Notícia n. 1694 - Boletim Eletrônico IRIB / Junho de 2000 / Nº 205 - 04/06/20
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
205
Date
2000Período
Junho
Description
A valorização do notário pela valorização da técnica notarial Dr. Kioitsi Chicuta (1ª parte) - Lembrando a polêmica exigência de conhecimentos mais abrangentes da área jurídica nos concursos de acesso à titularidade dos serviços notariais e registrais, o Dr. Kioitsi Chicuta se propôs a discutir a justificativa para isso: "Não podemos esquecer que a Lei 8.935/94 reconheceu todos os profissionais que atuam nessa área como operadores do direito. Quando falamos em técnica, estamos diante de dois pólos distintos: teoria e prática. Sempre encontraremos defensores e opositores dos dois campos, mas aqueles que são partidários exclusivos do teórico, prendem-se apenas ao lado abstrato, intelectual, fora da realidade. Por outro lado, quando nos referimos ao lado prático da atividade é como se se tratasse de uma mera atividade manual, sem o uso da razão. Na verdade, os dois lados da atividade notarial e de registro - teórico e prático - não se excluem. Ligando o teórico ao prático, existe a técnica. Para o profissional, a técnica representa um conjunto de regras que a experiência indica como necessárias para atingir uma determinada finalidade. Não se pode abstrair os conhecimentos teóricos, mas também não se pode divorciar da realidade. É a experiência concreta que faz com que essa ligação se faça de forma perfeita. Existem técnicas perfeitamente conhecidas, em função da divisão de poderes. Podemos falar em técnica legislativa, técnica judiciária e técnica administrativa. Existem ainda outras técnicas que não se inserem necessariamente nesses setores, nas quais estão situados os notários e registradores. O notário, principalmente, enquadra-se num outro setor chamado de "técnica formativa do ato jurídico". O notário não legisla, não julga e também não pratica um mero ato de administração, como veremos a seguir. O notário se insere num canal específico, o da técnica formativa do ato jurídico, que tem características próprias. Primordialmente, trata-se de um profissional que atua de acordo com o ordenamento positivo, mas com uma finalidade específica maior, que é a de prevenção de futuros litígios. É por essa razão que a elaboração que alguns atos são delegados com exclusividade aos tabeliães, como a feitura de testamentos, por exemplo, para que as devidas formalidades legais sejam cumpridas e para conferir a segurança jurídica necessária ao ato. Portanto, quando falamos em notários, hoje, estamos falando em operadores de direito e não em meros práticos ou adaptadores de formulários. A idéia que a população tem do notário é que ele tem os formulários e sua função é preencher os claros em cada ato. A operação intelectual do notário passa por um processo muito mais complexo do que o faria um mero seguidor de fórmulas previamente estabelecidas. Há uma distinção entre uma função meramente administrativa do funcionário público e a atividade do tabelião. Na atividade administrativa propriamente dita não há criação, nem acréscimo, nem recusa. De que forma atua o notário? Como ele trabalha? De forma geral, ele complementa uma norma legal abstrata e lhe dá vida, gerando um direito subjetivo. Esta é a operação substancial do tabelião, ele dá vida àquela norma, adaptando-a a uma situação específica. Ele converte um pacto econômico em um pacto jurídico. Não basta apenas duas pessoas convencionarem a compra e venda de um bem. Se for um bem imóvel é preciso outros requisitos que a lei estabelece. E esse acordo, inicialmente econômico, passa a ser jurídico através da atuação específica do tabelião. Os negócios não são iguais uns aos outros. Em direito civil existem contratos típicos e atípicos. Muitas vezes, as partes fazem negócios que não se enquadram em qualquer conceituação típica. É preciso que se promova uma adaptação. E é nessa seara que ba atuação do tabelião é fundamental e embasada principalmente na sua experiência. Ele faz com que aquele ato ganhe vida e tenha reflexo no mundo jurídico. E aí encontramos a distinção entre direito público e direito privado. A administração só pode praticar aqueles atos que a lei lhe permite. Em relação aos particulares é exatamente o contrário: pode-se fazer o que a lei não veda. Quando a lei não proíbe, cabe aos particulares dar forma jurídica àquela avença. A evolução no direito acontece à medida em que os negócios vão ganhando outros contornos, ou seja, à medida em que a sociedade assim reclama. Exemplo: a alienação fiduciária de imóveis deu uma nova vestimenta aos instrumentos que estávamos habituados a ver. É esse mundo dinâmico que faz com que a atuação se dirija para um aperfeiçoamento embasado na própria experiência. Para que se fale em função técnica documental é preciso que se parta de um suposto básico essencial, ou seja, de que o documento notarial é um instrumento técnico. E seu redator, que é conhecido e identificado, já que porta a delegação do poder público, é um jurista, é um técnico. Por que um jurista, por que um técnico? Porque na medida em que as partes o procuram e expõem o negócio de uma forma genérica, ele é obrigado a fazer a operação intelectual de exato enquadramento, de verificar os pormenores daquele negócio e orientar as partes no caso de ocorrer eventual infração à lei. Para se ter uma idéia de quão difícil é essa operação intelectual, a própria doutrina oscila de um lado para outro. Não é raro acontecer a aquisição de bem imóvel em que parte do preço seja pago com outro bem imóvel, por exemplo. O tabelião deve enquadrar esse negócio como uma compra e venda ou como uma permuta? Outro exemplo: um contrato de mútuo, um empréstimo com garantia hipotecária, sendo que o credor deseja estabelecer uma cláusula em que, se o devedor não pagar no prazo avençado, esse bem será transferido de volta a ele, credor. É possível uma cláusula dessa? Não, a lei diz que o pacto comissório nessa situação de hipoteca é expressamente vedado. Cabe ao notário, como técnico, verificar que essa cláusula é proibida. Da mesma forma, o notário pode se defrontar com um negócio feito por um conhecido agiota e um tomador de empréstimos. O agiota não vai fazer um contrato de mútuo com garantia hipotecária. Ele vai elaborar um contrato de compra e venda com pacto de retrovenda ou vai elaborar um compromisso de compra e venda? Nessas situações, é o tabelião que vai ponderar sobre a ética daquele ato notarial. Essas operações que ele enfrenta no dia-a-dia o enquadram como um técnico especialista e até mesmo como um jurista. E também não se trata de um ato de mera documentação, tanto assim que todos que estudam o direito notarial são unânimes em classificar o assessoramento às partes do negócio como uma das principais atividades do tabelião. Cabe ao notário traduzir aos interessados todas as conseqüências dos atos que estão sendo documentados. Mas para que isso seja feito com perfeição é preciso que o profissional tenha o domínio da técnica para que seja gerada a segurança jurídica."
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
1694
Idioma
pt_BR