Notícia n. 1636 - Boletim Eletrônico IRIB / Maio de 2000 / Nº 196 - 01/05/20
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
196
Date
2000Período
Maio
Description
ALTERAÇÕES À LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO: DR. KIOITSI CHICUTA - A Lei 9.785, de 29/01/99, alterou alguns dispositivos da Lei 6.766/79. Algumas dessas alterações repercutem nas atividades dos notários e registradores. 1. A primeira alteração, na esteira do que dispõe a Constituição de 1998, destacou a competência municipal para estabelecer seus objetivos administrativos imediatos e a longo prazo. A nova lei deu ênfase às diretrizes urbanísticas principais que devem servir de base à administração municipal. Esse aspecto é fundamental, porque sempre se discutiu se essas diretrizes seriam a Lei 6.766 ou aquelas das legislações municipais. Há, portanto, uma consagração, aqui, de que os municípios têm legitimidade e interesse em estabelecer os preceitos urbanísticos de interesse da própria municipalidade. E alguns postulados gerais já constam da Lei de Parcelamento do Solo. Por exemplo, não pode haver parcelamento sem um mínimo de estrutura básica para que o cidadão tenha uma vida digna e saudável. Mais uma vez na esteira do legislador constitucional, estabeleceu-se a necessidade das autoridades constituídas dos municípios criarem as diretrizes básicas através de um Plano Diretor. É o reconhecimento de que as autoridades locais devem fixar pelo menos os pontos principais para o crescimento de cada centro municipal. 2. A nova lei é que ela deu uma conceituação à Lei 6.766. Agora, o legislador sentiu necessidade de definir o que seria o lote. O Art.2º, § 4º, dá a seguinte definição: "Considera-se lote o terreno servido de infra-estrutura básica, cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos em lei municipal para a zona em que se situe". Ainda não se afastou a discussão de que todo lote deveria ter, necessariamente, 125 m². No entanto, o município pode fixar, em determinadas circunstâncias, dependendo da região que se situe, uma metragem inferior a 125m². Exemplo disso no município de São Paulo são aqueles parcelamentos feitos há muitos anos e que não atendem essa especificação, quando se busca a regularização dos imóveis. Vamos encontrar centenas de milhares de imóveis em São Paulo que não têm 125m², mas 80 ou 100m² de terreno. Isso significa que as autoridades municipais podem definir as regiões em que as metragens terão menos de 125m². 3. Outro aspecto relevante é que a nova lei criou a necessidade de se estabelecer limites às regiões possíveis de parcelamento. O Art. 3º (Lei 6766) dizia que apenas a lei municipal poderia fixar os parcelamentos do solo para fins urbanos em zonas urbanas ou de expansão urbana. Essa precisão legal não atendia a todas as situações. Na nova lei há previsão para que o parcelamento atinja as regiões urbanas passíveis de urbanização pelo município, através de lei especifica, ou, "de urbanização específica". Ou seja, a lei abrange não apenas aquelas regiões que poderiam ser urbanizáveis, mas também, aquelas que o poder público, em determinado momento, entende que podem ser caracterizadas dessa forma. A exemplo do modelo norte-americano, ou mesmo dos modelos europeus, em que existem grandes núcleos populacionais localizados fora das regiões urbanas, ou de expansão urbana, os núcleos de urbanização específica podem ser dirigidos tanto às faixas de mais alta como de mais baixa renda da população. Essas regiões podem ser aprovadas pela lei municipal, conforme já vinha fazendo a Lei 6.766, mas também com ênfase no Plano Diretor. Mais uma vez se destaca que o próprio município é que deve estabelecer suas diretrizes básicas. 