Notícia n. 1456 - Boletim Eletrônico IRIB / Março de 2000 / Nº 176 - 04/03/20
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
176
Date
2000Período
Março
Description
Tabelião, oficial de gabinete de JK e compositor frutrado. Artista frustrado no palco da vida - Confira a deliciosa crônica de José Bento Teixeira de Salles, publicada na edição de hoje do Estado de Minas. O saudoso Geraldo Carneiro, amigo e colaborador de Juscelino Kubitschek, foi das personalidades mais atraentes e de mais versátil inteligência que tive a ventura de conhecer. A estes atributos, tinha como hobby a música, que ele cultivava nas horas vagas com a mesma competência com que saboreava uma boa dose de uísque. Quando José Aparecido de Oliveira não era ainda embaixador, promoveu em Conceição do Mato Dentro um pantagruélico e atílico encontro de amigos, entre os quais se incluia Geraldo Carneiro. Simultaneamente, realizava-se na cidade um festival de música popular, de cuja Comissão Julgadora fazia parte Geraldo Carneiro, por indicação pessoal de José Aparecido. O vigário da Paróquia, como coordenador e presidente da Comissão Organizadora, caiu na asneira de vetar o nome do representante da vontade pessoal do atual embaixador, o que levou o assustado sacerdote a retratar-se, alegando que não cortara o nome de Geraldo Carneiro, mas apenas queria saber o curriculum vitae do indicado. Presente ao encontro e já suficientemente calibrado por algumas doses de inspirador uísque, Geraldo Carneiro prontificou-se a prestar as informações pretendidas. E, do alto de sua cátedra, ditou para o padre perplexo: Toma nota aí: Dr. Geraldo Carneiro, odontólogo, oficial de Gabinete do Governador Juscelino Kubitschek, oficial de Gabinete do Presidente da República Juscelino Kubitschek, diretor da Carteira Agrícola do Banco do Brasil, tabelião do cartório tal do Rio de Janeiro ... Fez uma ligeira pausa e concluiu: ... E compositor frustrado . Esta história me acudiu à memória quando li, nos jornais, que o professor Fernando Henrique, ao receber um grupo de artistas, declarou que era um artista frustrado, desde quando Glauber Rocha o convidara para trabalhar no filme Deus e o Diabo na Terra do Sol . Entre a cruz e a caldeirinha, é claro que a ele caberia o papel de diabo, embora se julgue com a infalibilidade de um Deus. Eu bem que andava desconfiado disso. Glauber Rocha sabia das coisas e dos homens, pois foi admirável sua percepção ao antever, há tantos anos, a capacidade artística do sucessor de si mesmo, o nosso FHC. Com efeito, a qualidade fundamental do artista é a capacidade de representar um papel que não é o seu, na realidade, e essa representação é tanto mais brilhante quanto mais sincera e a mistificação posta no desempenho. Trocando em miúdos: o artista é o grande fingidor e, como disse o poeta consagrado, finge tão completamente/que chega a fingir que é dor/a dor que deveras sente . Aí reside, assim, o artista: na sinceridade do fingimento. Neste atributo, poucos brasileiros se igualaram ao nosso imperador. Fingiu durante anos que era professor com tanta competência que os brasileiros acreditaram, piamente, que ele era notável mestre universitário. Passou depois a fingir que era presidente e muitos ainda acreditam que ele o seja. Tartarin de Tarascon dos tempos modernos, mente tanto, e tanto e mais tanto que acabará se convencendo de que é, de fato, o imperador I e único deste reino unido da insensatez que é o Brasil. Comediante vitorioso, é também artista dramático da melhor qualidade. Pelo menos, assim tem se revelado ele, diante da fome, da miséria e da marginalização de milhões de desempregados. A cena é muda. Mas, por ela fala o grito de dor de milhões de desesperados.
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
1456
Idioma
pt_BR