Notícia n. 1762 - Boletim Eletrônico IRIB / Julho de 2000 / Nº 214 - 04/07/20
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
214
Date
2000Período
Julho
Description
Aposentadoria compulsória. - Decisão. Notário. Aposentadoria compulsória. Artigos 40 e 236 da Constituição Federal. Precedente do plenário. Recurso extraordinário n° 178.236-6/RJ. Postura no campo monocrático. Recurso extraordinário. Negativa de seguimento. 1. O acórdão impugnado mediante o recurso extraordinário encontra-se assim sintetizado: "Serventuário de serventia extrajudicial. Aposentadoria compulsória aos setenta anos de idade. Legitimidade. Mandado de segurança denegado. Recurso não provido." (folha 154). Nas razões do recurso, interposto alegada base na alínea "a" do permissivo constitucional, defende-se o direito dos Recorrentes de permanecerem como titulares de serventias, nos termos do artigo 236, da Carta da República. Segundo sustenta-se, a par de os serviços notariais e registrais revelarem-se como públicos, por natureza, a delegação ocorre em caráter privado, não havendo margem a atribuir aos delegados a qualidade de servidores públicos, impondo-lhes, por limite de idade, a extinção das relações jurídicas decorrentes da delegação do Poder Público (folha 160 à 168). A Fazenda Pública Estadual apresentou as contra-razões de folha 181 à 186, ressaltando o acerto da conclusão adotada pela Corte de origem e a harmonia dessa com precedente desta Corte. Recebi os autos em 30 de setembro de 1999. 2. O Pleno desta Corte, no julgamento do Recurso Extraordinário n° 178.236-6/RJ, concluiu que os notários enquadrados na previsão do artigo 236 da Carta Política da República estão sujeitos à aposentadoria compulsória em virtude da idade. Eis como restou sintetizado o entendimento prevalecente: "Titular de Oficio de Notas da comarca do Rio de Janeiro. Sendo ocupantes do cargo público criado por lei, submetido à permanente fiscalização do estado e diretamente remunerado à conta de receita pública (custas e emolumentos fixados por lei), bem como provido por concurso público - estão os serventuários de notas e de registro sujeitos à aposentadoria por implemento de idade (artigos 40, II, e 236, e seus parágrafos, da Constituição Federal de 1988). Recurso de que se conhece pela letra "c", mas a que, por maioria de votos, nega-se provimento." Na ocasião do julgamento, assim expressei-me, sendo acompanhado pelo então Presidente Sepúlveda Pertence e pelo Ministro Francisco Rezek: "Senhor Presidente, enfrentei a matéria, embora no campo da liminar, após um exame das Cartas de 1969 e de 1988. Logrei formar convencimento em sentido oposto ao já externado pelos Ministros Octavio Gallotti, Relator, e Maurício Correia. Se os dois Colegas que me antecedem na votação - Ministros Francisco Rezek e Ilmar Galvão - autorizarem, gostaria de antecipar o entendimento, pelo menos para termos um novo enfoque sobre o matéria e refletirmos a respeito. A Carta de 1969 continha, a meu ver, uma disciplina toda própria sobre o tema. Preceituava o artigo 206: 'Art. 206. Ficam oficializadas as serventias do foro judicial e extrajudicial mediante remuneração de seus servidores exclusivamente pelos cofres públicos, ressalvada a situação dos atuais titulares, vitalícios ou nomeados em caráter efetivo ou que tenham sido revertidos a titulares'. Sob esse norte, o da oficialização das serventias, seguiam-se os parágrafos: '§ 2°. Fica vedada, até a entrada em vigor da lei complementar a que alude o parágrafo anterior, qualquer nomeação em caráter efetivo para as serventias não remuneradas pelos cofres públicos. § 3°. Enquanto não fixados pelos Estados e pelo Distrito Federal os vencimentos dos funcionários das mencionadas serventias, continuarão eles a perceber as custas e emolumentos estabelecidos nos respectivos regimentos.' O artigo 207 preceituava que as serventias extrajudiciais, respeitada a ressalva prevista no artigo anterior, seriam providas na forma da legislação dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, observado o critério da nomeação segundo a ordem de classificação obtida em concurso público de provas e títulos. O artigo 208 cogitava do aproveitamento dos substitutos. Nota-se que a tônica, a regra, era a