4. A lei fixava o prazo de dois anos para que o loteador cumprisse as suas obrigações de implantar as obras de infra-estrutura. Esse prazo era prorrogável tantas vezes quanto o poder público assim entendesse e pelo prazo fixado pelo prefeito, até o máximo de 2 anos, também renováveis por outro tanto, se as obras não fossem concluídas. A experiência mostrou que, nos grandes parcelamentos, o prazo de 2 anos era insuficiente. Agora a lei estabelece o prazo de 4 anos para a conclusão das obras de infra-estrutura. Aqui, surge a primeira discussão. Eu participei de um seminário promovido pelo Ministério Público de São Paulo, em parceria com o IRIB - Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, para o estudo das alterações a Lei 6766, em que se discutiu essa questão. A Lei estabeleceu um prazo de 4 anos para o parcelador executar as obras de infra-estrutura. Como a lei é omissa a respeito, a discussão era: seriam esses 4 anos definitivos ou prorrogáveis? O MP sustentava que o prazo é taxativo. Não haveria como prorrogar esse prazo além daquilo que a lei estabelece e, uma vez não cumprido o prazo, caberia ao poder público acionar seus mecanismos para que as obras fossem implantadas de forma definitiva. Na verdade, não se chegou a um consenso e nós, juízes, não podemos adotar uma postura rígida, inflexível. A regra básica é que devem ser aceitos os 4 anos como um prazo fatal que deve ser cumprido. Cabe às prefeituras municipais a fiscalização do cumprimento do cronograma de obras, o compromisso assumido pelo loteador. Nem sempre, porém, as coisas saem como planejadas. Existem eventos que, às vezes, possibilitam a dilatação desse prazo. A meu ver, deve-se observar esse prazo. Mas, em determinadas circunstâncias, devidamente justificadas, é possível que esse prazo seja dilatado. Por exemplo, se uma enchente causa danos, cuja recuperação pode levar meses, não podemos exigir que o prazo inicial seja cumprido. Existem eventos que demandam tempo e não podem ser recuperados de um dia para o outro. São essas circunstâncias especialíssimas que acho que deveriam ser levadas em consideração. Vejam bem as conseqüências que a própria lei estabelece. O parágrafo único do Art.12 diz : "O projeto aprovado deverá ser executado no prazo constante do cronograma sob pena de caducidade da aprovação." Vejam as conseqüências de um ato dessa natureza. Basta que o projeto seja aprovado pela COHAB, que reúne os órgãos estatais que se manifestam sobre o parcelamento, inclusive sobre o aspecto ambiental, e que se obedeça à documentação exigida pelo Art. 18 da Lei do Parcelamento do Solo. O registro é feito, os imóveis são colocados à venda, os interessados fazem a aquisição, as obras têm início e depois a execução não se concretiza no prazo de 4 anos. Se isso dá caducidade à aprovação, qual seria a conseqüência? O loteamento desapareceria do mundo jurídico? Os terceiros interessados estariam desprovidos de domínio? Seria uma aberração. A conclusão não seria para que esses registros fossem cancelados, mas para que o poder público assumisse a execução das obras, se assim fosse necessário, de forma a que pudesse haver uma regularização. O que acho que se poderia determinar é que aquele loteador, enquanto não cumprisse as obras de infra-estrutura, ficasse proibido de comercializar novas unidades. Haveria proteção aos adquirentes, de forma que não fossem lesados pela negligência do loteador. Isso evitaria o cancelamento do parcelamento como um todo. 5. Outro item bastante interessante mostra a preocupação do legislador em acertar a situação daqueles que adquirem os lotes na certeza de que está tudo regularizado, quando, na verdade, trata-se de um parcelamento irregular. Isso tem gerado problemas no Brasil inteiro, por isso o legislador foi bastante sensível à possibilidade de que a própria municipalidade possa promover a regularização do parcelamento, quando impossível o acerto através de providências mais eficientes (Art.40). Numa situação de parcelamento irregular, em geral um parcelamento clandestino, o parcelador não é titular de domínio. Ele tem mera posse ou apenas hereditários ainda não devidamente esclarecidos. São situações que o registrador e a municipalidade não têm como resolver. A regularização do parcelamento pode ser promovida, mas não há como legitimar o direito real para cada adquirente das unidades parceladas. O legislador estabeleceu que o poder público pode desapropriar essas áreas para fins de regularização desse parcelamento. Tal é a urgência que o Art. 18 diz que "o título de propriedade será dispensado quando se tratar de parcelamento popular, destinado às classes de menor renda, em imóvel declarado de utilidade pública, com processo de desapropriação judicial em curso e imissão provisória na posse, desde que promovido pela União, Estado, Distrito Federal, Municípios, ou suas entidades delegadas autorizadas a implantar projetos de habitação". Tenho a impressão