Notícia n. 1945 - Boletim Eletrônico IRIB / Setembro de 2000 / Nº 231 - 04/09/20
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
231
Date
2000Período
Setembro
Description
O dreno digital Moisés Naím* - Yegor A. e Mikhail L. se formaram em computação na Universidade de Moscou no mesmo ano. Hoje, a renda anual de Yegor é 15 vezes maior do que a de Mikhail. Yegor trabalha para uma empresa privada que atua na Internet. Mikhail é "só" o responsável pelo departamento de informática de um importante ministério russo, onde ganha cerca de US$ 140 por mês. Será esse mais um exemplo da situação catastrófica do Estado russo? Não. Enquanto o salário anual do gerente-geral de informática do Departamento do Tesouro dos EUA é de cerca de US$ 130 mil, seus colegas do setor privado recebem algo como US$ 400 mil por ano em salários. Na Itália, os gerentes de informática do setor privado ganham oito vezes mais do que seus pares no governo, no Brasil, quatro vezes, na China, cinco, e no México, três. Nova, global e perigosa, essa tendência solapa a capacidade dos governos de desempenhar quase todas as funções críticas, desde a administração dos hospitais públicos até a cobrança dos impostos. Para combatê-la, os governos precisam abrir mão de princípios que não são questionados há muito tempo. A defasagem de salários públicos em relação aos privados no mundo é de 20%, em média. A novidade é o sorvedouro digital -a poderosa atração que as empresas da chamada "nova economia" exercem sobre os especialistas em informática do governo. Os especialistas em informática do setor governamental não só estão migrando para o setor privado, como, em muitos casos, abandonando seus países. A mobilidade internacional desses profissionais sofre menos restrições de fronteiras, limites à imigração ou certificados corporativistas de equivalência profissional como os exigidos a médicos ou advogados. A pessoa tem só de ser fluente em Java ou HTML e capaz de comunicar-se num inglês rudimentar. Esse ralo digital atinge os governos quando sua necessidade de bons profissionais de informática aumenta vertiginosamente. Em breve, a cobrança de impostos vai significar a fiscalização do comércio eletrônico. A regulamentação de bancos e outras instituições financeiras vai depender cada vez mais do uso eficaz de computadores. O mesmo se aplica à gestão da seguridade social e da segurança. A preocupação despertada pelo "abismo digital" -a defasagem entre a minoria do mundo que se beneficia da Internet e a grande maioria que nem sequer tem água ou luz- é enorme. A defasagem de competência entre governos e empresas ou cartéis criminosos cria uma defasagem digital diferente que coloca os governos, mesmo os dos países mais ricos, entre aqueles que estão em desvantagem digital. A resposta mais evidente ao problema -elevar os salários desse setor público- não é uma solução. O número de profissionais de informática altamente habilitados necessários e os altos salários que eles exigem implicam uma conta salarial além das possibilidades da maioria dos governos. São necessárias abordagens mais inovadoras. Elas vão exigir o rompimento de três crenças comuns: de que escalões iguais merecem pagamentos iguais de que funcionários são mais confiáveis que profissionais terceirizados e de que os governos só devem empregar seus cidadãos. O governo precisa preencher alguns cargos com o melhor talento disponível. Os salários para os ocupantes desses cargos críticos precisam ser mais próximos aos do setor privado e, portanto, mais altos do que os de outros servidores de escalão semelhante. Uma segunda idéia sagrada que precisa ser questionada é a de que o emprego de longo prazo é a melhor maneira de preencher esses cargos. Embora alguns países terceirizem tarefas do governo, a premissa de que um funcionário é mais leal e confiável do que um profissional terceirizado está enraizada. A maioria dos governos depende de burocratas mal pagos, submotivados e insuficientemente habilitados. Essa tendência terá de mudar. Nos EUA, mesmo tarefas delicadas ligadas à defesa são confiadas a terceiros. Essa prática tem provocado problemas ocasionais, mas vem tendo sucesso. A chave para seu êxito é que as empresas terceirizadas devem ser fiscalizadas por servidores competentes e honestos do governo. Para concluir, os governos cujos Legislativos lhes permitem empregar estrangeiros estarão mais capacitados a enfrentar as novas exigências que enfrentam. Na maioria dos países, o nacionalismo e a xenofobia tornam risível a idéia de empregar estrangeiros no governo. Mas na Nova Zelândia, no Chile e em alguns países africanos, por exemplo, estrangeiros trabalham numa ampla gama de cargos governamentais importantes. É claro que essa tendência faz parte de uma globalização levada ao limite, pouco provável de se concretizar nos próximos dez anos. Na hora em que somos constantemente ofuscados pelos triunfos das grandes empresas privadas, é importante guardar em mente que uma sociedade civil saudável e um setor empresarial competitivo não podem sobreviver sem governos competentes. Isso significa que os governos terão que encontrar maneiras de tampar o ralo digital. Moisés Naím é editor da revista Foreign Policy (EUA). Doutor pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), foi ministro da Indústria e Comércio da Venezuela e diretor do Banco
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
1945
Idioma
pt_BR