oficialização dos cartórios, correndo à conta da exceção o caráter extrajudicial. Quanto a essa premissa, dúvidas não ocorrem. Pois bem, com a Carta de 1988, não houve a repetição dessa disciplina. Deu-se um tratamento todo próprio à questão. Mediante o preceito do artigo 236, previu-se que os serviços notariais e de registro seriam exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público, e que lei regularia as atividades, disciplinaria responsabilidades civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro - que não é a responsabilidade do servidor em geral - e dos seus prepostos, e definiria a fiscalização dos atos desses delegados, não há a menor dúvida, pelo Poder Judiciário - § 1º O § 2° do artigo 236 tem a seguinte redação: 'Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.' Segue-se a regência da arregimentação: '§ 3º. O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou remoção, por mais de seis meses.' Considerada, até mesmo, a regra do artigo 32 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que preceitua que 'O disposto no art. 236 não se aplica aos serviços notariais e de registro que já tenham sido oficializados pelo Poder Público - é uma situação diversa - respeitando-se o direito de seus servidores' - entendo que houve uma modificação substancial a obstaculizar o enquadramento dos notários dos cartórios de que cuida o artigo 236, como servidores públicos, e, portanto, como passíveis de virem a ser enquadrados no artigo 40, inciso II, da Constituição Federal. Não posso dizer que, na hipótese de delegação, aquele que a exerce, visando ao exercício de uma atividade que caberia de inicio ao Poder Público, é um servidor público. Concessionário não é servidor público, da mesma forma que um notário, se enquadrado no artigo 236, porque simples delegado, não o é. Hely Lopes Meirelles ressalta que não se pode confundir os conceitos de concessionário e de servidor público. Por outro lado, é preciso perquirir o alcance do artigo 40 referido tendo em vista a seção em que está incluído: a Seção dos Servidores Públicos. As equiparações constitucionais vêm expressas, como é o caso da contemplada no § 6° do artigo 37, justamente quanto à responsabilidade das pessoas naturais e de direito privado que prestam, seja por concessão, delegação ou permissão, serviços públicos, quanto a danos causados por si e prepostos a particulares. Não se tem preceito algum que equipare o notário, que exerça a atividade em caráter privado, como está na cabeça do artigo 236, ao servidor público. Ele não percebe dos cofres públicos. O ganho que aufere decorre da equação alusiva aos emolumentos cobrados segundo a lei federal, prevista no § 2° do artigo em comento, e às despesas resultantes da atividade, correndo à respectiva conta qualquer desequilíbrio negativo que venha a exsurgir. A doutrina brasileira, conforme ressaltado em memorial subscrito por Celso Antônio Bandeira de Mello, é uníssona - Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (Princípios Gerais de Direito Administrativo, Ed. Forense, 1974, pags. 277 e seguintes e, antes, Teoria dos Servidores Públicos, RDP, vol. 1 - julho/setembro de 1967, pags. 40 e sgs.) Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, Ed. Revista dos Tribunais, l4ª ed. pags. 66 a 72, em especial pag. 71) Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Ed. ATLAS, 1ª ed. 1990, pags. 304 e seguintes, notadamente 308) Diógenes Gasparini (Direito Administrativo, Ed. Saraiva, 1ª ed., 1989, pags. 105 e sgs., notadamente 109, n° 2.3), e o próprio autor do memorial (Apontamentos sobre os Agentes e Órgãos Públicos, ed. Revista dos Tribunais, 1973, pags. 3 e segs. e Regime Constitucional dos Servidores Públicos da Administração Direta e Indireta, Malheiros, 2ª ed., 1991, pags. 9 e seguintes, bem como parecer in RDP vol. 80/45). O mesmo ocorre com a estrangeira - Guido Zanobini (Curso di Diritto Amministrativo, Giuffre Ed., 1ª ed., 1936, pgs. 168 e seguintes, particularmente 180), Renato Alessi (Sistema lstituzionale del Diritto Amministrativo Italiano, Giuffre Ed., 3ª ed. 1960, pags. 38-39) e Enzo Capaccioli (Manuale di Diritto Amministrativo, CEDAM, 1980, pags. 228 a 230). Daí Hely, o administrativista por todos sempre lembrado, haver