Notícia n. 1697 - Boletim Eletrônico IRIB / Junho de 2000 / Nº 205 - 04/06/20
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
205
Date
2000Período
Junho
Description
Parcelamento do solo - 1ª parte Dr. Hélio Lobo Junior - Diante de um tema tão extenso, o palestrante se propôs a escolher algumas questões para a reflexão da platéia, alertando que seu objetivo era trazer idéias novas e teses mais arrojadas para as críticas e observações que o levam a refletir novamente sobre o assunto. "Em dezembro de 1979, assumi como Juiz Auxiliar na Vara de Registros Públicos da Capital. Na época, o titular era o Dr. Gilberto Valente da Silva, que foi meu primeiro mestre na área registrária. Naquele mês, por coincidência, entrou em vigor, no dia 17, a Lei 6766/79. Foi uma correria danada com os titulares dos Registros de Imóveis indo à Vara para saber como proceder. A perplexidade deles era aquela expectativa de que todos os negócios imobiliários parariam, principalmente para os tabeliães, porque o gênero parcelamento foi dividido em duas espécies: o loteamento, que já era regulamentado e o desmembramento, que foi a grande novidade. Só que a regulamentação do desmembramento não foi muito clara na lei. A lei simplesmente regulamentou o desmembramento, sem especificar. A primeira perplexidade que surgiu foi: todo desmembramento deveria se sujeitar àqueles rigores? A preocupação maior, num primeiro momento, não era quanto à incidência ou não da Lei 6766. A grande preocupação de todos era quanto ao famigerado "registro especial". Na sua parte final, a lei trouxe uma relação de delitos e todos os notários e registradores ficaram preocupados com aquele aspecto penal. E foi aí que comecei o primeiro trabalho de tentativa de interpretação da Lei 6766. Participei de muitos simpósios e se tentou, na época, vários tipos de interpretação gramatical, tentando retirar a incidência da lei 6766 de determinados casos." Incidência e transitoriedade da Lei 6766 "Hoje, tenho que essa afirmação de que a Lei 6766 não incide em determinadas situações é equivocada. Eu entendo que a Lei 6766 incide para todos os parcelamentos do solo urbano, sejam pequenos ou grandes desmembramentos. A lei sempre incide, o que é possível é dispensar a exigência do chamado 'registro especial'. Acho que não podemos, por ato administrativo, retirar a incidência da lei em determinado caso concreto que configura o gênero parcelamento e a espécie desmembramento, ainda que seja de um ou dois lotes, apenas porque é um pequeno fracionamento. O contrato feito entre essas duas pessoas está sob a égide da Lei 6766. Acho que essa é uma premissa fundamental para tratarmos da Lei 6766. O que não é necessário é o registro especial, a providência administrativa que pode ser dispensada conscientemente pelo Oficial ou por provimentos e portarias, como tem ocorrido, das Corregedorias Permanentes, da Varas de Registros Públicos e da Corregedoria-Geral da Justiça. Esse é o primeiro ponto e eu cheguei a afirmar, até em trabalhos publicados nas duas últimas edições da RDI, que uma das conseqüências do registro (no caso da Lei 6766, esse registro do art. 18) seria a incidência da Lei 6766. Essa afirmação não é 100% correta. A Lei 6766 incide mesmo que não ocorra o registro especial ou registro nenhum. Havendo um parcelamento totalmente irregular de uma grande gleba, em determinada área, a partir da venda de lotes a Lei 6766 já começa a incidir. Basta uma situação fática de parcelamento do solo para que incida a Lei 6766. Essa questão é muito importante para as relações contratuais regidas e regulamentadas pela Lei 6766. Essa é uma premissa inicial. Outra questão interessante a respeito da Lei 6766 é que ela tem incidência transitória. As relações da Lei 6766 são regulamentadas por aquele diploma legal enquanto persiste o loteamento, isto é, enquanto existe a relação loteador/adquirente de lote, em termos de execução de obras ou em termos contratuais. Depois disso estaremos diante de uma nova realidade jurídico-registrária. Ou seja, a Lei 6766 incidiu, foi feito o parcelamento, que se completou e se integrou à cidade. As vias passaram ao domínio público, as áreas