Notícia n. 171 - Boletim Eletrônico IRIB / Fevereiro de 1999 / Nº 26 - 05/02/1999
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
26
Date
1999Período
Fevereiro
Description
À propósito da necessidade de estabelecer um critério hermenêutico restritivo na interpretação da norma legal exceptiva, relembremos algumas decisões: - Parcelamento do solo urbano. Loteamentos regulares. Compromisso de venda e compra quitado. Venda e compra. Escritura definitiva - necessidade. Na esfera administrativa, não há como estender, por analogia, o dispositivo de natureza exceptiva contido na Lei (6766/79, art. 41) a contratos de promessa de venda oriundos de parcelamentos do solo urbano regulares, sob pena de se permitir o nascimento de título aquisitivo de propriedade imobiliária sem previsão legal. Fonte: 003595/95 Data: 08/02/96 Localidade: Campinas Relator: Francisco Eduardo Loureiro PROCESSO CG. Nº 3.595/95 RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO - Promotora de Justiça (Proc. 109/95) LOCALIDADE: CAMPINAS ADVOGADO: DR. ROBERTO REZENDE, OAB Nº 11.520 Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral: Cuidam os autos de pedido formulado por compromissário comprador de lote situado no denominado Jardim Proença-Continuação, visando obter do Juiz Corregedor Permanente autorização para que o Oficial do Primeiro Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas possa registrar transmissão de domínio pleno, sem necessidade de escritura definitiva, em razão de pagamento integral do preço ajustado. Invoca como fundamento o disposto no artigo 41 da Lei nº 6.766/79 (Lei do Parcelamento do Solo Urbano). O Oficial delegado prestou informações, que podem ser assim resumidas: a) o artigo 41 da Lei nº 6.766/79 diz respeito apenas a loteamentos irregulares, que tiveram regularização e posterior registro promovidos por Prefeituras Municipais, assim como suspensão do pagamento do preço dos lotes e respectivo depósitos em contas judiciais. b) nada impede, porém, a aplicação analógica do dispositivo acima citado, uma vez que o loteamento, embora regular, tem como titulares do domínio dezenas de pessoas, muitas delas falecidas. c) a obtenção da escritura definitiva exigiria, assim, a expedição de inúmeros alvarás, ou o ajuizamento de onerosas ações de adjudicação compulsória e de usucapião. d) o compromisso de venda e compra registrado constitui direito real e é oponível a terceiros. e) após o pagamento do preço, todos os direitos inerentes ao domínio, estão concentrados nas mãos do compromissário comprador, restando ao compromitente vendedor apenas a obrigação de outorgar-lhe escritura definitiva. f) viável, assim, diante da prova da quitação, o registro do domínio pleno da propriedade em nome do compromissário comprador, sem necessidade de escritura de venda e compra. Opinou a Dra. Curadora de Registros Públicos pelo indeferimento do pedido, porque incabível a aplicação analógica de disposição excepcional contida na Lei do Parcelamento do Solo Urbano para caso restrito de regularização de loteamento. O MM. Juiz Corregedor Permanente acolheu o pedido, adotando as razões expendidas pelo Oficial delegado. Houve recurso da Dra. Curadora de Registros Públicos, insistindo na tese da inviabilidade de aplicação analógica do artigo 41 da Lei nº 6.766/79. O interessado bateu-se pela manutenção da Decisão. É o relatório do necessário. Passo a opinar. - I - Inicialmente, cumpre anotar que a doutrina mais moderna tem feito correta distinção entre a genérica promessa de contratar e o compromisso de venda e compra, tal como delineado em nosso direito positivo (cfr. Orlando Gomes, Direitos Reais, 11ª Edição, Forense, pag. 306/316 José Osório de Azevedo Júnior, Compromisso de Compra e Venda, Saraiva, 2ª Edição, pag. 12/14). A simples promessa de contratar, via de regra contendo cláusula de arrependimento e solução em perdas e danos, é denominada de contrato preliminar próprio e exige realização de novo negócio jurídico, ou seja, se destina apenas a criar a obrigação de um futuro contrahere. Já no compromisso de compra e venda, classificado como contrato preliminar impróprio, com o figurino próprio dado em nossa lei positiva, as partes não se obrigam a uma nova manifestação de vontade, mas a uma simples reiteração do consentimento anterior, dado de forma cabal e irreversível. A chamada escritura definitiva de venda e compra deixou de ser negócio jurídico distinto, para caracterizar-se como simples ato devido, que expressa o cumprimento da obrigação assumida no primeiro contrato (A. Trabuchi, Istituzione do Diritto Civile, Padova, 1.968, pag. 681 F. Messineo, II Contrato in Generi, Milano, 1.973, tomo 2, pag. 430). Dúvida não resta, mais, de que toda a carga negocial da venda e compra imobiliária está encerrada no compromisso. Os direitos federados do domínio (jus utendi, fruendi e abutendi) transferem-se no compromisso, quando o compromissário comprador passa a ter a posse justa do imóvel, a prerrogativa de fruí-lo e até mesmo a possibilidade de ceder seus direitos pelo trespasse. O domínio formal é mantido com o compromissário vendedor com a finalidade exclusiva de instrumento de garantia, possibilitando a resolução do contrato (e do conseqüente direito real de