Notícia n. 1521 - Boletim Eletrônico IRIB / Março de 2000 / Nº 182 - 20/03/20
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
182
Date
2000Período
Março
Description
Controle público sobre as relações de consumo Paulo Eduardo Fucci - Da Revista de Direito Imobiliário vol. 47, pags. 58 e 159, constam, respectivamente, dois estudos, da lavra dos ilustres juristas Sergio Jacomino e Flauzilino Araujo dos Santos, que podem ser resumidos nas seguintes passagens do segundo deles: "...a relação da legislação urbanística e do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor com o Registro de Imóveis tem balanço altamente positivo, visto que esse sistema recebe do Registro Imobiliário uma inestimável colaboração pela profilaxia que exerce, tomando medidas eficazes para interditar, a priori , cláusulas e condições que se apresentem iníquas e abusivas no contrato-padrão de parcelamento do solo urbano, as quais submetem-se ao exame qualificador do Oficial por força da Lei 6.766/79 e do Código de Defesa do Consumidor, sem olvidar que os clientes potenciais do empreendimento-parcelamento são oriundos das classes mais desfavorecidas." É fundamental a contribuição, preventiva e cautelar, do Serviço de Registro de Imóveis, no bloqueio de cláusulas manifestamente ilegais, a bem do consumidor incauto, não só nos contratos de compromisso de venda e compra em loteamentos, mas também em outros instrumentos submetidos à sua análise, como sucede nas incorporações imobiliárias e em outras hipóteses de direitos e interesses privados tutelados e limitados por leis de ordem pública. Todavia, é preciso evitar exageros. Em primeiro lugar, porque nem sempre os empreendimentos imobiliários têm como público alvo pessoas econômica, cultural e socialmente menos favorecidas. Empreendimentos de alto padrão exigem maior ousadia dos empreendedores, o que é, justamente, o que agrada e é aceito por um número seleto de consumidores, tão ou mais bem informados, preparados e poderosos, de forma que os desafios para levar a cabo as novas idéias e os riscos são assumidos em conjunto. A relação contratual é estabelecida em pé de igualdade, o que não corresponde à equação genérica considerada pelo Código de Defesa do Consumidor. Não se pode dar tratamento idêntico a hipóteses diferentes, a consumidores com capacidades de compreensão distintas. A mesma lei, nessas circunstâncias, pode ser aplicada ou interpretada de maneira desigual. Não é razoável que o Oficial de Registro de Imóveis pretenda a padronização do que venha a ser cláusula contratual iníqua ou abusiva. Loteamentos e condomínios com características especiais vêm sendo criados e não podem ser obstados, desde que respeitadas as estruturas originais e básicas para a sua implantação. Os negócios jurídicos evoluem e se alteram, novos tipos de contratos e cláusulas são planejados na mesma velocidade em que se desenvolvem as relações sócio-econômicas e, normalmente, as leis é que se tornam superadas e fora da realidade. Daí, também, o temor de que o elenco de cláusulas condenadas possa se tornar, na prática, taxativo em dada circunscrição imobiliária, tal como o são os casos legais de averbação e registro, com a agravante de que cada uma fará e executará a sua própria lei, gerando uma infinidade de procedimentos administrativos de dúvida e de dúvida inversa, obrigando os empreendedores a passarem por um verdadeiro calvário, que, em nada, incentiva a sua atividade. Se o Oficial de Registro de Imóveis precisa recorrer à jurisprudência para dizer o que é ilegal, como no caso das cláusulas de perda parcial das prestações pagas, em decorrência da rescisão do contrato, é sinal de que a estipulação não é manifestamente ilícita e não deve ser de início impedida. O art. 34 da Lei 6.766/79 e o art. 51, XVI, do Código de Defesa do Consumidor, retiram efeito de qualquer cláusula que, ocorrendo a rescisão do contrato, impeça o direito de indenização do adquirente pelas benfeitorias necessárias e úteis, mas não proíbe a renúncia ao direito de retenção, bem como a estipulação prévia do valor, os parâmetros para o seu arbitramento ou o parcelamento da indenização. Não há ilegalidade flagrante