institucionais às áreas verdes e os lotes foram vendidos a terceiros. Aquele loteamento desapareceu. O loteamento nasce, se desenvolve e morre, em termos de conseqüências jurídicas. Quando o adquirente compra um lote do loteador, incide a Lei 6766. Mas quando esse adquirente vende o lote, para terceira pessoa, não incide mais a Lei 6766 na segunda relação jurídica. Incide o Código Civil, incide até o Decreto-lei 58, cujo art. 22 ainda está em vigor, e outras legislações eventuais. Não incide mais a Lei 6766 porque não se está mais parcelando, mas sim vendendo imóvel objeto de matrícula própria. Essa questão da transitoriedade da Lei 6766 serve, a meu ver, para resolver uma série de problemas que são aparentemente contraditórios na própria lei. Temos que conjugar a questão registrária com a Lei 6766 para chegarmos a determinadas conclusões. Com base nessa transitoriedade em incidência é possível resolver a questão da alteração do plano de loteamento e a questão das restrições urbanísticas legais e convencionais. Recentemente entrou, no 1º Tribunal de Alçada Civil, uma dúvida de competência a respeito de um contrato de um chamado "loteamento fechado", em que uma associação civil formada por loteadores cobrava serviços prestados a um terceiro, que não tinha assinado esse contrato, justificando que ele havia se beneficiado dos serviços. O 1º TAC não é competente para julgar questões de loteamentos, mas é competente para julgar contratos de prestação de serviços. A maioria decidiu que a questão dizia respeito a loteamento. Eu tentei sustentar que a questão não dizia respeito a loteamento. O loteamento já havia acabado há muito tempo. O fato dele estar fechado por concessão de direito real de uso de vias públicas, que a prefeitura faz, não significa que ele continua como loteamento e que continua incidindo a Lei 6766. Ele já se integrou à cidade. Quando o loteamento se completa, ele se integra à cidade, ele não guarda a sua individualidade de loteamento. Muita gente entende o contrário. O próprio professor Hely Lopes Meirelles, quando trata das restrições urbanísticas legais e convencionais, entende que uma restrição urbanística convencional feita por um loteador faz publicidade, porque está no registro, e obriga a todos. Mas essas restrições urbanísticas legais e convencionais não são fiscalizadas pela prefeitura. Se vier uma restrição absurda, ela vai integrar o registro do mesmo jeito. Nem o oficial vai fiscalizar esse aspecto porque não é sua função. Pode existir um grupo que num determinado momento tenha interesse em manter uma situação fática e pode ser que os novos moradores, que não participaram daquele empreendimento original, achem que aquilo não é mais interessante. A própria lei municipal pode entender que aquelas restrições não interessam mais. É o caso, por exemplo, da proibição de corredores comerciais em determinadas áreas residenciais. Então, essa transitoriedade da Lei 6766, a meu ver, resolve uma série de problemas. Outro exemplo ocorrido comigo, também no 1o TAC, a respeito da incidência da Lei 6766 mesmo não havendo o registro, aconteceu quando foi a julgamento um contrato de cobrança de prestações de um cidadão que comprou um imóvel de uma Cohab. O adquirente era totalmente inadimplente, mas o advogado alegou que seu cliente não estava pagando com base no artigo 39 da Lei 6766, que diz que nenhuma ação será aceita se o empreendimento não estiver registrado. E o empreendimento não estava registrado, como a maioria desses empreendimentos não é registrada. O poder público pensa que não tem que cumprir as determinações da lei, o que é um erro terrível. Esses empreendimentos estão se deteriorando porque os moradores não cumprem o que ficou estabelecido e o poder público não cuidou de se precaver e fazer o básico: registrar o empreendimento. Eu acho que a averbação regularizadora, prevista nas Normas de Serviço, para os conjuntos habitacionais está errada. Nesse acórdão que eu dei (eu fui relator do caso e dei razão ao adquirente inadimplente porque aplica-se o art. 39 da Lei 6766), eu mando cópia à Corregedoria Geral para um reestudo do problema dos conjuntos habitacionais porque