi induzido a classificar esses títulos como civis, de vez que, como todos sabem, a hipoteca se define em nosso direito como instituto estritamente de direito civil. A finalidade do crédito - aplicação em propriedades rurais - pode ter, também, determinado esta classificação. Portanto, a finalidade do crédito é que caracteriza o título e por seu turno autoriza a aplicação dos preceitos emanados da legislação especial, tornando a matéria especialissíma e de aplicação restritiva dada a sua natureza". E prossegue: "Assim, vejamos: A lei 9.138 de 29 de novembro de 1.995 que disciplinou o crédito rural, em seu artigo 5° autorizou o alongamento de dívidas originárias de crédito rural relativas às operações especificadas nos incisos I à VI, desde que celebradas até 20 de junho de 1.995. De acordo com o parágrafo 10° do mesmo artigo 5°, as operações de alongamento de dívidas originárias do crédito rural, "poderão" ser formalizadas através de emissão de Cédula de Crédito Rural, disciplinadas pelo Decreto-lei 167/67. Existem três modalidades de Cédula Rural: a) Cédula Rural Pignoratícia b) Cédula Rural Hipotecária e, c) Cédula Rural Pignoratícia e Hipotecária. Os requisitos indispensáveis à formação desse título civil estão, respectivamente, enumerados nos artigos 14, 20 e 25 do aludido Decreto-lei 167/67. Um dos requisitos necessários à formação da Cédula Rural, quer pignoratícia, quer hipotecária e, portanto, à sua legalidade, já que a omissão de qualquer dos elementos previstos nos artigos 14, 20 e 25 do Decreto descaracteriza completamente o título, é a indicação da FINALIDADE RURALISTA A QUE SE DESTINA O FINANCIAMENTO CONCEDIDO E A FORMA DE SUA UTILIZAÇÃO. Essa finalidade, evidentemente, deve observar um dos incisos do artigo 9° da lei 4.829/65, assim caracterizados: I- CUSTEIO- QUANDO DESTINADOS A COBRIR DESPESAS NORMAIS DE UM OU MAIS PERÍODOS DE PRODUÇÃO AGRÍCOLA OU PECUÁRIA II- INVESTIMENTO- QUANDO SE DESTINAREM A INVERSÕES EM BENS E SERVIÇOS CUJOS DESFRUTES SE REALIZEM NO CURSO DE VÁRIOS PERÍODOS III- COMERCIALIZAÇÃO- QUANDO DESTINADOS, ISOLADAMENTE, OU COMO EXTENÇÃO DO CUSTEIO, A COBRIR DESPESAS PRÓPRIAS DA FASE SUCESSIVA À COLETA DA PRODUÇÃO, SUA ESTOCAGEM, TRANSPORTE OU À MONETIZAÇÃO DE TÍTULOS ORIUNDOS DA VENDA PELOS PRODUTORES IV- INDUSTRIALIZAÇÃO- DE PRODUTOS AGROPECUÁRIOS, QUANDO EFETUADA POR COOPERATIVAS OU PELO PRODUTOR EM SUA PROPRIEDADE RURAL Certo, que a Cédula emitida para o alongamento de dívidas de crédito rural não terá a finalidade ruralista indicada no seu corpo, já que a mesma se destina apenas a alongar os referidos créditos, porém, não menos certo que os contratos que serão alongados, ou seja, os contratos originários necessariamente deverão expressar essa finalidade (classificadas nos incisos I à IV do art. 9° da lei 4.829/65) para dar suporte legal a emissão da Cédula Rural. Poder-se-ia, ainda, tentar sustentar que a Resolução 2.471 do Banco Central teria alargado o conceito de dívidas originárias de Crédito Rural ao declarar "decorrentes de empréstimos de qualquer natureza, vencidos ou vincendos, cujos recursos tenham sido utilizados para amortização ou liquidação de operações de crédito rural formalizadas até 26.6.95"(Art. 1°, par. 1°, inc. III). Todavia, em nada inovou o dispositivo, pois a permissibilidade de aplicação dos preceitos do crédito rural às dívidas de quaisquer naturezas subordinam-se a utilização destes recursos para a liquidação ou amortização de operações de crédito rural. Logo, forçoso convir que, a dívida originária necessariamente deve ser rural com finalidades específicas previstas em lei. Entretanto, o que se nota é que o título apresentado tem por finalidade o alongamento das dívidas relacionadas no Anexo I, sendo que do mesmo não consta a data do empréstimo rural original, para observância do disposto no artigo 5° da lei 9.138/95 (operações celebradas até 20/06/95), nem mesmo a finalidade ruralista dos créditos originários, interferindo gravemente no controle da legalidade da emissão cedular. Deste modo, a exigência foi efetuada no sentido da juntada dos referidos contratos originários para a devida apuração desses requisitos essenciais, com o que não concordou o apresentante. Tal exigência, como já explicitado, tem fulcro no PRINCÍPIO REGISTRAL DA LEGALIDADE, pois "a validade da inscrição depende da validade do negócio jurídico que lhe dá origem e da