Notícia n. 2001 - Boletim Eletrônico IRIB / Outubro de 2000 / Nº 240 - 17/10/20
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
240
Date
2000Período
Outubro
Description
A nova proteção do adquirente nas incorporações imobiliárias Melhim Namem Chalhub Membro efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros - O Projeto de Lei n. 2109/99, do Deputado Ayrton Xerez, que caracteriza as incorporações imobiliárias como patrimônios de afetação, suscita o interesse por essa teoria, que pode servir a numerosas situações típicas da sociedade contemporânea. No caso desse Projeto, a afetação cria uma reserva patrimonial em favor dos adquirentes e credores, viabilizando a conclusão da obra em caso de falência. O Projeto se divide em três partes: na primeira, dispõe que "o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da edificação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes" na segunda parte, estabelece a organização do negócio e os mecanismos de controle dos adquirentes sobre a obra e na terceira parte estabelece procedimentos a serem implementados pelos adquirentes para assumir a incorporação e dar prosseguimento na obra, em caso de falência, de atraso da obra ou sua paralisação. O Projeto prevê que os recursos arrecadados em cada incorporação só podem ser utilizados para pagar os compromissos dela própria, não podendo ser utilizados para outros compromissos da empresa ou de outras incorporações da mesma empresa. Como se vê, trata-se da aplicação da teoria da afetação patrimonial, invocada por Brinz para explicar a separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e o da pessoa física que é seu sócio, a partir da concepção de que poderia haver um conjunto de bens afetados à realização de determinado fim, agindo e operando funcionalmente, como se fora um patrimônio autônomo (1). Pontes de Miranda registra a possibilidade de existirem um patrimônio geral e patrimônios separados ou especiais, pois o fato de o patrimônio ser unido por titular único não quer dizer que a cada pessoa corresponda um patrimônio (2). Assim, o titular de um patrimônio pode cindi-lo para formar uma ou mais massas patrimoniais destinadas a finalidades específicas e essas massas têm autonomia funcional e respondem pelas obrigações a elas vinculadas. Caio Mário da Silva Pereira manifesta-se favoravelmente à inclusão, no Código Civil, de disposição que autorize a criação dessas massas patrimoniais, observando que a afetação, porém, implicará composição de um patrimônio sem se verificar a criação de uma personalidade, como se dá com as fundações(3). A incorporação imobiliária, como se sabe, é atividade que envolve a captação de recursos do público e, por isso, requer rigoroso controle, mediante sistema fiscalizador, como já preconizava o Professor Caio Mário da Silva Pereira(4), para evitar, no dizer de Caupolicán J. Castilla, perjuicios patrimoniales a los adquirentes de unidades a construirse que hayan efectuado aportes, en caso de suspensión definitiva de la construcción (...) por quiebra o por culpa del promotor."(5) A teoria da afetação se ajusta com perfeição como instrumento de preservação dos direitos dos adquirentes, até porque a captação que opera tem destinação específica, que é a própria construção. A afetação dará efeito prático aos mecanismos de controle e fiscalização das incorporações imobiliárias, mediante criação de reserva patrimonial destinada à conclusão da obra e entrega aos adquirentes, bastando ver que, se as incorporações já fossem objeto de afetação, os adquirentes da Encol não sofreriam os prejuízos de que são vítimas. A partir desses pressupostos, cuidamos da matéria em monografia produzida em 1996, na Universidade Federal Fluminense, e, além disso, levamos a debate no Instituto dos Advogados Brasileiros - IAB, em 1999, proposição legislativa pela qual o complexo de bens, direitos e obrigações de cada incorporação seja destacado do patrimônio geral da empresa incorporadora, constituindo um patrimônio de afetação, e legitimando os adquirentes a assumir a obra e levá-la a cabo, em caso de atraso ou de paralisação da obra, bem como em caso de falência da incorporadora. O texto do anteprojeto foi remetido pelo IAB a autoridades competentes do Poder Executivo e a parlamentares, e veio a ser acolhido e reproduzido pelos Deputados Ayrton Xerez, no PL 2109/99, e Ricardo Izar, no PL 3455/2000(6). A proposição tem contado com a receptividade de toda a sociedade, sendo dignos de nota os apoios explícitos que lhe vêm emprestando entidades representativas dos setores produtivo e financeiro ligados à atividade da incorporação. Nesse sentido, a ABECIP - Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança vem manifestando integral apoio à idéia, com a formulação de importantes sugestões que aperfeiçoam o Projeto, em busca de maior eficácia das medidas de preservação do empreendimento, em caso de falência, o mesmo acontecendo com o SECOVI - Sindicato das Empresas de Compra e Venda de Imóveis de São Paulo. A matéria se reveste do mais elevado interesse público, sendo necessário, entretanto, evitar sejam introduzidas no Projeto disposições, que por distorcidas ou incompatíveis com o sistema, possam frustrar o objetivo de proteção dos adquirentes de imóvel em construção. Notas: 1. Vicente Ráo, O direito e a vida dos direitos, RT, 1999, 5a ed., atualizada e anotada por Ovídio Rocha Barros Sandoval, p. 838, nota 66. 2. Tratado de Direito Privado, v. VI, § 596. 3. Instituições de direito civil, Forense, Rio, 1995, vol. I, p. 251. 4. Condomínio e Incorporações, Forense, Rio, 1976, 3a ed., p. 257. 5. Propiedad horizontal, p. 2, apud J. Nascimento Franco e Nisske Kondo, Incorporações imobiliárias, RT, 1991, p. 19. 6. A justificativa do PL 3455/00 diz que essa proposição tem como precedente a lei argentina n° 19.724, mas esta nada tem a ver com aquela, os assuntos são diferentes. A lei argentina diz que o terreno destinado a edificações coletivas fica afetado a essa destinação, ou seja, fica afetado à subdivisão em unidades imobiliárias autônomas, e proíbe o proprietário de vendê-lo para outra finalidade que não seja a subdivisão. A lei argentina não cuida da atividade empresarial do incorporador e dos riscos do adquirente caso a construção seja interrompida. Já o PL 3455/00 trata exatamente e somente da atividade empresarial do incorporador, afetando o negócio de incorporação, de modo a proteger o adquirente em caso de atraso de obra ou falência do incorporador. Enquanto na lei argentina o que se afeta é o terreno para subdivisão em unidades autônomas, no PL 3455 o que se afeta são os bens, direitos e obrigações da incorporação, relativos ao processo construtivo, e essa afetação vincula o dinheiro dos adquirentes para garantir a conclusão da obra. A lei argentina, portanto, não serve como precedente para o PL 3455/00. Aliás, essa lei argentina já foi alterada pela Lei 20.509 e a redação atual do seu art. 1° é a seguinte: "Articulo 1 - Todo propietario de edificio construido o en construcción o de terreno destinado a construir en él un edificio (...) debe hacer constar, en escritura pública, su declaración de voluntad de afectar el inmueble a la subdivisión y transferencia del dominio de unidades por tal régimen."
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
2001
Idioma
pt_BR