Notícia n. 1927 - Boletim Eletrônico IRIB / Agosto de 2000 / Nº 229 - 26/08/20
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
229
Date
2000Período
Agosto
Description
Parceria pecuária, Registro em Títulos e Documentos e a Vaca de Papel - A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, decidiu acolher parcialmente o recurso de um pecuarista de Mato Grosso do Sul, que reclama estar sendo alvo de agiotagem num processo de cobrança na Justiça estadual. Segundo o reclamante, a ação do agiota é ancorada por um contrato de parceria pecuária, conhecido entre os pecuaristas por "vaca-papel", assim intitulado porque simula uma parceria pecuária a ser quitada com vacas. Mas na verdade esse tipo de contrato acoberta um empréstimo financeiro ilegal e pactuado verbalmente. Pelo pacto, vencidos os prazos o devedor não entrega ao credor as reses estipuladas no papel e sim dinheiro em espécie, que em geral embute taxas de juros extorsivas. No julgamento do recurso pelo STJ, o contrato de parceria em discussão - validado na primeira e segunda instância da Justiça estadual de Mato Grosso do Sul, sob argumentação de que não envolve prejuízos a terceiros - foi considerado fraude e infração à Lei da Usura, "por encobrir aquele outro que não podia ser mostrado ante a proibição contida ao decreto nº 22.626/33, tido como de ordem pública, porquanto editado para espancar a usura". Ao acolher o recurso, a Quarta Turma mandou que a Corte do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul prossiga no julgamento, "como achar de direito", da apelação formulada pelo pecuarista contra sentença que favoreceu o cobrador. A apelação foi inicialmente julgada improcedente pela Segunda Turma Cível do TJ/MS, por unanimidade, em dezembro de 1997, confirmando decisão da primeira instância favorável ao credor. A demanda em torno do contrato de "vaca-papel" teve origem na comarca de Aquidauana (MS), onde Adeir Alves Fernandes - apontado pela suposta prática de agiotagem - ingressou em Juízo em 1996 com ação de cobrança contra Aurélio Pereira de Rezende, alegando ser credor deste num Contrato Particular de Parceira Pecuária. Depois de perder na 1ª Vara Cível de Aquidauana e ter a apelação negada pelo TJ/MS, o pecuarista Aurélio recorreu ao STJ. Adeir afirma que ele lhe deve 160 vacas, de três a dez anos de idade, mais 160 bezerros a título de atualização da dívida pelo atraso no seu pagamento. Datilografado na frente e verso de uma lauda apenas, o contrato de parceria foi firmado em dezembro de 1988, mas, segundo o autor da ação, ele se originou de uma "negociação pactuada verbalmente em 1986". Conforme os termos do acordo que encobriria negócios de agiotagem, Adeir (denominado parceiro-proprietário) deu em parceria a Aurélio (parceiro-arrendatário) 80 vacas comuns, de três a dez anos. O parceiro-arrendatário se comprometeu no contrato a devolver as cabeças de gado em dobro, ou seja, 160 reses, até abril de 1991 ou dois anos e quatro meses após celebrado o acordo. Agora, além das 160 vacas ele exige uma quantidade idêntica de crias ou frutos da produção do rebanho, alegando que Aurélio descumpriu a obrigação pactuada. "Ele não procedeu a devolução das reses conforme o combinado, e malgrada as tentativas amigáveis, valendo-se da relação de parentesco com o parceiro-proprietário, vem protelando o adimplemento da obrigação até a presente data", afirmou o reclamante, acusado pelo "parceiro" de encobrir com o contrato juros de agiota. Na ação os advogados de Aurélio Pereira de Rezende, que pedem declaração da nulidade das obrigações estipuladas, denunciam que estão presentes no instrumento pactuado as três características do contrato de "vaca-papel", o qual definem como "forma moderna de os agiotas celebrarem parceria pecuária em fraude à Lei da Usura". Tais características básicas são a não-entrega das vacas objeto da parceria, a remuneração do parceiro-proprietário estipulada em quantidade fixa de touros ou bezerros equivalente a 25% do número de reses ou em dobro , e a transferência dos riscos do negócio exclusivamente ao parceiro-arrendatário. "Além disso, a usura pactuada através da parceira de vaca-papel quase sempre é convencionada quando o agiota, procurado por um interessado em empréstimo de dinheiro, condiciona a concessão do mútuo solicitado a que o mutuário consinta nesses pontos", acrescentam. Ao propor o prosseguimento do julgamento da apelação no TJ/MS, o relator do processo no STJ, ministro Cesar Asfor Rocha, em seu voto-mérito acatado pela unanimidade da Turma, citou os conceitos emitidos por seu colega, ministro Ruy Rosado de Aguiar, sobre o tipo de contrato alvo da controvérsia. "Cuida-se do conhecido vaca-papel, contrato onzenário (referente a juros de usura ou agiotagem) através do qual o emprestador do dinheiro cobra juros acima do permitido na lei, simulando um contrato de parceria com a obrigação de devolução em dobro de cabeças de gado após um certo tempo, e, em caso de mora, a obrigação de pagar os frutos da produção normal do rebanho. Isto é, uma obrigação em dinheiro foi transformada em dívida de valor, com ofensa ao disposto no artigo 1º do decreto 22.626/33, e desvirtuado o contrato de parceria pecuária, previsto nos artigos 4º e 5° do decreto 59.566/66, sem nenhum risco para o emprestador, ou seja, o contrato em exame violou duas vezes a legislação federal, sendo nulo porque realizado com fraude à lei", ensina o ministro. Processo: Resp 196319 - Notícias do STJ de 18/8/20
Direitos
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Article Number
1927
Idioma
pt_BR