Notícia n. 2110 - Boletim Eletrônico IRIB / Outubro de 2000 / Nº 245 - 31/10/20
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
245
Date
2000Período
Outubro
Description
O INSTRUMENTO PARTICULAR NO FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO Carlos Eduardo Duarte Fleury Consultor Jurídico da ABECIP - Desde 1964, com a edição da Lei nº 4.380, de 21 de agosto daquele ano, que instituiu o Sistema Financeiro da Habitação, admite-se a contratação de financiamento, concomitante com a compra e venda de imóvel, através de instrumento particular, não se lhe aplicando as disposições do art. 134, II, do Código civil Brasileiro. A possibilidade de contratação por instrumento particular está contida no art. 61, § 5º da referida Lei nº 4.380/64, que assim reza: "Art. 61. ... § 5º Os contratos de que forem parte o Banco Nacional da Habitação ou entidades que integrem o Sistema Financeiro da Habitação, bem como as operações efetuadas por determinação da presente lei, poderão ser celebrados por instrumento particular, os quais poderão ser impressos, não se aplicando aos mesmos as disposições do art. 134, II, do Código Civil, atribuindo-se o caráter de escritura pública, para todos os fins de direito, aso contratos particulares firmados pelas entidades acima citadas até a a data da publicação desta lei." Diante deste dispositivo, os financiamentos firmados no Sistema Financeiro da Habitação vêm sendo formalizados ou por escritura pública, a critério das partes contratantes, ou por instrumento particular, tendo este instrumento livre acesso ao registro imobiliário, sem qualquer contestação quanto à sua forma. Em 1997, outro sistema imobiliário foi implantado no Brasil. Trata-se do Sistema de Financiamento Imobiliário, editado pelas Lei nº 9.514, em 20 de novembro daquele ano. A Lei nº 9.514/97, a par das grandes inovações introduzidas em nosso ordenamento jurídico, como a alienação fiduciária de imóveis e a securitização de créditos imobiliários, trouxe grande incentivo para o aumento da realização dos negócios imobiliários, imprimindo maior segurança jurídica nesse negócios. Neste sentido, a Lei foi disposta em três capítulos, um tratando do Sistema de Financiamento Imobiliário, conhecido como SFI, outro dispondo sobre a alienação fiduciária de imóveis, com estrutura bastante assemelhada à alienação de bens móveis, preconizada pela Lei nº 4.728, de 14 de junho de 1965, alterada pelo Decreto-lei nº 911, de 1º de outubro de 1969, e o último capítulo tratando das disposições gerais. O art. 17 da Lei do SFI admite, como garantia dos financiamentos celebrados nesse Sistema, além da clássica garantia real, consubstanciada na hipoteca, outras, também classificados como direito real de garantia, como a caução de direitos creditórios decorrentes de contratos de venda e compra ou promessa de venda de imóveis, a cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imóveis e a alienação fiduciária de imóveis, novidade introduzida pela Lei. Além disto, admitiu o legislador que nas operações que envolvam locação, estas poderão ser garantidas suplementarmente por anticrese. Basicamente, sendo o SFI um sistema de mercado, que tem por condição essencial a reposição integral do valor emprestado, é claro que as operações devem revestir-se de garantias firmes. Daí porque a lei estabelecer que as garantias dos financiamentos no SFI só podem ser de direito real sobre os respectivos objetos. Nas disposições gerais e finais da Lei do SFI (Capítulo III), precisamente no art. 38, é tratada a formalização das operações no âmbito daquele Sistema. Assim reza o art. 38: "Art. 38. Os contratos resultantes da aplicação desta Lei, quando celebrados com pessoa física, beneficiária final da operação, poderão ser formalizados por instrumento particular não se lhe aplicando a norma do art. 134, II, do Código Civil." Aqui reside um pequena diferença com as disposições da lei do SFH: enquanto na Lei nº 4.380 foi atribuído ao instrumento particular o caráter de escritura pública, a Lei do SFI admite a formalização das operações, no âmbito desse Sistema, por instrumento particular. A única restrição para a utilização do instrumento particular no SFI é em relação ao beneficiário do financiamento, que tem que ser pessoa física. Esta peculiaridade não se vê no SFH. Do exposto, resulta claro que para utilização de instrumento particular no SFI, a operação tem quer ser firmada no âmbito deste Sistema, não importando qual a garantia da operação, desde que real. Pode ser hipoteca, alienação fiduciária ou qualquer outra garantia que constitua direito real sobre o objeto do financiamento. Melhim Namem Chalhub em sua obra "Negócio Fiduciário" chama atenção para o fato de que o referido art. 38 é restritivo somente quanto ao sujeito do contrato, mas é abrangente quanto às modalidades dos contratos que podem ser celebrados por instrumento particular, acentuado: "De outra parte, o enunciado contratos resultantes da aplicação desta lei deixa claro que a opção do legislador foi a generalização, significando que qualquer contrato que resulte de um financiamento concedido de acordo com a Lei 9.514/97 pode ser celebrado por instrumento particular." (ed. Renovar, 2ª edição, pág.213). É preciso ter bem presente que a lei não fala de contratos relacionados nesta lei, mas, sim, de contratos resultantes desta lei, dando um caráter ampliativo e não restritivo. E isto porque, as operações de financiamento requerem necessariamente a utilização de várias modalidades de contratos e, como observa Melhim Namem Chalhub, "todas dependentes umas das outras trata-se de contratos coligados, já que se não houver financiamento não haverá a compra e venda e se não houver esta não haverá a alienação fiduciária [ou a hipoteca], pois todas essas operações têm como objeto a compra e venda com financiamento e alienação fiduciária [ou hipoteca]" (ob. e p. cit.). De fato, a Lei nº 9.514/97 autorizou o instrumento particular para todas os contratos decorrentes da aplicação dessa lei, não importando qual a garantia que a operação encerra. Assim, admite a lei, inclusive, a formalização por instrumento particular de uma operação de compra e venda, desde que o financiamento seja complementar ao pagamento do preço de compra e se realize concomitante com o ato da compra. Assim, com a devida vênia, permitimo-nos divergir da posição assumida pelo eminente jurista Dr. José de Mello Junqueira que em artigo publicado no Jornal do Notário nº 42, de maio passado, afirmou que "o disposto no artigo 38 não pode se estender às hipóteses de financiamento em que a garantia é a hipoteca". Ora, a Lei do SFI ao permitir a utilização do instrumento particular "nos contratos resultantes da aplicação desta Lei", não está restringindo a utilização somente para o caso de a garantia ser vinculada a um contrato de alienação fiduciária, pois o que resulta da aplicação da lei é a própria operação de financiamento e não o objeto da garantia dessa operação. Ao contrário do que se afirma, a Lei nº 9.514/97 é voltada para operações de financiamento imobiliário para a classe média, sem subsídios, sem a interferência do Estado, ditadas pelas regras de mercado e, consequentemente, admitindo um rol maior de garantias, para assegurar o retorno das operações, pois o crédito constituído poderá ser objeto de securitização, a partir de sua cessão para uma companhia securitizadora. Portanto a compra e venda e a hipoteca, desde que realizadas de acordo com as condições da Lei nº 9.514/97, são contratos resultantes da aplicação deste diploma legal e consequentemente, se tiverem como beneficiário final pessoa física, poderão, sem qualquer restrição, ser formalizados por instrumento particular.
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
2110
Idioma
pt_BR