faculdade de disposição do alienante". Se o registro de imóveis fosse meramente copiativo dos documentos apresentados, isto é, se os negócios instrumentalizados entrassem para o registro automaticamente, nenhuma seria a sua segurança. Celestino Cano Tello, em sua festejada obra, manifestou: "Por esta razón, se impone que no se inscriban los títulos presentados al Registro sin una previa comprobación de su legalidad por el funcionario encargado del mismo, al que se le exige una perfecta cualificación jurídica. Sólo deben tener acceso ao Registro los títulos válidos Y perfectos y ello es lógico si se queire asegurar mínimamente la concordancia entre el Registro y la realidad" No mesmo sentido, Luis A. Carvalho Fernandes , ao comentar o direito registral português, assim classificou o princípio da legalidade: "O Princípio da Legalidade decorre, desde logo, do caráter público do registro, numa das suas manifestações. Com efeito, sendo o conservador e demais servidores das conservatórias funcionários públicos, todos estão, nessa qualidade, subordinados à lei, que devem respeitar. Por esta simples razão, já aqui domina uma idéia de legalidade contudo, o princípio en análise, tem alcance mais vasto, que cabe precisar, e que decorre do art. 68° do C.R. Pre... Para maior compreensão do alcance do princípio da legalidade, importa começar por assinalar que lhe pode ser atribuído um conteúdo formal ou substancial. No primeiro caso, aos funcionários do registro apenas se exigiria a verificação da regularidade formal dos actos apresentados a registro e a legitimidade dos respectivos requerentes. Se o princípio for de legalidade substancial vai-se mais longe, impondo-se, também, ao conservador a obrigação de se pronunciar sobre a viabilidade do pedido de registro, tomando em conta a validade substancial dos actos a registrar. Neste sentido tem uma função próxima da do juiz. Logo uma primeira leitura mostra ser desta Segunda modalidade de legalidade que se trata no art. 68° do C.R. Pre.." É oportuno, trazer à luz o magistério abalizado de AFRANIO DE CARVALHO, para tentar apurar os limites da atuação do registrador no processo qualificador: "Na falta de disposição especial de lei, prevalecem, para regular o alcance do exame, as disposições gerais que vigem para o juiz, a quem o oficial é subordinado, quando tem de pronunciar-se sobre o ato jurídico que apresente vício que o impeça de produzir o efeito correspondente ao seu conteúdo. Essas disposições são as que permitem proclamar de ofício, na esfera administrativa, as nulidades de pleno direito do ato, que não podem ser supridas, mas por outro lado, vedam reconhecer de ofício as anulabilidades, que exigem, na esfera contenciosa, processo regular e sentença (Cód. Civil arts. 146 e 152)". Essa doutrina, que afeta ao oficial apenas o controle da legalidade nos limites da nulidade absoluta é dominante mas, não pacífica, como veremos adiante, porém, cabe neste momento, a análise do vício encontrado no título em pauta. O artigo 25 do Decreto-lei 167/67 assim dispõe: 'Art. 25. A cédula rural pignoratícia e hipotecária conterá os seguintes requisitos, lançados em seu contexto: I-..... II-.... III-.... IV- O valor do crédito deferido, lançado em algarismos e por extenso, com a indicação da finalidade ruralista a que se destina o financiamento concedido e a forma de sua utilização:..."( grifo nosso) Revelam-se, evidentemente, elementos formais na constituição do título que, se preteridos, o aniquila absolutamente, na forma dos artigos 129 e 130 do Código Civil Brasileiro. Não é outra a lição de Lutero de Paiva Pereira, quando do comentário do Decreto-lei 167/67 : "A cogente redação do artigo destacado torna inquestionável que os requisitos que se fazem enumerar em seus múltiplos incisos são essenciais à validade do título". Clovis, ao comentar o artigo 129, claramente definiu os atos sob o aspecto da forma, em solenes, formais ou não formais. Trata-se, o título em exame, de ato formal, pois conforme leciona o mestre: "Os actos formaes estão adstrictos a uma determinada forma, como o casamento, os indicados nos arts. 133 e 134, o testamento, o contrato de seguro ( art. 1.433), etc..." Ora, se faltarem à Cédula alguns de seus requisitos assentados no artigo 25, o título se mostrará descaracterizado e, portanto, aniquilado para os fins que foi criado, pois, o não revestimento da