Notícia n. 2357 - Boletim Eletrônico IRIB / Março de 2001 / Nº 298 - 28/03/2001
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
298
Date
2001Período
Março
Description
A assinatura digital é assinatura formal* - Paulo Roberto G. Ferreira - 26º Tabelião de Notas de São Paulo Os negócios eletrônicos feitos pela Internet já somam bilhões de dólares. Em 2000, as vendas online ao consumidor final atingiram 56 bilhões de dólares, um crescimento de 103% em relação ao ano anterior[i]. No Brasil já somos 14 milhões de internautas e 1,4 milhão deles realizaram compras online nos últimos 6 meses. 1,1 milhão de clientes do Banco do Brasil acessam o site do banco para alguma operação[ii]. Na mesma proporção crescem as fraudes. Um garçom de Nova Iorque conseguiu fazer passar-se por 220 pessoas incluídas na lista das 500 pessoas mais ricas publicadas pela revista Forbes. A rede é o mundo sem face, sem digital (a impressão!) a Internet são as pessoas e a sociedade anônima. A tecnologia já tem a solução para esta insegurança virtual e real. Para as assinaturas, criou-se uma tecnologia chamada "criptografia de chave pública", que utiliza um algoritmo com duas chaves matematicamente relacionadas: a primeira cria uma assinatura digital ou transforma texto legível em uma mensagem sem sentido a outra chave serve para verificar a identidade da assinatura e para dar sentido ao texto criado pela primeira, retornando-o para seu conteúdo original. Esta tecnologia é chamada de criptologia assimétrica, pois as duas chaves são fórmulas matemáticas distintas que não podem ser deduzidas uma a partir da outra. Neste sistema de chaves, a primeira é denominada chave privada ou particular. Esta é fornecida à pessoa que pretende utilizar a assinatura digital, não devendo ser revelada para ninguém, ou tampouco, ser deixada com fácil acesso na memória do computador ou em disquete. A segunda é denominada chave pública, e deve ser vista em analogia com um número de telefone: estará disponível para todo mundo que quiser fazer contato com o assinante, seja em um site, seja num diretório acessível a todos, tipo lista telefônica. Com ela, quem receber um documento assinado pela chave privada, poderá decodificar a mensagem contida e verificar a autenticidade da assinatura. O suporte deste processo é a hash function, literalmente, a "função embrulho". Este algoritmo cria um valor único para um resumo da mensagem. Uma vírgula, um espaço, a mínima alteração na mensagem original e o "embrulho" expelirá um texto ininteligível, pois o número cujo resultado advém da função é diferente do original. Por conseqüência, esta técnica utiliza-se de uma pequena quantidade de dados, produzindo uma certeza plena sobre a correlação do conteúdo original da mensagem assinada. A assinatura eletrônica provê segurança às relações e negócios como faz a assinatura de próprio punho, tendo os seguintes atributos: 1 - Autenticação: a assinatura deve indicar com certeza a identidade de quem produziu o documento, mensagem ou arquivo digital 2 - Exclusividade: decorrente de uma combinação de técnicas que impedem terceiros de reproduzi-la, falsificá-la ou utilizá-la sem autorização. 3 - Autenticação do documento: a assinatura identifica o quê se assina, fazendo impossível a falsificação ou alteração do documento, mensagem ou arquivo digital sem a devida autorização. 4 - Ato positivo: a assinatura afirma a manifestação da vontade, tendo o sentido cerimonial da assinatura tradicional com seus reflexos de imposição legal. 5 - Eficiência: o método de criação e verificação da assinatura deve garantir a autenticidade de quem a apôs e do documento com o mínimo custo. Todos estes atributos podem ser encontrados na assinatura digital. Eles nos permitem utilizá-la com os históricos benefícios e segurança da assinatura de próprio punho. A lei e a forma Tenho lido algumas ponderações a respeito da firma digital no sentido de que ela não seria assinatura formal. Dizem que ela não é um ato pessoal do assinante, porque é fornecida por alguém que não se repete e portanto não poderia ser arquivada não estaria ligada a um meio físico e portanto não poderia ser periciada não representaria a marca pessoal de alguém por ser uma série de letras e números de forma ininteligíveis. Finalmente, argumenta-se, a assinatura de punho é instransferível, atributo que as assinaturas digitais não respeitariam. Assinar significa estampar um signo. Os espanhóis dizem "firmar", que não é mais que a-firmar a vontade. Na Idade Antiga e Média, assinava-se apondo um "x", pois o que se queria, o que se quer e sempre quererá, é a certeza da expressão da vontade e da conexão dela com o emissor. Se alguém decide expressar sua vontade e estampá-la através