Notícia n. 2138 - Boletim Eletrônico IRIB / Novembro de 2000 / Nº 247 - 05/11/20
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
247
Date
2000Período
Novembro
Description
Documentos eletrônicos e assinaturas digitais - Em recente evento promovido pelo Colégio Notarial de São Paulo, realizado no dia 19 de setembro último, em parceria com a OAB-SP., o Prof. Dr. Augusto Tavares Rosa Marcacini proferiu ilustrada palestra enfocando aspectos jurídicos e legais da contratação eletrônica. O Professor Marcacini é atuante advogado na capital paulista, mestre e doutor pela Faculdade de Direito de São Paulo, além de professor de direito processual civil da Universidade São Judas Tadeu. Como membro da Comissão de Informática da Faculdade de Direito da USP, destacou-se nas discussões do projeto de lei 1589, em tramitação no Congresso Nacional. O Dr. Marcacini é conhecido dos registradores brasileiros. A Revisa de Direito Imobiliário, editado pelo Irib/Revista dos Tribunais, publicou, na sua penúltima edição (n. 47 - jul./dez. 1999, p. 70), artigo que foi amplamente debatido no evento acima referido. Como estímulo para o debate que se fará nos dias 29, 30 de novembro e 1 de dezembro vindouros, acima noticiado, o Boletim Eletrônico publica a entrevista concedida pelo Prof. Marcacini ao registrador paulistano Sérgio Jacomino. Boletim Eletrônico Irib/AnoregSP - O Sr. sustenta que é possível inscrever o documento eletrônico na teoria geral da prova documental. Sustenta ser perfeitamente possível utilizar, sem qualquer disposição legal sancionadora, documentos eletrônicos como prova de atos e fatos jurídicos. O fundamento legal estaria no artigo 332 do CPC. Em relação aos entes públicos, o Sr. sustenta ser possível a utilização dos documentos eletrônicos e o reconhecimento notarial de firmas digitais - ao menos com regulamentação administrativa. Gostaria que o Sr. pudesse esclarecer melhor suas proposições, especialmente sobre a regulamentação administrativa de funções notariais e de registro em relação aos documentos eletrônicos. Augusto Tavares Rosa Marcacini - Sim, tenho sustentado que, em nosso sistema jurídico, o documento eletrônico tem valor probante, mesmo à luz das leis em vigor. O fundamento principal das minhas proposições, em verdade, reside no fato de que o conceito de documento não está necessariamente preso à noção de algo corpóreo. Não há, na lei, qualquer definição do que seja um documento. Se a doutrina tradicionalmente o vem definindo como uma "coisa", o fez diante da realidade que se apresentava. O documento, no fundo, é um registro, que narra o presente para ser conhecido no futuro. Se a técnica evoluiu ao ponto de permitir um registro não corporificado em algo tangível, também podemos considerá-lo documento. É certo que o documento eletrônico é prontamente alterável sem deixar vestígios no meio físico. Porém, quando comparo o documento eletrônico à prova documental, refiro-me apenas ao documento eletrônico assinado por criptografia assimétrica. Esta é a única técnica existente que permite conferir a autenticidade do documento eletrônico, assegurando que ele não foi alterado depois de aposta a assinatura digital. Ou seja, uma vez assinado por criptografia, o documento eletrônico preenche as mesmas funções do documento em papel, não havendo porque negar sua natureza de documento, neste sentido de "registro". Quando invoco o artigo 332 do CPC, o faço como um argumento final: como nosso sistema jurídico não relaciona taxativamente quais são os meios de prova, ainda que não fosse considerado prova documental, o documento eletrônico seria uma prova outra, inominada. Entretanto, considero importante legislar sobre o assunto, até para divulgar a possibilidade técnica de se assinar digitalmente um documento eletrônico. Afinal, estamos lidando com algo muito novo e complexo. Quantos sabem o que é criptografia assimétrica? Quantos já experimentaram utilizá-la? Uma lei sobre o assunto chamaria a atenção dos operadores do Direito, iniciaria uma cultura sobre a criptografia. Por estas razões, considero muito oportuna a aprovação do PL 1589, apresentado pela OAB-SP. No tocante à regulamentação do uso por entes públicos, vimos recentemente a publicação de Decreto presidencial dando