consignado em 'Direito Administrativo', publicado pela Editora Revista dos Tribunais, 14ª edição, à pagina 71, que: 'Estes agentes não são servidores públicos, nem honoríficos, nem representantes do Estado: todavia, constituem uma categoria à parte de colaboradores do Poder Público. Nesta categoria se encontram os concessionários e permissionários de serviço público, os serventuários de ofícios e cartórios não estatizados, os leiloeiros, os tradutores e intérpretes públicos e demais pessoas que recebem designação para a prática de alguma atividade estatal ou serviço de interesse coletivo'. Os notários, enquadrados no artigo 236, em virtude de atuarem em caráter privado, não integram sequer a estrutura do Estado. Atuam em recinto particular, contando com os serviços de pessoas que também não têm a qualidade de servidor e que auferem salário em face de relação jurídica que os aproximam, regida não pela lei disciplinadora do Regime Jurídico Único, mas pela Consolidação das Leis do Trabalho. Sim, os empregados do Cartório, do notário dele titular, tais como este, nada recebem dos cofres públicos, não passando pela cabeça de ninguém enquadrá-los, mesmo assim, como servidores e atribuir-lhes os direitos inerentes a esse status. Contratante e contratados, consideradas as normas da Consolidação das Leis do Trabalho, são empregador e empregados. Como, então, sem desapego ao sistema decorrente da Carta Política da República, assentar, em detrimento da previsão do exercício da atividade em caráter privado, que os notários são servidores públicos e, por isso, somente por isso, estão enquadrados na previsão do inciso II do artigo 40 nela contido, estando assim sujeitos a aposentadoria compulsória? E os proventos, como serão calculados? Somente o misoneísmo, ou seja, o apego ao anteriormente estabelecido, sem perquirir-se as razões do novo enfoque, da realidade constitucional, é capaz de levar à conclusão de que nada mudou, persistindo o passado, em que pese a referência ao caráter privado contida no artigo 236, a delegação indispensável a ter-se o exercício sob tal modalidade, ou seja, os parâmetros próprios à delegação. Diante desse contexto, há pouco tivemos a edição da lei de que cogita o § 1° do artigo 236, explícita quanto ao afastamento dos notários. Previu-se extinguir-se a delegação, primeiro, pela morte do notário segundo, por aposentadoria facultativa terceiro, por invalidez quarto, por renúncia quinto, por perda, nos termos do artigo 35. O Senador Eduardo Suplicy tentou, mediante a Emenda n° 10, ao Projeto 2.248/91, incluir mais uma hipótese de cessação da atividade, da delegação, que seria, justamente, a compulsória, completados pelo titular os setenta anos de idade. Essa emenda foi rejeitada por expressiva maioria. Fez-se ao mundo jurídico a vontade dos representantes do povo - os Deputados - e dos Estados - os Senadores. Digo que isso ocorreu não apenas sob o ângulo político, presentes a oportunidade e a conveniência. A rejeição da emenda ao projeto foi em obséquio, em respeito a algo de dignidade maior, de objetividade impar, à Constituição Federal. Percebe-se o paradoxo de, a um só tempo, reconhecer-se o caráter privado do exercício da atividade, o surgimento de delegação visando aos serviços notariais, iniludivelmente públicos, e a qualificação de servidor do titular do cartório, de resto indispensável a observar-se o disposto no inciso II do artigo 40 acima mencionado. A dinâmica do processo legislativo e, mais do que isso, a organicidade do Direito, especialmente do constitucional, obstaculizam o ressuscitamento da óptica do Senador Suplicy de cujas intenções não tenho dúvidas. Por sua vez a Portaria n° 2.701/95, do Ministro da Previdência Social, em atenção ao que se contém no artigo 51 da Lei n° 8.212/91, dispõe que, no caso, o notário na situação jurídica decorrente do artigo 236 da Lei Maior, contribui como empregador. Contribui o notário para a previdência como um cidadão comum, não como um servidor público. Quando concedi a liminar, na Petição n° 973-8/SP, tive a oportunidade de consignar que o Requerente - Lodovico Trevisan - sustentava que acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo implicara violência ao artigo 236 da Carta Política da