de que este é o ponto principal das alterações. Trata-se de um instrumental que as prefeituras podem utilizar para atender à população mais carente, desapropriando por utilidade pública as áreas onde estão essas concentrações. E podem promover o registro desse parcelamento. A própria lei diz que é dispensável o título de propriedade para o acesso ao Registro de Imóveis. O parágrafo 5º diz que, no caso do parágrafo 4º, o pedido do registro de parcelamento, além dos documentos mencionados na lei, será instruído de cópias autênticas da decisão que tenha concedido a imissão provisória na posse. Mas, como a municipalidade teria condições de transmitir o direito real a esses adquirentes de lotes, que estavam em situação irregular, se o processo expropriatório ainda está em andamento? A lei criou uma nova figura que fala em "cessão da posse". Diz o parágrafo 3º do Art. 26º: "Admitem-se parcelamentos populares à cessão da posse em que estiverem provisoriamente imitidas, União, Estado, Distrito Federal, Municípios ou entidades delegadas, o que poderá ocorrer por instrumento particular, ao qual se atribuem para todos os fins de direito caráter de escritura pública, não se aplicando a disposição do inciso 2º do Art. 134 do Código Civil". Isso significa que se o poder público obtém o registro de parcelamento, pode outorgar um título que a lei denomina "cessão de posse" através de instrumento particular. O município não precisaria se socorrer do notário, embora possa fazê-lo se for do seu interesse. O elenco de exigências para a transmissão de direitos reais é tão extenso que por mais informados que estejam os advogados, corretores e mesmo os loteadores, sempre existe algum pormenor que passa despercebido. O número de devoluções por instrumentos particulares é muito grande. As instituições financeiras que fazem parte do Sistema Financeiro da Habitação estão se apercebendo de que é mais fácil contratar um notário do que manter um corpo jurídico para a outorga desses instrumentos particulares. Por isso, embora seja possível o uso de instrumentos particulares, eles estão passando a utilizar instrumentos públicos para que os títulos sejam registrados com prontidão e eficiência, sem aquelas devoluções que acabam onerando essas entidades financeiras. Além disso, o mutuário do SFH paga um valor muito maior pelo instrumento particular do que pagaria pela escritura pública. A razão disso está no oneroso corpo jurídico mantido pelas instituições financeiras. Esse instrumento de cessão de posse pode se transformar em direito de propriedade. O cessionário, ou adquirente de unidade, deve demostrar o cumprimento de todas as suas obrigações. Essa circunstância será averbada na matrícula do Registro de Imóveis para a devida transformação do cessionário em titular de domínio. Verificamos que não existem apenas situações de cessão de posse, mas de compromisso de compra e venda, promessa de cessão, que também valerão para registro de propriedade de lote adquirido, quando acompanhadas da respectiva quitação. E para não haver dúvidas, houve a inserção, na Lei 6.015, de item específico sobre esses atos de imissão na posse. 6. Por fim, uma alteração na Lei 6.766 voltada ao adequado enquadramento dos parcelamentos vinculados ao plano de habitação, que encontramos às centenas no CDHU, nas cooperativas habitacionais. O Art.53/17 diz: "São considerados de interesse público os parcelamentos vinculados a planos ou programas habitacionais de iniciativa da Prefeitura, Distrito Federal, entidades autorizadas por lei, em especial as regularizações de parcelamentos e assentamentos." O parágrafo único enfatiza: "Às ações e intervenções de que trata este artigo não será exigível documentação que não seja a mínima necessária e indispensável aos registros no cartório (...), vedadas as exigências e sanções pertinentes aos particulares". Delegou-se ao poder público uma importância social fundamental. Todo administrador deve ter em mente que as populações não podem ficar ao desamparo, sem um título de propriedade, sem direito real protegido pela lei. Os direitos possessórios encontram proteção no próprio judiciário, mas não se equiparam à propriedade. Daí a importância dessas alterações à lei do parcelamento do solo urbano.
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
1636
Idioma
pt_BR