início à implantação da Infraestrutura de Chaves Públicas do Governo Federal. Por outro lado, quando me referi, em meu artigo, às funções notariais, não estou afirmando que todas elas possam ser reguladas em normas administrativas, notadamente as hipóteses em que a forma pública seja da essência do ato. Quando elaborei aquele estudo, pensava inicialmente na regulamentação administrativa de funções mais básicas, de utilidade imediata para a contratação eletrônica remota, como autenticações, reconhecimentos de chaves ou o registro de títulos e documentos eletrônicos. Hoje, estas funções estão previstas no PL 1589, de modo que talvez estejamos mais próximos de uma lei sobre o assunto, do que de uma normatização administrativa. Para outras atividades registrais e notariais, como registros de imóveis, registros civis, escrituras públicas, creio que seria necessária uma legislação própria. BE - O Sr. sustenta, ainda, que a autenticação de documentos escasso valor jurídico agrega, pois a presunção de veracidade e autenticidade não é absoluta. Os documentos autenticados por tabeliães, bem como o registro em títulos e documentos, não desoneraria o interessado da apresentação do original? ATRM - Juridicamente falando, a autenticação da cópia cria uma presunção relativa de sua conformidade, que admite prova em contrário. Em tese, isto inverteria o ônus da prova no processo, cabendo a prova a quem alega a desconformidade. Entretanto, o problema prático é que para apurar qualquer alegação feita contra a cópia autenticada será necessária a exibição do original. Apesar de militar presunção em seu favor, a parte não poderia deixar de exibir o original, pois não tem direito de frustrar a prova da parte contrária. E há casos em que a parte contrária poderia se insurgir contra o próprio original. Veja só: imagine que o adversário tenha alegado que sua assinatura é falsa. O Tabelião que autenticou a cópia - ou o registro de títulos - não fez esta conferência, nem era sua função fazê-la. E a perícia sobre a assinatura haverá de ser feita sobre o original. Ou, então, o sujeito pode ter adulterado o original e tirado uma cópia autenticada dele, ou registrado. Alegada a falsidade, a exibição do original seria a única forma de apurar a questão. Daí a minha afirmação de que, no processo, a autenticação da cópia do documento pouco representa em termos probatórios. Uma decisão recentíssima do STJ veio a corroborar estas minhas afirmações. Um acórdão da Corte Especial, de 1º de agosto de 2000, decidiu que o juiz não pode exigir, de ofício, que as cópias apresentadas pela parte sejam autenticadas, cabendo à parte contrária impugná-las, sob pena de serem presumidas verdadeiras. BE - Por falar nisso, em recente entrevista, o min. Ruy Rosado de Aguiar, do STJ, alertou para o fato de que os contratos celebrados pela internet (do qual a parte guarda uma cópia impressa), possuem valor jurídico igual ao de uma prova oral, já que não é possível atestar a autenticidade do documento. Gostaria que o Sr. comentasse. ATRM - Sem assinatura digital, gerada por criptografia assimétrica, o documento eletrônico sequer tem o valor de uma prova oral. Compararia o documento eletrônico sem assinatura digital a um papel impresso, apócrifo e escrito com tinta delével. Ou seja, pode ter sido elaborado ou modificado por qualquer um. Pode ter sido autoproduzido em favor próprio, o que não se admite como prova. De fato, o nascente comércio eletrônico não tem utilizado assinatura digital o que retira qualquer valor probante dos documentos eletrônicos que descrevem as condições do negócio. Entretanto, salientaria que o consumidor goza de proteção legal, inclusive com inversão do ônus da prova em seu favor, se suas afirmações forem verossímeis. Pode o juiz, então, determinar ao fornecedor que faça a prova contrária, caso em que o risco da insegurança recairia sobre este último. BE - Há nítida tendência contemporânea de descongestionar o sistema judicial com a adoção de mecanismos institucionais preventivos de conflitos. O Sr. concordaria que admitir que o sistema judiciário brasileiro devesse absorver todas as questões relacionadas com a validade de documentos eletrônicos poderia aprofundar ainda mais os problemas que o Poder Judiciário vem