Notícia n. 208 - Boletim Eletrônico IRIB / Fevereiro de 1999 / Nº 33 - 19/02/1999
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
33
Date
1999Período
Fevereiro
Description
A TRISTE SINA DO REGISTRO CIVIL - O Correio Brasiliense de hoje traz matéria sobre a gratuitade no registro civil. Vale a pena reproduzir o texto que procura abordar os vários aspectos relcionados com a problemática da gratuitade, enfocando o outro lado da moeda, ou seja, o custo operacional dos serviços que são públicos, mas exercidos privativamente. Relata o jornalista Marcelo Abreu: "vizinha dela, a também desempregada Suene Campos Alves, de 20 anos, lutou. Não quis que suas três filhas - de 4 anos, 2 anos e uma de 11 meses - não existissem. Um dia, ela ouviu falar de uma lei que determinava que os cartórios não cobrassem mais registros. Vibrou. Pediu dinheiro emprestado para uma vizinha e pegou um ônibus. Desceu no cartório de Taguatinga. Lá, a surpresa: ''Aqui cobramos, sim. A lei existe, mas temos uma liminar que nos dá direito à cobrança'', disse o homem que a atendeu. Ela não entendeu nada. Liminar? Nunca ouviu falar em tal palavra. Mas o homem, gentilmente, a aconselhou: ''A senhora pode registrar suas filhas se conseguir provar que é pobre''. Ela não acreditou no que acabara de ouvir. ''Pobre? O que mais preciso provar?'' Suene teve que pedir, junto ao Centro de Desenvolvimento Social (CDS) de Recanto das Emas, uma declaração de que era realmente pobre. Dias depois, voltou ao cartório e, finalmente, conseguiu registrar as três filhas. ''Não ia deixar as bichinhas sem existir pra lei de jeito nenhum. Agora, posso chamar elas de Natália, Adriele e Clarissa. Elas são gente'', comemora a mãe." Continua a reportagem garantindo que "como Wesley Maikol, existem muitas crianças que nascem, mas não ''existem''. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cada ano nascem 3 milhões de crianças no Brasil. Pelo menos perto de um milhão ficam sem registro. No Distrito Federal nascem, em média, 46 mil crianças por ano. Desse total estima-se que pelo menos 30 mil não tenham certidão de nascimento. Em 10 de dezembro de 1997, o Congresso Nacional aprovou e o presidente da República sancionou a Lei 9.534 que autoriza a gratuidade das certidões de nascimento. Em 10 de março de 1998. Em tese, ricos e pobres poderiam registrar seus filhos, sem qualquer ônus. Nem mesmo o constrangimento, para os pobres, de ter que provar o atestado de miséria. No próximo dia 10, a lei completará um ano de existência. Em Brasília, durou apenas quatro meses. Em julho, os donos de cartórios se reuniram e entraram com mandado de segurança junto ao Tribunal de Justiça. Conseguiram liminar - que ainda não foi julgado o mérito - , e desde então, passaram a cobrar novamente pelas certidões de nascimento. Os valores variam de R$ 9,20 a 11,05. Impraticável para a desempregada baiana Darli Lima de Amaral, a mãe de Wesley Maikol, moradora da invasão do Recanto das Emas. Inaceitável para o sociólogo peruano Manuel Manrique, de 52 anos, morador do Lago Norte. Ele é funcionário do Fundo das Nações Unidas para Infância e Adolescência (Unicef) e um dos maiores defensores da lei. Lutou, junto com várias entidades, para sua aprovação. Há um mês, com o nascimento da filha Maria, Manuel foi a um cartório tentar registrá-la. Não conseguiu. Pelo menos não amparado pela lei. ''Perguntei ao funcionário que me atendeu sobre o cumprimento da lei. Ele nem sabia sobre a lei. Foi impossível até conversar'', conta o sociólogo. Prevendo que a conversa não daria resultados, Manuel pagou R$ 9,36 pela certidão da filha. Voltou para casa e se perguntou: ''E se não tivesse R$ 9,36, teria que passar pelo constrangimento de provar que sou miserável?''. Para o sociólogo, para que a lei seja aplicada, é preciso discuti-la melhor. E observa: ''Não há, no Brasil, nenhuma estrutura pública que garanta o registro. Todos os cartórios estão nas mãos de particulares, que por sua vez alegam não terem condições de arcar com os custos. Deve haver um meio de o Estado ajudar nisso.'' O repórter do Correio Braziliense tentou, por telefone, informações sobre como registrar ''a filha recém-nascida''. Passou-se por carente. No Cartório do 2º Ofício de Notas de Planaltina, uma moça de nome Renata informou: ''Parece que essa lei (a que autoriza a gratuidade para os registros de nascimento) só durou um mês'', respondeu a moça. Mas ela foi eficiente: ''Basta o senhor pegar uma declaração de pobreza do CDS''. No Cartório do 3º Ofício de Taguatinga, a funcionária Lucélia garantiu: ''Essa lei só durou uns dois meses. Estamos cobrando porque temos liminar. Mas se o senhor for mesmo pobre a gente não cobra nada.'' O escrevente que se identificou como Raimundo, do Cartório do 2º Ofício de Brazlândia, também não sabia muito sobre a validade da lei. Mas soube defender seu emprego: ''O governo concedeu vantagem sobre um serviço particular. O dinheiro não é dele''. Sobre o registro, ele foi generoso: ''Se você vier aqui e eu sentir que não tem condição, podemos fazer o registro sem cobrar.'' No Cartório do 3º Ofício de Registro Civil de Ceilândia, o contato foi pessoalmente. A tabeliã-substituta Suelene de Fátima Lima, de 33 anos - bem informada sobre a lei -, não é contra a gratuidade, mas acha que o governo tem que assumir os custos. ''É papel, funcionário, manutenção de computadores, quem vai arcar com isso?''. Suelene informa ainda que no cartório onde trabalha, pelo menos 50% dos serviços são os registros de nascimentos. ''Diariamente, fazemos 70 certidões. Nos quatro meses em que a lei vigorou, nossa folha de pagamento caiu de R$ 22 mil para 10 mil mensal. O governo assume isso?''
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
208
Idioma
pt_BR