Notícia n. 2018 - Boletim Eletrônico IRIB / Outubro de 2000 / Nº 241 - 19/10/20
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
241
Date
2000Período
Outubro
Description
Registro de trigêmeos. Fecundação in vitro. Mãe portadora. - Vistos. Cuida-se de expediente suscitado pelo Oficial Designado do Registro Civil das Pessoas Naturais do 17° Subdistrito - Bela Vista, que, invocando a ausência de norma regulamentadora, indaga como proceder ao registro de trigêmeos, cuja fecundação foi efetuada "in vitro" e a gestação operada por substituição, através da chamada "mãe portadora". O representante do Ministério Público ofereceu manifestação a fls. 31 verso. É o breve relatório. Decido. À míngua de definição legislativa sobre o tema, que diz respeito à reprodução assistida, impõe-se que se enfrente a matéria posta em controvérsia, no âmbito da pendência registrária, envolvendo o nascimento dos trigêmeos, à luz dos elementos técnicos colacionados. De início, cumpre assinalar que se trata de matéria relacionada à procriação assistida, em quadro onde inocorreu mercancia entre os protagonistas, visto que a chamada "mãe portadora" emprestou seu útero motivada única e exclusivamente pelos sentimentos de estima, amizade e solidariedade familiar (fls. 30). "Nesse sentido, Domingos Sávio Brandão Lima, jurista de extrema sensibilidade em matéria familiar, em memorável doutrina inserida na Enciclopédia Saraiva de Direito, a respeito do verbete "inseminação artificial" tangenciou este desejo tão natural de ter filhos e perpetuar a espécie. A inseminação artificial, diz ele, nunca deverá ser incriminada ou reprovada, por falsos moralismos, antes de ser entendida, antes de ser ponderada a necessidade orgânica de filhos, na mulher, e a necessidade psicológica feminina diante do desejo de procriação, no homem, em face da esterilidade conjugal. Se o casal considera que sua felicidade, o seu prazer conjugal, só se plenificará com o nascimento de um filho, que importância terá, em sua impossibilidade absoluta, a origem do sêmen na inseminação artificial ou na fecundação de proveta, mas o sentimento que esta procriação significa? Porventura seria melhor adotar um filho, um menor abandonado e totalmente estranho à família e a suas características genéticas ou consegui-lo por meio da impregnação artificial? ... Nesta, a maternidade, a necessidade orgânica de filhos, latente em toda mulher, desperta gradativamente, com a maturidade e os carinhos necessários, fazendo com que a mulher se sinta uma verdadeira mãe e o pai possa compartilhar, passo a passo, dessa paternidade que ele também anseia, contribui e luta para efetivá-la" ( "in" Procriações Artificiais e o Direito, Aspectos Médicos, Religiosos, Psicológicos, Éticos e Jurídicos, Eduardo de Oliveira Leite, ed. RT, p. 327/328). Atualmente, as conquistas médicas e o avanço tecnológico no setor da procriação alteram profundamente as estruturas habituais que juridicamente estabelecem as relações humanas. "O direito da filiação não é somente um direito da verdade. É também, em parte, um direito da vida, do interesse da criança, da paz das famílias, das afeições, dos sentimentos morais, da ordem estabelecida, do tempo que passa ..." (Gérard Cornu). Na hipótese vertente, positivou-se que os trigêmeos foram concebidos "in vitro", mediante fertilização coletada dos próprios requerentes, do que resultou, por transferência de embriões, a gestação tópica tripla, de A. M. A. C. Frise-se que A. recebeu em seu útero, por transferência de embriões, três blastocistos, atuando na condição de autêntica "mãe portadora". Referida função, desempenhada pela sobrinha dos requerentes, fundamental para o nascimento dos trigêmeos, não induz à aplicação da regra segundo a qual a mulher que dá a luz é a mãe. Assim é, porque os trigêmeos são frutos da herança genética dos requerentes, em quadro onde a mãe portadora concordou de maneira livre e consciente em doar temporariamente o útero. Vale dizer, os trigêmeos foram concebidos, através do método da fertilização "in vitro" com óvulos e espermatozóides respectivamente, de I. C. O. A. e J. C. M. S. A palavra parentesco deriva do verbo latino " pário-ere" (parir, gerar, dar a luz) que dá bem a dimensão da importância que sempre se atribui às relações que unem gerados e geradores. É certo que a filiação materna, como afirmou De Page, é mais cômoda de estabelecer. Com efeito, quando um indivíduo prova que tal mulher teve parto e que há identidade entre o parto e a criança daí oriunda, a filiação materna está estabelecida de maneira completa e definitiva. Assim, costuma-se dizer que, em princípio, nunca há dúvida quanto a filiação materna: "mater semper certa est". Todavia, o desenvolvimento da reprodução assistida impõe que se passe a enfocar o tema sob a ótica da chamada paternidade de intenção, fruto de um projeto planejado, no estabelecimento de uma filiação desejada pelos requerentes. No caso em exame, houve a fecundação do óvulo de I. C. O. A. com esperma de J. C. M. S., implantando-se o óvulo fecundado no útero de A. M. A. C., que cuidou de processar a gestação, sem, contudo, contribuir com o componente genético. É a técnica chamada nos EUA de "surrogate gestational mother" (Artigo do Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa, Joaquim José de Sousa Dinis "in" Direitos de Família e do Menor, Inovações e Tendências, Sálvio de Figueiredo Teixeira, ed. Del Rey, 1992, p. 45) e que, na ausência de mercancia, inexistindo o elemento voltado ao comércio carnal, como sucedeu na espécie, longe de ser reprovada, configura a denominada paternidade de intenção, a merecer tutela jurisdicional favorável no sentido de se efetivar o registro na forma requerida, conferindo a paternidade aos requerentes J. C. M. S. e I. C. O. A., afastada a presunção, em caráter excepcional, da declaração de nascido vivo (fls. 9/11). Pelos fundamentos expostos, defiro a lavratura dos assentos de nascimento de M. C. A. S., M. A. S. e B. A. S., determinando que J. C. M. S. e I. C. O. A., declarantes, figurem como seus respectivos pais, observadas as formalidades necessárias. Comunique-se, "ad cautelam" à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça. P.R.I.C. São Paulo, (...) Marcio Martins Bonilha Filho, Juiz de Direito. (Processo n° 66/00 2ª Vara de Registros Públicos São Paulo - Capital)
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Article Number
2018
Idioma
pt_BR