enfrentado para solucionar a avalanche de conflitos e litígios que o assola, verdadeira "explosão litigiosa"? Bem, a Constituição afirma que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Então, não se trata de concordar ou não com a possibilidade de um litígio terminar em juízo. Esta possibilidade existe, é inatacável e, principalmente, é expressão de um Estado Democrático de Direito. Nem penso que o problema principal da avalanche de processos seja causado pela lei, ou que será agravado diante do comércio eletrônico. O problema deste acúmulo é outro, e disso tratei em minha recente tese de doutoramento. O Estado brasileiro é o maior litigante, abarrota o Judiciário e é o primeiro a dar mal exemplo ao cidadão. Veja, agora, esta tentativa, claramente inconstitucional, de parcelamento dos precatórios oriundos de decisões judiciais transitadas em julgado. Ao lado disso, temos um excesso de litígios na sociedade, causados por instabilidades sociais e econômicas várias, como inflação astronômica, sucessivos planos econômicos frustrados e violadores de direitos, crise de habitação, de emprego, recessão, juros altos, isto tudo junto é potencialmente explosivo. Por fim, não temos na sociedade uma cultura arraigada de prevenção ou solução alternativa de conflitos. Adicione a isso a falta de infra-estrutura do Poder Judiciário. Diante deste quadro, o Judiciário só poderia mesmo estar abarrotado de processos, não havendo como resolvê-los rapidamente. Ou são alteradas estas condições, ou vamos morrer vendo a lei ser alterada, sem a correspondente melhoria na celeridade processual. BE - O Sr. não vislumbra a necessidade social de prover mecanismos de segurança jurídica preventiva aos atos e negócios jurídicos, antecipando o surgimento de conflitos com o deslocamento do ônus da prova a quem alega a não autenticidade do instrumento notarial ou ato autenticado? A tendência de "jurisdicionalização" de todas relações jurídicas não agrava o custo social relacionado com a manutenção da ordem jurídica? ATRM - Sem dúvida alguma, mecanismos de prevenção ou de solução alternativa de conflitos são profundamente desejáveis. Entretanto, este é um problema muito mais cultural do que legal. Por outro lado, vejo um lado positivo na explosão de processos: isto mostra que o cidadão médio descobriu a Justiça. E mesmo assim ainda há muita gente neste país que vive à margem do direito a um processo judicial. No tocante à presunção de autenticidade dos atos notariais, isto sempre inverte o ônus da prova no processo, exceto no caso de reconhecimento de firma por semelhança, que nenhuma presunção produz quanto à autenticidade da assinatura. Somente o reconhecimento da firma lançada na presença do Tabelião produz esta presunção. Numa situação intermediária estão as cópias autenticadas, pois, como disse anteriormente, apesar da presunção de autenticidade, não será possível eximir por completo o interessado de exibir o original em juízo. BE - Como o Sr. avalia a sorte dos mecanismos preventivos de conflito - como atividades notariais, de registro e a recente arbitragem - no atual cenário do direito brasileiro? ATRM - Um dos pontos sensíveis que aponto no nosso processo judicial é o fato de que ele tem premiado o litigante de má-fé. Enquanto pessoas maliciosas tiverem a noção de que deixando de pagar uma dívida, pagarão mais barato em juízo, não há estímulo suficiente para convencer o litigante a realizar uma conciliação, mediação ou arbitragem. Quanto às atividades notariais, creio que um de seus problemas é o seu desconhecimento pelo cidadão médio, para não dizer pela grande maioria da população. Poucos leigos sabem distinguir o registro de imóveis do registro de títulos e documentos, por exemplo. Na experiência que tenho com a assistência judiciária, tive a oportunidade de, mais de uma vez, atender pessoas que "compraram" um imóvel por instrumento particular "registrado" nos Títulos e Documentos. A nós, bacharéis, isto pode parecer estúpido, mas o comprador, pobre e iletrado, acreditou que o negócio era bom, já que recebeu um documento todo carimbado, dando conta de que foi registrado, microfilmado, etc... Para mim, o vendedor faz isso de má-fé, abusando do desconhecimento que paira sobre os registros e sobre