forma destrói o ato como bem ensina J.M. Carvalho Santos : "Sempre que o ato não revestir a forma especial determinada em lei, a conseqüência será a nulidade do ato. Porque nestes casos a forma é necessária à sua existência, fazendo parte integrante da sua substância". Mas, ainda, poder-se-ia indagar: Poderá o ato prevalecer não obstante a nulidade do instrumento? O próprio mestre J.M. Carvalho Santos, nos responde: "Isso só se pode verificar quando o instrumento não era da substância do ato e a declaração da vontade se houver manifestado em forma permitida em lei". Assim, como trata-se, pelo menos no caso da Comarca X, de constituição de penhor, o instrumento particular é admitido, porém, descaracterizado como cédula por faltar-lhe requisito essencial, como instrumento particular também não poderá ser admitido por não preencher os requisitos do art. 135 do Código Civil Brasileiro (testemunhas) e outros requisitos enumerados na lei 492/37, artigo 2°, §§ 1° e 2° Ademais, outro óbice evidente é a data limite para a contratação do alongamento. A não observância desta data contraria a norma vigente demonstrando cristalina ilegalidade. Pelos documentos apresentados, entretanto, não se conseguiu apurar esta data. Pelo exposto até aqui, se vê, que pelos documentos apresentados não foi possível apurar a finalidade ruralista dos créditos originários concedidos, razão pela qual, a cédula de crédito rural encontra-se viciada por faltar-lhe um de seus requisitos essenciais e, ainda, não foi possível a apuração da data limite prevista no artigo 5° da lei 9.138/95, o que também acarreta nulidade do ato. Outros fatores que devem ser considerados é que a lei 9.138/95, em seu artigo 5°, parágrafo 10° permitiu a instrumentalização dos alongamentos de dívidas por meio de cédula rural. Claro, entretanto, que a referida permissão deve ser entendida nos limites das possibilidades jurídicas, ou seja, se não se pode provar a finalidade ruralista dos créditos originários concedidos para atendimento do formalismo expresso no artigo 25 do Decreto-lei 167/67, isso em nada abala a possibilidade do alongamento dos referidos créditos. O que se discute, nesse sentido, é a legalidade da emissão cedular à vista do formalismo existente e não a legalidade do alongamento das dívidas. Se, por exemplo, o alongamento da dívida tivesse sido instrumentalizado por escritura pública, com fundamento na lei 9.138/95, outro não seria o óbice se não a observância da data limite prevista no seu artigo 5°. Ademais, a própria Resolução 2.238/96 do Banco Central, admitiu a utilização de mais de um instrumento contratual quando inviável a formalização dos ajustes de alongamento em um único instrumento contratual. Por fim, voltando aos limites de qualificação registrária no que tange à análise dos títulos sob os aspectos da validade e eficácia, importante invocar os ensinamentos sábios de Filadelfo Azevedo: "Essa linha de separação da competência do registro não condiz com a finalidade do registro, que é imprimir segurança aos direitos reais, pois permite que se aninhem nele germes de futuras demandas, que podiam ser perfeitamente combatidos, a fim de que a situação registral espelhasse sempre fielmente a situação jurídica. Daí preconizar que o exame da legalidade do título chegue até as anulabilidades, desde que estas se originem de um vício visível, ostensivo na face do instrumento..." Assim tem seguidamente decidido o E. Conselho Superior da Magistratura de SP, e de longa data, como se pode verificar de seus precedentes de janeiro de 1970, no julgamento dos Agravos de Petição n°s 184991 e 185276, em acórdãos relatados pelo eminente depois Ministro JOSÉ GERALDO DE RODRIGUES ALCKMIN, nos quais há expressa referência ao dever do oficial em verificar não só a legalidade mas também a validade dos títulos. Concluindo, temos que a falta da juntada dos contratos de empréstimo rural originários inviabilizam a apuração da legalidade e validade da emissão cedular, de um lado por faltar um dos requisitos essenciais à emissão- finalidade especificamente rural- e, por outro, a omissão quanto a data da celebração dos contratos para observância do limite ( 20.06.95). Os dois óbices, se não superados, aniquilam o instrumento e, por conseqüência, inviabilizam o acesso do título à tabula registral".
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
248
Idioma
pt_BR