na cláusula de repasse dos custos da infra-estrutura obrigatória e indispensável do loteamento aos adquirentes, sem prejuízo da responsabilidade do loteador perante o Poder Público, como também para outras construções complementares, desde que, de alguma maneira, o valor possa ser determinado em função das obras já descritas e haja orçamento prévio ou posterior que a eles seja submetido para aprovação. Com isso, o preço não deixa de ser certo e a participação dos adquirentes na sua composição fica garantida. Os poucos argumentos e exemplos aqui dados bastam para desaconselhar o excesso no controle administrativo preventivo dos contratos que envolvam relações de consumo, mesmo porque não se pode descartar a possibilidade de que os empreendedores prejudicados reclamem do Estado os prejuízos experimentados por exigências descabidas daqueles aos quais delegou seus poderes. Repasse de custo em obras de infra estrutura. De novo. Sérgio Jacomino O artigo do Dr. Paulo Eduardo Fucci enfocou, de uma perspectiva digamos interessada, e de certo modo limitada, a problemática dos contratos padrão em parcelamentos do solo urbano. Não notou que os artigos criticados referem-se basicamente ao parcelamento do solo urbano, tendo deixado as incorporações para ulterior debate e aprofundamento. Interessada, digo-o, na consideração de que o objetivo do advogado especialista nessa área, como não poderia deixar de ser, é prospectar, nas lacunas do que a lei cogentemente veda, meios de representar e expandir os interesses de seu cliente. É, portanto, uma perspectiva que atua pro parte. Esta é uma análise clássica das diferenças medulares entre a atividade do advogado e do notário ou do registrador. Diferentemente do advogado, o registrador orienta sua perspectiva no sentido de tutelar interesses singularizados na expressão terceiros. São estes os verdadeiros interessados no filtro purificador do registro. E não só: a própria sociedade - digo-o da organizada - já não pode suportar unicamente mecanismos repressivos no jogo da contratação de adesão. Não é lógico, do ponto de vista social, que a única alternativa que por fim reste aos consumidores se limite a uma longa e custosa demanda judicial para resolver conflitos que poderiam ser evitados numa atuação conseqüente, preventiva, antejudicial, dos registradores. O nosso sistema registral, consentâneo com os melhores do mundo - reconhecidamente até pelo Banco Mundial - exerce um filtro purificador que visa a barrar o acesso de títulos que representem evidente potência de conflitos. É o reconhecimento dessa tensividade (empreendedores X consumidores) que deveria levar a uma reflexão dialética - o que faltou no artigo do combativo advogado paulista. Quanto mais restrita seja a atuação do registrador, potencializa-se exponenciamente a ocorrência de conflitos. É possível uma abordagem estatística que confirma a existência de um sem-número de demandas judiciais propostas com base nessa excrescência nominada de contratos de gaveta ou "instrumentos de padaria", o que seria facilmente obviado por uma atuação firme e responsável do registrador. De outra parte, os limites da atuação dos registradores é questão de política judiciária e já foi, há muito, absorvida pelo sistema brasileiro. A própria LPSU (6766/79) é pródiga na estipulação de estereótipos para conter ou deprimir a autonomia da vontade na contratação oriunda desses empreedimentos. Não há como ignorar que, modernamente, os mecanismos preventivos de conflitos devam ser valorizados, pois o hipertrofismo do Judiciário acarreta incontornavelmente sua ineficiência. E isto não interessa a ninguém. Enfim, considero que os argumentos desenvolvidos para justificar a atuação do registrador na qualificação registral (exame de legalidade) não foram bem compreendidos - ou não foram explicitados numa síntese para lá de apertada. Há um indisfarçável parti-pris travestido de objetividade técnica. De qualquer forma, o debate está lançado. Seria muito conveniente que os editores da Tribuna pudessem abrir as portas do jornal para a contrasteação de seus argumentos.
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
1521
Idioma
pt_BR