o Direito em geral. BE - O projeto de lei (PL 1589) prevê a participação do notário na certificação da chave pública, conferindo a nota de presunção de autenticidade. Qual a eficácia dessa autenticação? A presunção de exatidão e autenticidade é relativa? Como pode ser atacada judicialmente? A quem incumbe o ônus da prova? ATRM - Segundo o projeto, será agregada às funções do Tabelião a certificação das chaves públicas. Este é um ato que exige formalidades solenes, com comparecimento pessoal do interessado. Daí o projeto compará-lo com o reconhecimento de assinatura lançada na presença do Tabelião. Temos então uma presunção relativa de autenticidade da chave pública assim certificada, o que tem o condão de inverter o ônus da prova: caso, no processo, seja negada a autenticidade da chave, a prova incumbe a quem apresenta esta impugnação. A presunção, evidentemente, é relativa. Presunções absolutas são raras no sistema algumas delas são, no fundo, uma forma indireta de dar a um fato a conseqüência jurídica de outro fato, o que, a meus olhos, soa como uma extravagância do legislador, um certo arcaísmo técnico. O Código Civil diz que após vinte anos de posse, a boa-fé é presumida... Não seria mais fácil dizer que não é necessária a boa-fé, basta o fato objetivo de vinte anos de posse? O CPC diz que transitada em julgado a sentença, presumem-se deduzidos e repelidos todos os argumentos que as partes poderiam ter alegado, mas não alegaram. Não seria mais fácil dizer que a sentença é imutável, ainda que a parte apresente fundamento não deduzido no processo? Não sei lhe dizer quantas são as presunções absolutas que nosso Direito prevê, mas arriscaria dizer que muitas não resistiriam a crítica semelhante. Por outro lado, numa sociedade democrática, que prestigie um processo contraditório e participativo, a palavra de alguém, seja de quem for, não pode ser bastante para produzir uma presunção absoluta. A presunção que decorre da atividade notarial e registral, por isso, é sempre relativa, o que não é pouco, pois acarreta a inversão do ônus da prova em juízo. Entretanto, a atividade notarial não se presta apenas a inverter o ônus da prova. Esta é uma conseqüência que se apresenta no processo. Mas antes do processo existem sujeitos realizando um ato jurídico qualquer, que querem confiar naquilo que celebram. Quem, por exemplo, examina uma certidão imobiliária, quer acreditar que o vendedor é mesmo o dono da coisa. A partir do momento em que se sabe que aquele registro foi feito diante de uma escritura solene, e que na celebração desta foram conferidas as identidades dos signatários, etc., transmite-se confiança. Uma confiança que decorre de um procedimento e da expectativa de que tudo foi conferido, que o original das escrituras constantes do registro estão sob a guarda de um notário e, portanto, se houver um litígio, não só teremos a presunção de autenticidade em nosso favor, mas toda uma seqüência de registros e documentos que farão prova cabal, confirmando a declaração pública. É por isso que o projeto prevê a forma com que o Tabelião há de certificar chaves públicas. A declaração que o Tabelião lançar eletronicamente, ao certificar a chave, poderá ser posteriormente corroborada com registros que ficarão em seu poder, caso se faça necessário, caso haja litígio posterior. Sabedores disso, os agentes poderão confiar naquela certificação, objetivo primeiro que se busca atingir com esta atividade. BE - Há uma indisfarçável tendência de se utilizar o sistema de validação de documentos eletrônicos e reconhecimento de firmas digitais inspirados no modelo norte-americano. Além da colonização cultural, há reconhecidos interesses do capital em modelar as relações jurídicas à imagem e semelhança da matriz. Desconsideram-se as profundas diferenças que marcam os sistemas de direito anglo-saxão em relação à família romano-germânica. Como o Sr. avalia o resgate da importância dos notários no contexto do direito alemão, espanhol, italiano e demais países da Europa na recente regulamentação de leis que consagram o princípio da fé pública robustecida em comparação dos esquemas privados de autenticação e validação? ATRM - Não sou especialista em Direito Notarial, para falar com desenvoltura sobre esta sua