Notícia n. 1444 - Boletim Eletrônico IRIB / Março de 2000 / Nº 174 - 02/03/20
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
174
Date
2000Período
Março
Description
Dr. João Baptista Galhardo: desafetação de bem de uso comum do povo é inconstitucional. - (...) Se não bastasse a emoção do momento, tive a surpresa agradável de encontrar neste dia um amigo de mais de 30 anos, Dr. Hélio Quaglia Barbosa, desembargador, juiz padrão do nosso Tribunal de Justiça. Peço licença para dirigir-me a este amigo de muitos anos e, ao referir-me a Vossa Excelência, homenagear toda a magistratura paulista. (...) Quero também homenagear o Ministério Público do Estado de São Paulo, na pessoa deste simpático e brilhante representante, Dr. José Carlos de Freitas, responsável pelo aprimoramento dos estudos do Direito Urbanístico no Estado de São Paulo. (...) Com referência ao tema desta exposição, lembrei-me de que há muitos anos, o próprio poder público municipal vem tornando irregular, o que nasce regularmente. Refiro-me à insensibilidade administrativa do administrador municipal, quando subtrai do loteamento regularmente registrado aqueles espaços que, em razão do registro do loteamento, passaram para o município como bem do uso comum do povo, conseqüentemente inalienável e de destinação imutável. Ao aprovar o loteamento, deve-se reservar os espaços mencionados no Art. 4º, inc. I, da Lei 6766: praças, ruas. E esses espaços livres, destinados a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, desde o registro passam a pertencer à classe de bens inalienáveis como bens de uso comum do povo. E a Constituição Estadual de São Paulo inseriu, no inc. VII, do Art. 180, a proibição de alteração da destinação originária. Quem já viveu mais de 50 anos sabe muito bem que os espaços livres dos nossos municípios estão desaparecendo. Não consigo entender como é que uma praça pública pode perder a destinação. Por ser praça não pode mudar a sua destinação. Por mais simples que seja, chão batido, cumpre a sua função ambiental urbanística e a sua função social. (...) Esta é também uma forma de loteamento irregular e com a mão da própria administração. Então, o que fazer? O nosso Tribunal de Justiça tem decretado, reiteradamente, a inconstitucionalidade de lei municipal que desafeta um bem de uso comum do povo, entregando para particulares. Há um equívoco de vereadores e prefeitos ao confundirem desafetação legal com desafetação de fato. Até mesmo aqueles que entendem que o dispositivo da nossa Constituição Estadual fere a autonomia municipal não têm condição de sustentar que a desafetação legal deve ser precedida da desafetação de fato. Há necessidade de que o bem de uso comum do povo venha a perder, com exaustiva produção de prova, a sua finalidade originária para que ela possa ser transferida para o particular. Mas, volto a insistir, não encontro razão para se desafetar uma praça. Enquanto for praça, ela tem que ser mantida como tal porque tem a sua função ambiental, urbanística e social. (...) E o que se nota, na prática, é que isso só acontece com os loteamentos humildes. Não vão tirar a praça de um loteamento cinco estrelas, de um loteamento fechado. Ao contrário, vão até conceder o uso privativo daqueles espaços. Atrevo-me até a dizer que a Ação Direta de Inconstitucionalidade, embora alcance a eficácia de decretar a inconstitucionalidade da lei municipal, que vem desafetar o bem de uso comum do povo, não é tão eficiente como a ação promovida no próprio juízo monocrático pelo promotor de justiça porque, em primeiro grau, poderia o promotor de justiça alcançar não somente a anulação daquela alienação feita pelo poder público para particular, não somente obstar uma doação que se ameaça fazer, como também, conseguir antecipadamente muitas tutelas, como interromper construções. É claro que se se tentar a anulação de uma alienação, vai-se questionar a constitucionalidade daquela lei municipal, mas de forma incidental, por via de exceção. O nosso Tribunal decidiu, recentemente, ser possível a ação em primeiro grau. Tendo sido realizada a doação da área com base na referida lei, óbvio que o pedido de anulação do ato vai atingir a própria lei: Decisão. Como foi dito pelo Procurador de Justiça oficiante, a declaração de inconstitucionalidade está sendo pedida apenas de forma incidental e não direta. Ante o expendido, o Ministério Público, por seu órgão de primeiro grau, tem legitimidade ativa, ficando afastada essa argüição. No mesmo sentido e sob os mesmos fundamentos é competente para apreciar e julgar a presente Ação Civil Pública, o Juízo monocrático. Mantém-se, portanto, a respeitável sentença também nessa parte, valendo relembrar o que lá ficou consignado acerca do tema do seguinte teor: ´Ora, se a Lei Maior elege o Ministério Público como defensor do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (Art. 129, inc. III da Constituição da República), obviamente pressupõe a vigência de normas regulando legitimamente tais situações de fato, condição sem o que inexistiriam conseqüências jurídicas e os direitos subjetivos pertinentes.' Com efeito, o Art. 180, inc. VII, da Constituição Estadual, aplicável à espécie, proíbe o município, em qualquer hipótese, alterar a destinação originariamente estabelecida de áreas verdes ou institucionais definidas em projeto de loteamento. Daí a afirmativa correta, no sentido de que a municipalidade não poderá jamais alterar a destinação do imóvel objeto mesmo porque compete com exclusividade à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre Direito Urbanístico (Art. 24, inc. I, da Constituição Federal). Portanto, não há que se falar em inconstitucionalidade do disposto supracitado Art. 180, inc. VII da Constituição Estadual e nem que o mesmo fere a autonomia do município se o município não tinha competência para editar a lei autorizando a doação do terreno, isto é, alterando a sua destinação. Aplicável também, subsidiariamente, no caso, a Lei 6766, de 1979, que também impede alteração ou modificação da área objeto da doação. Com efeito, reprisando, aquela área foi destinada pelo loteador para nela ser localizada uma praça. Se o loteador não podia mudar essa destinação porque o imóvel tornou-se bem público comum do povo, e não somente para os proprietários do lote, a municipalidade por igual também não poderia fazê-lo ante os termos do Art. 180, inc, VII, da Constituição Estadual. É que o bem de uso comum do povo não é do município, é de uma coletividade anônima. Uma coisa é certa: enquanto não se alterar a destinação, não pode ser desafetada. E volto a dizer: não vejo como um espaço livre, destinado a ser praça , pode ser desafetada e ser entregue a particulares.
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
1444
Idioma
pt_BR