Notícia n. 1662 - Boletim Eletrônico IRIB / Maio de 2000 / Nº 199 - 13/05/20
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
199
Date
2000Período
Maio
Description
ACÓRDÃO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA - SÃO PAULO Dúvida. Usucapião. Imóvel rural. Medida inferior ao módulo. Minifúndio. Desnecessidade de cadastramento como imóvel urbano. - REGISTRO DE IMÓVEIS - IMÓVEL RURAL - Aquisição originária. Usucapião. Módulo rural de 1,5860 ha. Desnecessidade da observação do art. 8º da lei nº 5.868/72, restrito às transmissões derivadas. Recurso procedente. Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 69.770-0/8, da Comarca de PIRACAIA, em que é apelante ADUZINDO URIBE e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS, CIVIL DE PESSOA JURÍDICA E TABELIÃO DE PROTESTO DE LETRAS E TÍTULOS da mesma Comarca. ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento ao recurso. Trata-se de apelação interposta por Aduzindo Uribe (f. 48/50) contra a sentença proferida pelo Juiz Corregedor Permanente da Comarca de Piracaia nos autos da dúvida suscitada pelo Oficial do Registro de Imóveis (f. 44/45). Sustenta em síntese o apelante que, embora a sentença proferida nos autos do usucapião sobre o imóvel o tenha reconhecido como urbano, não lhe é retirada a qualidade de rural, pois está localizado na zona rural, a dez quilômetros da linha divisória do perímetro urbano. Alega que não pode ser desconsiderada a real destinação do imóvel, postulando a reforma da sentença apelada. Nesta instância (f. 65/67), o Ministério Público opinou pelo não provimento da apelação. É o breve relato. Em razões de apelação sustenta o recorrente que o imóvel é rural e não urbano, como consta da sentença de usucapião, considerando-se que o Oficial suscitou dúvida diante da divergência da localização da área e em referência à qualificação das partes interessadas. Duas situações apresentam-se distintas. A primeira, jurisdicional, volta-se ao fundamento de mérito da ação de usucapião e a segunda à regularidade do título para o ato registrário, objeto da presente dúvida. A fundamentação efetuada pelo magistrado sentenciante do feito de usucapião não altera os requisitos necessários para o registro. Efetivamente, a sentença que reconheceu o usucapião afastou a qualidade de imóvel rural argüida pelo Oficial (f. 23). Porém, essa sentença possui como objeto o reconhecimento da posse pelo prazo legal de forma mansa, ininterrupta e pacífica a propiciar a expedição do título. Reconhecido esse objeto, como o foi, o título foi expedido, impondo-se nesta instância tão somente a apreciação de sua regularidade em todos os requisitos formais para o registro. O fundamento voltado à qualidade do imóvel, rural ou urbano, é irrelevante ante a força maior, que é a decisão reconhecedora do usucapião. De acordo com as características do imóvel, e conforme docs. de f. 29 a 31, a área encontra-se na zona rural. O usucapião é um modo de aquisição originária da propriedade, ocorrendo quando a pessoa tem a capacidade e qualificação de provocar o reconhecimento do seu direito sobre a coisa. Essa aquisição originária não vincula o adquirente a um titular anterior e não depende também da sua existência. Tal ordem jurídica não é a evocação da lei 5.868/72, que não se volta para a aquisição originária. Seu objeto volta-se pelas aquisições efetivadas derivadamente, ou seja, que possuam sucessão na propriedade, onde o direito de quem adquire está relacionado com o direito de quem transmite. Washington de Barros Monteiro ("Curso", Ed. Saraiva, 1985, 3º vol., pág. 124) ao definir a origem do usucapião, conceitua-o "como de modo originário. Porquanto, para o usucapiente, a relação jurídica de que é titular surge como direito novo, independente da existência de qualquer vinculação com seu predecessor, que, se acaso existir, não será o transmitente da coisa". Transmissão é o ato de transmitir, é a transferência de um direito, sendo essencial a figura do transmitente. O direito do adquirente é derivado, ao passo que no usucapião é originário. Eventual proprietário anterior nada transmite e não se relaciona juridicamente com o usucapiente. Tal diferenciação da origem do título é importante. Se a inscrição é postulada com título derivado, deve-se observar o princípio do art. 8º da lei 5.868/72, que impede a divisão ou desmembramento de área em módulo inferior ou calculado nos termos do seu parágrafo primeiro. Tal vedação refere-se "à transmissão". O usucapião não é derivado de transmissão, mas originário de uma situação de fato comprovada jurisdicionalmente. Portanto, não se aplica a ele a área de módulo mínimo previsto no artigo citado. Caio Mário da Silva Pereira ("Instituições", Ed. Forense, 6ª ed., vol. IV, pág. 