última colocação. Mas, de um modo geral, tenho muitas desconfianças quando se pretende transpor institutos jurídicos anglo-saxões para o nosso sistema. O mínimo que se pode dizer é que são sistemas muito diferentes, de culturas jurídicas muito diferentes, de modo que as chances desta transposição não dar certo estão sempre presentes. A técnica legislativa também é distinta. Talvez por não conhecer mais a fundo a common law, confesso que as leis processuais norte-americanas que já li me assustaram bastante. São leis extremamente prolixas e detalhistas. A lei sobre assinaturas digitais do Estado de Utah, por outro lado, traz mais de trinta definições, e chega a dizer o que é "pessoa", o que é "bit". Esta é, de certo modo, as críticas que tenho à aprovação do projeto de lei que tramita no Senado Federal, fruto de uma mera tradução do modelo proposto pela UNCITRAL. Não que o modelo em si seja ruim. Apenas penso que seria melhor retirar dali os princípios básicos e colocá-los numa lei com redação familiar, adequando-se a novidade tecnológica com o nosso sistema jurídico. Isto incrementaria em muito a aceitação e compreensão da nova lei. Algumas disposições do modelo são até desnecessárias no nosso sistema. Fala-se ali em não negar validade ao ato pelo simples fato de ter sido realizado em meio eletrônico. Ora, nosso Código Civil de 1917 já diz que a validade das declarações de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir. Não precisamos repetir isso outra vez, ainda mais com redação esquisita. O projeto 1589, por outro lado, tem sido muito criticado por atribuir funções de certificação aos registros públicos. Ora, o que o projeto fez foi simplesmente adaptar para o documento eletrônico o regime jurídico em vigor sobre os documentos. Partindo do princípio que documento eletrônico é documento, o projeto apenas trata de questões formais que são peculiares ao formato eletrônico. Se no nosso sistema jurídico existe um Tabelião que autentica cópias e reconhece firmas, ou um Cartório de Títulos e Documentos que os registra e lhes dá publicidade, por que não permitir que exerçam estas funções sobre documentos eletrônicos? Se não admitíssemos esta possibilidade, o documento eletrônico não estaria igualado ao documento em papel. Veja, por exemplo, quantos contratos de adesão são registrados no Registro de Títulos e Documentos, em papel. Por que não substituir por arquivos eletrônicos e eliminar o papel? Ademais, normas semelhantes sobre certificação de chaves públicas são encontradas nas legislações sobre documento eletrônico dos países em que existe o Tabelião, notadamente na Itália e em Portugal, países com sistema jurídico mais próximo do nosso. O que não está escrito no projeto - e nisto se equivocam os críticos - é que estas atividades notariais sejam obrigatórias. O projeto 1589, por si, não cria nenhuma obrigatoriedade no uso dos registros públicos. BE - Como o Sr. avalia o imbricamento de disposições legais que exigem expressamente o reconhecimento notarial de firmas, sancionam formalidade essencial (escritura pública), apresentação de documentos autenticados por autoridades notariais ou judiciais com a lei que pode decorrer do PL 1589 admitindo a validade de documentos eletrônicos? ATRM - A proposta contida no PL 1589 consiste basicamente em estabelecer proposições o mais neutras possível. Quero dizer, à parte introduzir a novidade tecnológica, o projeto respeita o que já existe no nosso sistema jurídico. No que toca ao documento eletrônico, o projeto contém disposições que simplesmente o ajustam ao nosso sistema da prova documental. Como a preocupação inicial do projeto foi a de estabelecer um regramento para a contratação eletrônica, tem-se em vista, principalmente, o documento particular. Por isso, as atividades notariais previstas ali são apenas as de reconhecimento de chaves, autenticação de cópias e registro de títulos e documentos. Certamente, onde há papel há a possibilidade de sua substituição gradativa pelo meio eletrônico, de modo que no futuro poderemos ter registros imobiliários ou escrituras públicas neste novo formato. A tecnologia está disponível para tanto o que falta é o suporte jurídico-legal para a realização de atos eletrônicos solenes e, principalmente, o