República, no que esse artigo dispõe sobre o exercício em caráter privado, Por delegação do Poder Público, dos serviços notariais e de registro. Disse mais, na decisão liminar, que a norma constitucional, considerados a citada delegação e o predicado referente ao exercício em caráter privado, estaria a afastar a aposentadoria compulsória, decorrente do implemento dos setenta anos de idade, e que, na espécie, concorria a plausibilidade da argumentação inicial. Fiz ver que recente lei mostrava-se harmônica com a óptica externada sobre o teor do citado artigo 236 do nosso Diploma Básico. V. Exª., Senhor Presidente Sepúlveda Pertence, no processo que está em julgamento, em cautelar a ele alusiva, fez não só referência a tal liminar, como também à plausibilidade jurídica do recurso extraordinário tudo indicando que, continuasse relator, prolataria voto dos mais bem elaborados sobre o tema, conhecendo e provendo o extraordinário. Entrementes, quis o destino que ocorresse o deslocamento da relatoria. Concluindo, repito o que se contém no memorial distribuído pelo professor Celso Antônio Bandeira de Mello, que fez no caso uma brilhante sustentação da tribuna. Na dicção de Carlos Maximiliano, 'cumpre evitar não só o demasiado apego à letra dos dispositivos, como também o excesso contrário, o de forçar a exegese e, deste modo, encaixar na regra escrita, graças à fantasia do hermeneuta, as teses pelas quais se apaixonou, de sorte que vislumbra, no texto, idéias apenas existentes no próprio cérebro ou no sentir individual, desvairado por ojerizas e pendores - o problema da publicidade - entusiasmos e preconceitos.' (Hermenêutica e Interpretação do Direito - Globo Porto Alegre, 2ª edição, 1933, pg. 118). Senhor Presidente, vem-me de São Thomas de Aquino um conceito sobre a verdade: "A verdade: nada mais é do que a perfeita adequação da inteligência à coisa". Não posso, a essa altura, desconhecer o tratamento todo próprio, outorgado à matéria pela Carta de 1988 não posso desconhecer que o legislador constituinte, de 1988, colou à atividade a ser desenvolvida pelo notário, na hipótese do artigo 236, o predicado alusivo à privacidade - é desenvolvida 'em caráter privado'. O notário não é servidor público. E se eu aqui, agora, asseverar que ele está sujeito à compulsória, que é própria do servidor público já que não se tem a compulsória na iniciativa privada, porquanto a aposentadoria dos que hajam completado setenta anos pressupõe a provocação por parte do empregador, estarei olvidando princípios fundamentais de nosso sistema jurídico-constitucional. Não posso ter o notário como um servidor público, muito menos para submetê-lo ao que não lhe é favorável e afastar o que lhe beneficia. Por essas razões, concluo que o notário, não sendo servidor público - e creio que em sã consciência ninguém se atreve a asseverar ser ele um servidor público -, está fora do campo de incidência do disposto no inciso II do artigo 40 da Constituição Federal, no que somente aplicável àqueles que tenham tal qualificação. Senhor Presidente peço vênia ao nobre Ministro-Relator, Octavio Gallotti, e ao Ministro Maurício Corrêa para conhecer do extraordinário, por violência ao artigo 236 e ao próprio artigo 40, inciso II, ambos da Constituição Federal, no que se inseriu, quanto a este último, no campo de aplicação, hipótese não contemplada. Provejo o recurso para reformar a decisão prolatada pela Corte de origem, assegurando à Recorrente Dr.ª Carmem Celho, a continuidade como titular do Cartório. (recurso extraordinário n° 178.236-6/RJ, relatado pelo Ministro Octavio Gallotti perante o Plenário em 7 de março de 1996)." 3. Atuando no campo monocrático ou em Órgão fracionário, não posso deixar de observar a jurisprudência do Plenário, sob pena de vir a grassar divergência que aponto como intestina, levando ao descrédito do judiciário perante os cidadãos. Ressalvando o convencimento pessoal, nego seguimento a este extraordinário, vez que, diante do entendimento sufragado pelo Plenário, não há como dizer da ofensa ao preceito do Diploma Maior. Brasília 26/10/99. Ministro Marco Aurélio, Relator. (Recurso Extraordinário Nº 254.065-0/SP DJU 07/12/99 pg.103)
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
1762
Idioma
pt_BR