87), elucida: "diz-se originária, quando o indivíduo, num dado momento, torna-se dono de uma coisa que jamais esteve sob o senhorio de alguém. É uma propriedade que se adquire sem que ocorra a sua transmissão por outrem, seja voluntária ou involuntária, seja direta ou indireta. E resulta numa propriedade sem relação causal com o estado jurídico anterior da própria coisa." A área usucapida sobre a qual pretende-se o registro mede 1,5860 hectares e o módulo mínimo para a região de 2,0 hectares deve ser considerado para os registros derivados. Os módulos rurais resultam da regulamentação efetuada pela Portaria 32, 11.01.89, do Ministro de Estado da Reforma e Desenvolvimento Agrário, que os fixou para cada região do Brasil, estipulando como fração mínima de parcelamento rural 2,0 hectares para a região de Atibaia, onde se encontra Piracaia. As propriedades rurais sofreram estipulações de medidas mínimas de acordo com o art. 8º da lei 5.868/72 e suas frações modulares variam em todo o território nacional, observando-se a peculiaridade de cada região, suas tipicidades e estruturas fundiárias. Objetiva a fixação das frações mínimas modulares de terra o não parcelamento de áreas rurais em pequenos lotes, o que poderia provocar um grande número de propriedades improdutivas ou produtivas de tão pouca ordem que não gerariam uma relevância econômica, agrícola ou pecuária, provocando tão somente especulação imobiliária. Em razão desse fato é que o texto legal, claramente, acentua a vedação ao desmembramento ou divisão de áreas em módulos inferiores à fração mínima da região, quando ocorrer a "transmissão a qualquer título", buscando a preservação da zona rural em condições de produtividade e garantindo sua função social, prevista no art. 186, IV da Constituição Federal. A argüição do apelante quanto à aplicação do art. 6º da lei nº 5.868/72, que se refere a 1 hectare, não lhe socorre. O reconhecimento do módulo com o mínimo de 1 hectare visa a incidência do imposto sobre a propriedade territorial, portanto com caráter de tributação. O cadastro rural do imóvel em questão estipulou sua área com fração mínima de parcelamento de 1,5 hectares (f. 29). Mesmo inferior aos 2,0 hectares estipulados para a região, essa fração é válida e deve ser considerada, quer em razão da aquisição originária da propriedade, quer pelo seu reconhecimento como minifúndio, efetuado pelo próprio INCRA. O imóvel foi classificado pelo INCRA como minifúndio (f. 29), em consonância ao inc. IV, art. 4º, da lei nº 4.504/64. Minifúndio é toda área voltada à agricultura, e o apelante cultiva em sua propriedade milho e feijão. O art. 6º, inc. II, do dec. nº 55.891/65 define que minifúndio é "a área agricultável inferior à do módulo fixado para a respectiva região e tipo de exploração". A área possui todas as características de rural, e assim deve ser registrada. Está cadastrada como rural (f. 29) sua situação está regularizada no âmbito fiscal rural (f. 30) há regularidade no âmbito de imposto territorial rural (f. 31) há também cadastro de produtor rural do apelante junto à Secretaria Estadual da Fazenda (f. 32), e esta declaração cadastral (f. 32) registra que o imóvel localiza-se junto à rodovia Dom João Bata, distando 10 km da cidade. Sendo imóvel rural, não prospera a dúvida do Oficial quanto à baixa no INCRA e à necessidade do cadastro como imóvel urbano. O memorial descritivo de f. 18 e as plantas de f. 19 a 21 demonstram que as características do imóvel atendem ao disposto no art. 176, II, 3º, da lei nº 6.015/73, anotando seus elementos peculiares e possuindo "os dados geográficos que se exigem para individuar o imóvel, isto é, para determinar o espaço terrestre por ele ocupado" (Afranio de Carvalho, "Registro de Imóveis", Ed. Forense, 4ª ed., pág. 203). No tocante à necessidade da qualificação completa do apelante e de sua mulher, os documentos de suas identificações que compõem o título (f. 26/28) satisfazem a exigência contida no art. 176 da lei nº 6.015/73. O Oficial não obstou tal situação (f. 2) e as diretrizes contidas nos itens 47, "d" e 52, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça, objetivam a regularidade do ato, não havendo obrigatoriedade de o requerente transcrever seus dados pessoais em forma própria, quando os documentos acostados inserem os dados necessários ao registro. Ante o exposto, dão provimento ao recurso para determinar o devido registro. Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores MÁRCIO MARTINS BONILHA, Presidente do Tribunal de Justiça, e ALVARO LAZZARINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça. São Paulo, 16 de março de 2000. (a) LUÍS DE MACEDO, Corregedor Geral da Justiça e Relator
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
1662
Idioma
pt_BR