desenvolvimento de uma cultura apropriada para o uso destes sistemas criptográficos. Como me pronunciei ao final de minha resposta anterior, o PL 1589 não cria nenhuma obrigatoriedade quanto ao uso de certificações eletrônicas emitidas pelo notário. Mas, como acabei de afirmar, a proposta que fizemos foi no sentido de criar um projeto de lei que se mostrasse neutro diante do sistema jurídico existente. Não quisemos reinventar o contrato, o comércio, o documento, os serviços notariais. Tudo isso já existe e tem seus contornos jurídicos noutros diplomas legais. A proposta do projeto de lei apresentado pela OAB-SP busca apenas estabelecer um regramento específico sobre a forma eletrônica. Assim, se um documento em papel simplesmente assinado, sem firma reconhecida ou outra formalidade, faz prova para a maioria das relações jurídicas, este também deve ser o perfil jurídico do documento eletrônico. Por isso, o projeto não estabelece nenhuma obrigatoriedade no sentido de que a chave pública deva ser certificada para que o documento eletrônico tenha validade. Entretanto, se para praticar um ato jurídico específico a lei que o regula pede alguma forma mais solene, um reconhecimento de firma, ou o registro do documento, ou a escritura pública, isto também deverá ser aplicado aos documentos eletrônicos. Por outro lado, sendo livre a forma do ato, a certificação de chaves públicas não é obrigatória, mas é evidente que as partes podem preferir que as chaves sejam certificadas, antes de confiar nelas, principalmente diante da possibilidade de contratação remota, entre sujeitos que nunca se viram. Nestes casos, creio que a certificação vai se mostrar necessária, não porque a lei o exija, mas porque as partes se sentirão mais seguras com ela, na medida em que o ente certificante lhes inspire confiança. BE - Como o Sr. Avalia sua participação em eventos promovidos por notários e registradores? ATRM - Primeiramente, gostaria de agradecer pelo convite que me fizeram, para participar do E-Dia, e também pelo interesse em realizar esta entrevista, fatos que muito me honram. As mudanças que a Informática e a Internet trouxeram são inevitáveis e é importante discutir isso o mais possível, divulgando as muitas questões técnicas ou jurídicas que o tema apresenta. Eu tenho me preocupado muito em difundir o uso da criptografia, porque entendo que o conhecimento desta técnica se mostra uma exigência inevitável para o cidadão do século XXI. A criptografia é a base técnica indispensável para a segurança das comunicações e dos negócios realizados eletronicamente. O uso seguro da Internet, seja como meio de comunicação, seja como meio de contratação, exige o domínio do uso da criptografia. Leis de vários países já tratam de assinaturas digitas geradas por criptografia assimétrica, e trazem conceitos ainda desconhecidos pela maioria da população e da comunidade jurídica, tais como os conceitos de chave pública, chave privada, função digestora, criptografia assimétrica, certificados. Apesar de se tratar de uma tecnologia sofisticada, a criptografia está muito acessível ao cidadão comum e a custo ínfimo. Muito desta técnica caiu no domínio público e não faltam softwares livres confiáveis que realizam funções criptográficas. Em qualquer computador 486, comprado por 300 reais, rodando com Linux, podem ser instalados softwares livres como o OpenSSL, ou o GnuPG, permitindo a geração de chaves, certificados e assinaturas digitais de diferentes formatos. A maior dificuldade a vencer, portanto, é a dificuldade cultural. Não é difícil operar um software de criptografia e assinar documentos eletrônicos, já que alguns estão em modo gráfico e trazem menos funções em menus ou botões do que um editor de textos. O problema é saber usar de modo seguro, o que é diferente de apenas saber gerar uma assinatura com alguns cliques do mouse. Para utilizar a criptografia de modo seguro, o usuário tem que se acostumar com práticas de segurança tendentes à proteção de sua chave privada, práticas estas que podem conflitar com o uso cotidiano que faz do seu computador, ou que podem lhe parecer exageradas ou paranóicas, mas que são estritamente necessárias. A possibilidade de vazamento da chave privada por falha humana é o principal