acho que a questão está mal colocada nas Normas de Serviço. As Normas falam da chamada "averbação regularizadora" que, na verdade, substitui o parcelamento e o condomínio. Normalmente, pega-se uma gleba grande e parcela-se essa gleba. Deveria incidir a Lei 6766 e depois seria preciso fazer uma instituição de condomínio da Lei 4591. A Lei 4591 é uma lei perfeita para reger as relações entre as pessoas, responsabilizando até a unidade, caso o condômino não pague. Por isso, a necessidade de regularização desses empreendimentos é premente. Acho que o poder público precisa providenciar a regularização para que os futuros adquirentes saibam que estão sujeitos àquelas normas. Esse caso é um exemplo de incidência da Lei 6766, com aplicação de um dispositivo pelo Tribunal, mesmo não tendo sido registrado o empreendimento." Autonomia do Oficial na análise da questão registrária "Quando falei da preocupação com relação à incidência ou não incidência da Lei 6766 nos pequenos parcelamentos, quando a preocupação deveria ser, no máximo, quanto à necessidade ou não do registro, cheguei depois à conclusão de que a melhor solução ainda é a preconizada pela Corregedoria-Geral da Justiça (embora a dos juízes corregedores seja muito prática ao estabelecer um parâmetro quantitativo em número de lotes). Entendo que a solução da CGJ é mais interessante ao dizer que fica a critério do Oficial. Eu participei da elaboração dessa disposição das Normas, junto com o Dr. Bedran e Dr. Hélio Quaglia, e eu me lembro que o intuito foi proporcionar que o registrador tivesse uma maior autonomia na análise da questão registrária. Esse dispositivo reforça muito essa posição, tanto que o dispositivo diz: "de acordo com o seu prudente critério, baseado em condições de ordem objetiva, especialmente a quantidade de lotes". Hoje, eu concordo com muitos registradores, que têm um certo receio de colocar esse primeiro julgamento na qualificação, em face de posições um pouco drásticas em passado recente da CGJ. Mas o normal, dentro das regras de direito administrativo, é que o registrador, como a primeira autoridade técnica a enfrentar a questão da qualificação, tenha a mesma autonomia que tem o Juiz Corregedor e a mesma autonomia que tem o Corregedor-Geral da Justiça. Os três, no exercício dessas atribuições, estão pura e simplesmente praticando uma verificação administrativa. E, se é administrativa, qualquer um dos três tem essa atribuição. Dentro de critérios interpretativos básicos e lógicos, os três têm o poder de julgar, de pré-qualificar esse título e devem exercer esse poder. E as Normas dão um reforço a isso ao estabelecer a regra do item 150. Superada a questão urbanística, porque o desmembramento já pressupõe a existência de vias públicas, temos apenas a questão de verificação de idoneidade do empreendedor e liquidez do domínio, duas questões básicas que já estão previstas para todos os negócios imobiliários na Lei 7433/85, a chamada Lei das Escrituras Públicas. Então, hoje não há negócio imobiliário em que alguém não seja obrigado teoricamente a apresentar essa documentação. Portanto, caiu muito de importância essa atuação, na lei do parcelamento do solo, quanto ao desmembramento. Não vejo porque o registrador não possa fazer esse julgamento e entender que não se caracteriza a necessidade de registro especial. Um pai, por exemplo, tem uma prole grande e resolve dividir uma área em lotes pequenos para todos os seus filhos e netos, o que totaliza quinze lotes. Por que ele deveria se sujeitar a registro especial da Lei 6766? Para que a documentação? Ainda que ele vendesse aos filhos e netos, para ajeitar a situação, não há risco de prejuízo. Acho que o registrador, tendo conhecimento disso, tem plena autonomia para fazer. Por outro lado, há parcelamentos, em São Paulo, de menos de dez lotes, que são de altíssimo padrão e que constituem grandes empreendimentos imobiliários. Então, esse parâmetro quantitativo é perigoso. E repito: o parâmetro quantitativo jamais retira a incidência da Lei 6766. Ocorrendo um desmembramento, tem que haver a proteção da lei."
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
1697
Idioma
pt_BR