Notícia n. 1285 - Boletim Eletrônico IRIB / Janeiro de 2000 / Nº 161 - 12/01/20
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
161
Date
2000Período
Janeiro
Description
A função notarial e as leis de mercado Juan Bolás Alfonso* - Se há algo posto em relevo pela História deste Século que estamos a ponto de abandonar foi a absoluta superioridade dos sistemas sociais organizados tendo por base os princípios de liberdade, face aos sistemas dirigentes e, conseqüentemente, protegidos diante da deletéria busca individual da própria felicidade. Para o notariado, tal como o conhecemos, esta foi, sem dúvida alguma, uma boa notícia. Somente no âmbito de um sistema que ampare as regras da autonomia da vontade, a livre escolha e a auto responsabilidade, é possível que o notário cumpra uma eficaz função social. Precisamente por isso, o Notariado floresceu onde pôde ganhar a confiança dos cidadãos que se percebem livres, tendo fenecido, inexoravelmente, nos lugares em que as pessoas se tornaram subitamente subjugadas. Mas a constatação desta realidade não pode ser motivo tão-só de auto complacência. Deve levar-nos a uma reflexão face aos desafios que o novo século propõe. Hoje, a ameaça ao Notariado – e a sua companheira inseparável, a autonomia e independência do cidadão – não ocorre provocada por qualquer ideologia indicadora de fins que correm à margem dos verdadeiramente anelados pelos particulares. Mas tal ocorre precisamente pelo oportunismo de alguns dos protagonistas da livre iniciativa que, amparados por uma legítima posição de força no mercado, aspiram dela abusar em prejuízo do próprio sistema, inclusive chegando a pretender condicionar a forma em que o Notariado desenvolve sua função. O Notariado, como um dos instrumentos tuteladores da liberdade de contratação e de sua adequação à legalidade, deve perceber com preocupação qualquer intento de desnaturação que traga como conseqüência a postergação dos interesses do consumidor e do contratante débil. O tema é especialmente preocupante, devendo-se advertir que alguns desses intentos, com efeito bem maquilados, adotaram uma roupagem terminológica própria de uma sociedade aberta: liberdade, concorrência, desregulamentação, mas traindo claramente sua finalidade e espírito. E o que é ainda pior: em certas ocasiões, tem conseguido arrastar o bem intencionado mas confuso responsável político à elaboração de projetos que, somente de uma perspectiva que poderíamos qualificar de frívola, podem ter a mínima inserção num mercado verdadeiramente eficiente. O Notariado não pode ter medo da concorrência, entre outros motivos porque este foi sempre o elemento natural em que se tem desenvolvido. Mas o que se deve temer, entretanto, é o intencional esquecimento de sua crucial função pública, criada a serviço de um dos pilares fundamentais da sociedade moderna: a Segurança Jurídica. Ainda que se a avalie tão-só de um estrito ponto-de-vista econômico, com total olvido de sua significação política, mereceria melhor consideração e estudo do que parece encontrar em algumas esferas de responsabilidade. A peculiar configuração da instituição notarial não obedece a qualquer privilégio. Se assim fosse, mais de um século e meio de mercado haveria de denunciá-lo em algum lugar da Europa continental e, sem qualquer dúvida, os caracteres fundamentais da função permanecem inalterados em toda a parte. Assim é pela simples razão de que obedecem a necessidades sociais verdadeiramente sentidas, que descansam na indispensável atividade pública que presta o Notário e que se concretiza – embora não de forma exclusiva – no controle de legalidade e na defesa dos interesses da parte débil e de terceiros não contratantes. Se a proteção de um mercado que se persegue verdadeiramente livre e eficiente nunca impediu as autoridades públicas – e assim deve ser – de adotar as medidas reguladoras e de intervenção econômica necessárias para sua defesa, não se explica por quê não deva seguir tutelando aqueles instrumentos institucionais que, como o Notariado, melhor têm defendido desde sempre dita liberdade. Não se compreende que, abandonados aos azares do mercado, se possam ver impossibilitados, paradoxalmente, de cumprir a função social que sustenta dita proteção. Os gatekeepers – ou controladores de legalidade – que dependem excessivamente de seus clientes, apresentam um elevado grau de riscos. Arriscar o correto funcionamento de uma instituição, que durante décadas demonstrou sua eficiência – à guisa de uma hipotética redução de custos – além de temerário, demonstra a incapacidade de compreender que hoje as opções do legislador se movem exclusivamente entre dois sistemas perfeitamente legítimos, porém absolutamente incompatíveis, sem que seja possível a criação de híbridos que provavelmente o mais longe que poderiam chegar é consolidar os defeitos, de ambos sem as vantagens de qualquer. Por tudo isso, hoje mais do que nunca faz-se necessário um esforço conjunto destinado a explicar o caráter público da função notarial e a sua extraordinária importância social e econômic – ao lado das nefastas repercussões que uma pouco meditada desnaturação possa provocar em prejuízo de alguns dos mais fundamentais valores que uma sociedade verdadeiramente livre deve proteger. * Juan Bolás Alfonso é o Presidente do Conselho Geral do Notariado de Espanha e notário em Madri. Editorial publicado em Notarius International, Vol. 4, 1999, p. 146-250. Tradução Sérgio Jacomino. O título não consta do original.
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
1285
Idioma
pt_BR