aquisição gerado pelo registro) no caso de falta de pagamento do preço. Pago integralmente o preço, nada mais resta ao compromitente vendedor, senão obrigação inexorável de outorgar a escritura definitiva. O domínio, ao invés de traduzir-se em exercício de direitos, passa a constituir exclusivamente fonte de obrigações. As prerrogativas inerentes ao domínio estão todas concentradas, de modo definitivo, nas mãos do compromissário comprador (cf. José Osório de Azevedo Jr. ob. cit.. pag. 5/10 Barbosa Lima Sobrinho, As transformações da Compra e Venda, Borsoi, pag. 91). - II - Encarado o compromisso de compra e venda, com a disciplina conferida pelos Dec. Lei 58/37 e Lei nº 6.766/79 como contrato preliminar impróprio e a escritura definitiva como simples ato devido, destituído de qualquer significação negocial, natural fosse criado novo mecanismo de aquisição de propriedade imobiliária no direito brasileiro. Bastaria ao legislador dispor que o compromisso de venda e compra, acompanhado de prova de quitação do preço, passasse a ser título hábil à transmissão do domínio pleno. A tanto, porém, não chegou o legislador. Não equiparou o compromisso de compra e venda à venda condicional (a condição suspensiva seria o pagamento integral do preço). A obrigação de reproduzir consentimento não equivale a condição. A transmissão do domínio se dá, ainda, pelo registro da escritura definitiva, ou, na sua falta, sentença substitutiva de vontade. A Lei nº 6.766/79, em seu projeto original, continha previsão, no artigo 37, de que o registro do compromisso, somado à quitação, fosse título hábil à transmissão do domínio pleno. A redação final do dispositivo, todavia, eliminou o novo mecanismo. Em outras palavras, o legislador, deliberadamente, optou pelo sistema tradicional, exigindo a outorga de escritura de venda e compra. - III - Não há como, nesta esfera administrativa, estender por analogia o dispositivo de natureza exceptiva contido no artigo 41 da Lei nº 6.766/79 a todos os contratos. O citado artigo 41 afastou do formalismo da escritura definitiva apenas e tão somente os casos específicos de loteamentos regularizados por inciativa do Município ou do Distrito Federal. Certamente, assim procedeu porque a prova da quitação é feita mediante fácil conferência dos depósitos efetuados em conta judicial, em valores recepcionados pelo próprio registrador. Em termos diversos, existe elemento seguro para efeito de qualificação registral. Em compromissos de compra e venda de loteamentos regulares, a prova do pagamento se faz por recibos, normalmente marcados pela informalidade, dos quais, muitas vezes, não consta sequer a qualificação do credor, identificado por simples rubrica. Haveria, certamente, maior dificuldade do registrador na conferência da autenticidade e regularidade formal da quitação, pressupostos básicos de seu ingresso na tábua. Bem ou mal, o legislador deixou escapar oportunidade de equiparar o compromisso de compra e venda quitado à escritura de compra e venda, para efeito de aquisição do domínio. Não pode, porém, orientação administrativa suprir falta de previsão legal, ainda que com o melhor dos propósitos. Como alerta o próprio José Osório de Azevedo Jr., acerca da necessidade de escritura definitiva, "todavia, enquanto não houver modificação da lei, as partes precisarão, para maior normalidade dos negócios, continuar prestando vassalagem àquela palavra vazia, cumprindo o ritual de providências tão ao agrado de nosso Estado cartorial" (ob. cit., pag. 66). A melhor doutrina concorda que a promessa de venda e compra somente valha como escritura no caso previsto no artigo 41 da Lei nº 6.766/79 (Marco Aurélio S. Viana, Comentários à Lei Sobre o Parcelamento do Solo, Saraiva, pag. 77 Arnaldo Rizzardo, Promessa de Compra e Venda e Parcelamento do Solo Urbano, Ed. Rt, pag. 35 Toshio Mukai, Alaôr Café Filho e Paulo José Vilella Lomar, Loteamentos e Desmembramentos Urbanos, Ed. sugestões Literárias, pag. 241). Prevalece ainda, por isso, a precisa definição de Orlando Gomes, para quem é o compromisso de venda e compra "contrato típico pelo qual as partes se obrigam reciprocamente a tornar eficaz a compra e venda de um bom imóvel, mediante reprodução do consentimento no título hábil" (ob. cit., pag. 308). - IV - Em que pese o elevado espírito que orientou tanto a informação prestada pelo registrador, como a decisão de seu MM. Juiz Corregedor Permanente, não pode ser prestigiado tal entendimento. A decisão administrativa criaria perigoso precedente, permitindo o nascimento de título aquisitivo de propriedade imóvel sem previsão legal. ISTO POSTO, o parecer que submeto ao elevado critério de Vossa Excelência é no sentido do provimento do recurso e consequente reforma da decisão de folhas 31/32. Sub censura S. Paulo, 01 de fevereiro de 1.996. Francisco Eduardo Loureiro Juiz de Direito Auxiliar da Corregedoria DECISÃO: "Aprovo o parecer do MM. Juiz Auxiliar e, pelas razões ali expostas, dou provimento ao recurso para indeferir a pretensão inicial. Publique-se, juntamente com o parecer. São Paulo, 02 de fevereiro de 1996. (a) MÁRCIO MARTINS BONILHA Corregedor Geral da Justiça"
Direitos
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Article Number
171
Idioma
pt_BR