ponto fraco da criptografia, já que, do ângulo estritamente matemático, não hesitaria em dizer que a segurança chega a ser superior a do papel. E se a chave privada cair em mãos alheias, este terceiro poderá gerar assinaturas digitais idênticas à do verdadeiro titular. Acredito, portanto, que o caminho a seguir passa por difundir amplamente estas novidades, suas vantagens e seus perigos, e por esta razão está de parabéns o Colégio Notarial, pela iniciativa em realizar o E-Dia. ® Consulte tópicos relacionados · Diálogos com o Prof. Pedro Rezende. Entrevista com o Prof. Dr. Pedro Antônio Dourado Rezende, da Universidade de Brasília, sobre segurança e criptografia. · Documentos eletrônicos e firmas digitais - empresas privadas substituem cartórios em autenticações. Notícia publicada no BE #156, 5/1/2000. · Receita Federal institui certificados eletrônicos e delega competência a autoridades certificadoras. Artigo do Dr. Eduardo Piza publicado no Boletim do Irib n. 278 · A receita federal e seus cartórios cibernéticos - Artigo de Dr. Eduardo Piza. A instituição de Certificados Eletrônicos da Secretaria da Receita Federal pela Instrução Normativa SRF no. 156 de 22.12.1999 · Srf. institui certificação eletrônica com validade jurídica e substitui cartórios por empresas privadas. Mauro Silva e Eduardo Piza G. de Mello. Artigo publicado originalmente no Boletim do IRIB n. 275, p. 5 · Documento eletrônico e o novo desafio - Resenha sobre o V Congresso Informática Jurídica: Da Teoria à Prática, no Othon Hotel. Organizado pela Jurídica 97 - III Feira de Produtos e Serviços Jurídicos e de Informática Jurídica, com palestras do notário Ângelo Volpi e o registrador Sérgio Jacomino. · Documentos eletrônicos e firmas digitais Governo Federal cria a ICP-gov. Sérgio Jacomino. Artigo comentando o advento do Dec. Federal 3.587, de 5 de setembro de 2000, que estabelece normas para a infra-estrutura de chaves públicas do Poder Executivo Federal. (BE #233, 6/9/2000) · Decreto n. 3.587, de 5 de setembro de 2000 - Estabelece normas para a Infra-Estrutura de Chaves Públicas do Poder Executivo Federal - ICP-Gov, e dá outras providências · A Atividade Notarial, o Documento Eletrônico, a Firma Digital e a Contratação Eletrônica - Paulo Roberto Gaiger Ferreira - Tabelião do 26º Ofício de Notas de São Paulo-SP (BE #230, 30/8/2000). · O mercosul e a documentação eletrônica. Elcio Trujillo, juiz de direito e professor universitário · Documentos eletrônicos - o debate está aberto. Sérgio Jacomino. Artigo com o Dr. Marcos da Costa sobre o Projeto de lei 1589/99. Confira o texto integral do referido projeto. Publicado no BE de 25/9/99. · The Cybernotary. Public Key Registration and Certification and Autentication of International Legal Transactions, por Theodore Sedgwick Barassi, CertCo. · The Essencial Role of Trusted Third Parties in Electronic Commerce por Michael FROOMKIN, Miami Law School. · Banca, Comercio, Moneda Electrónica y la Firma Digital por Mauricio Devoto e Horacio M. Lynch, CENIT. · Projecto de Lei sobre Documento Electrônico da República do Chile. Dissertação do Dr. Gabriel del Fávero do Colegio de Escribanos da Capital Federal, outubro de 1996. · Consideraciones relativas al Comercio Electrónico y la Firma Digital por Mauricio Devoto, CENIT. · RSA Frequenctly Asked Questions (FAQ) · Cybernotary por Mario Miccoli. · Reflexiones sobre la Seguridad en la Contratación por Medios Electrónicos por Mauricio Devoto y Horacio M. Lynch. · Commercio Telematico: Una nuova realta´nel campo del Diritto, por Mario Miccoli. · Notarial Procedures for Digital IDSM Requests. The Role of Notaries in Enhancing the Security of Digital Signatures.Verisign. · Security and Freedom through Encryption (SAFE) Act of 1997 · Law Professors - Letter Opposing Mandatory Key Escrow · La Era de la Información. Modelos y Premisas por Mauricio Devoto, CENIT. · International Developments Affecting Digital Signatures´ por Stewart A. Baker, Steptoe & Johnson IIP. · La admisión como prueba en juicios de carácter penal de documentos electrónicos firmados digitalmente. Informe Final´. Proyecto AEQUITAS por Fernando Galindo, Filosofía del Derecho, Universidad de Zaragoza.
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
2138
Idioma
pt_BR