Notícia n. 2437 - Boletim Eletrônico IRIB / Abril de 2001 / Nº 305 - 24/04/2001
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
305
Date
2001Período
Abril
Description
Breves ponderações acerca da função notarial e da escritura pública Leonardo Brandelli* - Todos os dias, ao longo da extensão de nosso planeta, milhares de relações jurídicas nascem, desenvolvem-se e extinguem-se milhares de negócios jurídicos são celebrados e cumpridos sem que haja, contudo, uma intervenção estatal através do Poder Judiciário. Há em tais casos, sim, interpretação e aplicação do direito, porém longe dos tentáculos do Poder Judiciário, numa seara que convencionou-se chamar de esfera de aplicação voluntária, ou graciosa, do direito. Não poder-se-ia imaginar um estado social patológico perene, a ponto de o direito ter de ser aplicado sempre pelo poder jurisdicional do Estado e, de fato, assim não o é. Todavia, mesmo na esfera de aplicação voluntária do direito, o Estado não se furta de intervir a fim de garantir a certeza e segurança jurídicas e a paz social, e o faz de inúmeras formas. Uma das formas de ingerência estatal nas negociações privadas e, seguramente uma das mais importantes e eficazes, é através da instituição notarial. Nesse diapasão, tem-se que o Notário, ou o Tabelião, é o profissional do direito dotado de fé-pública, a quem é delegado pelo Estado o exercício da atividade notarial (art. 3 da Lei n. 8935/94), que é a função típica do notário e que tem por caracteres principais a imparcialidade e o assessoramento jurídico, ao lado da fé-pública que lhe é conferida. O Notário é assim uma longa manu do Estado na esfera de consecução voluntária do Direito atuando de maneira eficaz na busca da certeza e segurança jurídicas a priori, dotada que é a sua atividade de determinados caracteres especialíssimos que permitem o logro de tal intento. É nesse clima de segurança e certeza jurídicas na consecução graciosa do direito que surge a escritura pública, como instrumento público notarial, autorizado por um Notário no uso de suas atribuições exclusivas. Assim, a escritura pública, como de resto a função notarial, tem mister eminentemente preventivo de litígios, buscando a segurança jurídica a priori, ancorado principalmente no assessoramento jurídico imparcial e dotado de fé-pública, que só o Notário pode dar. O instrumento público notarial contribui eficazmente para a aplicação segura do direito, constituindo-se em documento que de forma eqüitativa traduz fielmente a vontade das partes, configurando uma certeza desde o recebimento da vontade e qualificação dessa, até o conteúdo do documento e conformidade desse com o direito. Toda essa segurança e eficácia jurídicas (que contribuem substancialmente para a paz social), reitere-se, só são possíveis, e o são de forma especial, por força dos caracteres da função notarial, especialmente os da imparcialidade e do assessoramento jurídico, amparados pela fé-pública notarial. Dessa forma, ainda que instaurado o litígio, somente os juízes sabem aquilatar a tranqüilidade de decidir com apoio em uma prova documental pública. Acerca da função da escritura pública, sábias são as palavras do Notário português M. Gonçalves Pereira, ao asseverar que o "ordenamento jurídico tem como uma das suas missões específicas combater a incerteza e a insegurança, dever que cumpre de duas formas: a posteriori, através do processo, resolvendo a incerteza actual e a priori ou preventivamente, evitando a incerteza futura, procurando dar certeza e segurança às situações e às relações concretas intersubjetivas, criando meios e instrumentos aptos a produzir tal certeza e segurança, colocando-os à disposição dos particulares. "A função notarial situa-se no segundo daqueles planos: suposta a certeza do direito objectivo, a função notarial tende a conseguir preventivamente a certeza da sua aplicação às relações e situações jurídicas e aos direitos subjectivos, na sua estática e na dinâmica do tráfico jurídico. "A segurança jurídica na actuação e contratação privadas, nos direitos dos países do sistema de direito notarial latino, obtém-se com a adopção da forma documental autêntica para a celebração dos actos e contratos e com a intervenção de um jurista imparcial - o notário - que, em condições de igualdade para todas as partes, conforma a vontade destas à vontade externa ou declarada no documento, e uma e outra à lei." (Notariado e Burocracia, p. 34-35) Clara fica assim, a importância do instrumento público notarial na vida social e jurídica das pessoas e, até mesmo, na vida do próprio direito. Qualquer que seja o negócio jurídico a ser celebrado pelas partes, pode ser efetuado por escritura pública, se aquelas assim quiserem. Porém, casos há em que a escritura pública é imperativa, sob pena de nulidade. O ordenamento jurídico, de acordo com a relevância, complexidade e efeitos que envolvam o negócio jurídico, impõe para sua realização determinadas solenidades. Nesse entendimento é que o legislador, no art. 134 do Código Civil, arrolou os casos em que a escritura pública é da substância do ato, (como, v.g., a compra e venda e a doação de imóveis, que são os casos mais comumente encontrados) sendo nulo o ato que não observar tal solenidade. Pela complexidade e relevância dos atos lá enumerados, bem andou o legislador ao buscar na escritura pública o meio eficaz a garantir a lisura de tais atos e a sua realização conforme o direito, prevenindo que se criasse aí um solo fértil para o surgimento de litígios bem como garantindo que, uma vez engendrado o litígio, facilitada esteja a sua composição. Note-se que não é em vão a existência das formas solenes, posto consistirem-se em um meio destinado a cumprir determinado fim, qual seja, o de assegurar a correta manifestação da vontade e, mais modernamente, também o de proteger o hipossuficiente. A escritura pública assim, porquanto ato solene engendrado por um profissional do direito imparcial, é instrumento jurídico garantidor da correta manifestação da vontade das partes envolvidas no negócio jurídico, bem como de proteção ao hipossuficiente, funcionando desta forma como importante elemento acautelador de direitos e preventor de conflitos de interesses. Por fim, cumpre citar as palavras de Santiago Raúl Deimundo, que bem ilustram a grandeza e importância da função notarial e, por conseqüência, da escritura pública na atualidade: "Nuestra sociedad actual require mucho más que escribas documentadores. Reclama, sobre todo, juristas consejeros frente a la necesidad de una cada vez más seguridad hipertrofiada, libre de ambigüedades, imprecisiones e incertidumbres" (Pensamiento y Sentimiento sobre el Notariado, p. 97). * Leonardo Brandelli é o 28º Tabelião de São Paulo-SP, mestrando em Direito Civil na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
2437
Idioma
pt_BR