da assinatura digital, este é, sem dúvida, um ato pessoal. O fato de que escolhe um algoritmo para representá-la é tão relevante quanto escolher uma bic ou uma caneta chinesa para assinar de próprio punho. A assinatura digital é tão pessoal quanto este meu artigo. Você não vê nele nenhum sinal pessoal meu, mas você e o editor estão seguros de que fui que o escrevi. A origem, a autoria é certa. A assinatura digital não se repete. A de próprio punho também não. São únicas e ambas podem ser arquivadas e periciadas como marca pessoal representativa da emissão da vontade de alguém. Pode haver fraude com a assinatura digital, alguém pode obrigar outrem a apor sua assinatura em um documento? Claro, assim como, sob ameaça de uma arma, assinamos de próprio punho, contra nossa vontade. Sobre o temor que não estaria ligada a um meio físico, posso tranqüilizar lembrando a tradução da abreviatura "HD": hard disk, em português disco rígido. É matéria. A assinatura digital é transferível. Não necessariamente. Ela pode estar ligada a caracteres biológicos do emissor, exigindo a impressão digital, a íris, a voz, a palma da mão, o ritmo personalíssimo do teclar... Estes caracteres físicos já podem ser agregados às assinaturas digitais, o que me parece ocorrerá no futuro como regra. Mas esta "deficiência" não me parece desconfortável, ao contrário. Sempre foi possível delegar a outros a tarefa de expressar a vontade em nome alheio. O mandato existe a milênios. Ele pode ser verbal, até tácito (art. 1290 do Código Civil). Porque eu não poderia delegar a alguém a tarefa de apor minha assinatura digital? Nem novidade seria: está aí a chancela mecânica, inclusive com autenticação notarial, largamente utilizada. Agora, para concluirmos sobre sua formalidade, ou não, necessário verificar como a lei brasileira trata o assunto. Como sabemos, um dos princípios basilares da Democracia é o de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão por exigência legal (art. 5º, inciso II da Constituição Federal). A lei, então, exige forma para a assinatura? Não.O artigo 129 do Código Civil diz que a validade das declarações de vontade não depende de forma especial, senão quando a lei expressamente exige. Porque ressaltei a palavra expressamente? Porque o texto diria a mesma coisa sem ela. Portanto, a palavra está lá para enfatizar o conteúdo da norma. No artigo 131, finalmente, lemos que as declarações constantes de documentos assinados presumem-se verdadeiras em relação aos signatários. Sendo a forma assim tão livre, como provar os atos quando for necessário? Também quanto à prova, temos a mais ampla liberdade. Todos os meios legais ou moralmente legítimos são hábeis para provar a verdade dos fatos, diz o artigo 332 do Código de Processo Civil. As normas legais são claras. Por isso, fundado nestas duas liberdades, a de forma dos atos e manifestações de vontade e a ampla liberdade de prova, concluo que a assinatura digital e o documento eletrônico são aceitos no ordenamento jurídico brasileiro. Não precisamos, indo além, de lei que os prevejam ou regulem, exceto, talvez para celebrarmos cerimonialmente o advento da novidade tecnológica. Monopólio cartorial Alguém teme que, tendo a assinatura digital a forma necessária, teriam os tabeliães de notas o monopólio da certificação digital por força do artigo 236 da Constituição. Nada mais despropositado. A verificação da autenticidade da assinatura digital pode ser feita por qualquer particular. O comerciante que recebe um cheque não costuma solicitar a carteira de identidade do emitente para verificar se a assinatura é mesmo do cliente? Necessitaria ele, por acaso, chamar o tabelião para certificar a autoria da assinatura? Obviamente não! Esta verificação poderá ser feita por qualquer particular, como, aliás, já vêm sendo feito por grandes empresas privadas. Quanto às atribuições notariais, estas estarão a disposição da sociedade se algum dia estes profissionais aliarem sua técnica e competência às novas tecnologias. Eu sugiro até, àqueles que temem o repúdio do emissor da assinatura digital, que só contratem eletronicamente tomando a cautela de solicitar ao assinante que declare por escritura pública que reconhece aquele signo como expressão de sua vontade, que conhece os efeitos do ato e que se responsabiliza integralmente pelo uso próprio ou de terceiro em sua representação e que, finalmente, se obrigue a revogar o par de chaves assim que a segurança estiver comprometida. Bastaria assinar uma última vez como nos velhos tempos: de próprio punho. * Republicado por incorreções. [i] www.idgnow.uol.com.br/idgnow/ecommerce/2000/11/0022 [ii] Revista Veja, 25/10/2000, p. 136.
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