Notícia n. 1275 - Boletim Eletrônico IRIB / Janeiro de 2000 / Nº 159 - 09/01/20
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
159
Date
2000Período
Janeiro
Description
APOSENTADORIA COMPULSÓRIA DE NOTÁRIOS E REGISTRADORES Celso Antonio Bandeira de Mello - O consulente, através de decreto expedido pelo Chefe do Poder Executivo Estadual (...) foi nomeado para exercer, vitaliciamente, o cargo de Tabelião de Notas e Protestos (...). Recentemente, o consulente recebeu, da Secretaria da Justiça do Estado de Santa Catarina, formulário a ser preenchido objetivando sua aposentadoria compulsória, porquanto completou setenta anos de idade em 12 de outubro de 1989. Segundo informação emanada da Secretaria da Justiça deste Estado, o consulente está sujeito à aposentadoria compulsória, aos 70 anos de idade, face ao que dispõe o art. 107, da lei n.º 6.745 (Estatuto dos Funcionários Públicos). Os documentos inclusos, ilustram os fatos. Em decorrência do exposto, efetua as seguintes indagações: 1. O consulente, titular em Santa Catarina de serventia de notas (não oficializada), cuja remuneração advém de emolumentos pagos pelas partes, é funcionário público ou tem condição jurídica equivalente da qual resulte aplicar-se-lhe a aposentadoria compulsória prevista no art. 107 do Estatuto dos Funcionários Públicos de Santa Catarina (lei n.º 6.745, de 28.12.85) e no art. 361 do Código de Divisão e Organização Judiciárias do mesmo Estado (Lei n.º 5.624, de 09.11.79).? 2. O disposto no art. 40, II, do Texto Constitucional Brasileiro ou no art. 30, II, da Constituição do Estado de Santa Catarina aplica-se ao Consulente?" As indagações respondo nos termos que seguem. PARECER 1. As questões propostas são de extrema singeleza. Não há a mais remota possibilidade de se confundir titular de Serventia de Notas não oficializada com funcionário público. A disseptação entre ambos é sobremodo evidente. Basta consultar a legislação definidora de funcionário público para se perceber que titulares de serventia de notas não oficializadas são agentes inequivocamente distintos do que, no direito brasileiro, se considera funcionário. Demais disso, um exame da sistematização doutrinária concernente aos diversos agentes estatais revela, já no primeiro relanço, que uns e outros alojam-se em categorias fortemente diferençadas, sendo, cada qual deles, subespécies de grupos de agentes nitidamente diversos. Os primeiros – funcionários – como além se verá, ubicam-se na tipologia de "agentes empregados" ou "agentes administrativos" ou "servidores públicos", conforme a denominação adotada por distintos autores. Nos termos da Constituição Brasileira de 1988, qualificam-se como "servidores públicos civis" (art. 39). Os segundos – titulares de serventias de notas ou de registro – alojam-se na categoria "Agentes delegados" ou "Particulares na execução de função ou serviço público", ou "Particulares em atuação colaboradora com o Poder Público", dependendo da taxinomia utilizada pelos doutrinadores. Segundo o Texto Constitucional vigente, configuram-se como exercentes der atividades "em caráter privado por delegação do Poder Público" (art. 236). De resto, ambos são subespécies de grupos mais genéricos, os quais (grupos) se constituem, eles mesmos, em blocos tipológicos apartados por acentuadas marcas distintivas. 2. No caso, todavia, bastaria uma simples inspeção no regramento legal configurador do funcionário para ressaltar o discrímen entre os dois tipos de agentes referidos na Consulta. Vejamos. No Brasil, a noção de funcionário público é tributária do conceito de cargo público. Sem se saber o que é cargo público não se pode saber o que é funcionário público. Isto porque a lei n.º 1.711, de 28.10.52 – Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União – estatui: "... funcionário é a pessoa legalmente investida em cargo público" (art. 2º). Logo, só se poderá considerar funcionário público quem for legalmente investido no que a lei qualifica de cargo público. E a mesma lei, no mesmo artigo (2º), estabelece que "cargo público é aquele criado por lei, com denominação própria, em número certo e pago pelos cofres da União". Segue-se que funcionários serão apenas e tão somente os investidos nestas unidades indivisíveis que a lei haja criado com o nome de cargo público, atribuído denominação específica, indicado a quantidade determinada e sejam retribuídos pelos cofres da União. Reversamente, não serão funcionários os agentes públicos dos quais não se possa predicar correspondência ao modelo tipológico acima descrito. 3. O que se vem de dizer aplicar-se com rigorosa exatidão ao Estado de Santa Catarina. A lei 6.745, de 28.12.85 – que é o seu Estatuto dos Funcionários Públicos – no art. 1º, dispõe: "Funcionários Públicos, para os fins deste Estatuto, é a pessoa legalmente investida em cargo público criado por lei, de provimento efetivo ou em comissão, com denominação, função e vencimento próprios, número certo e pagamento pelo Erário estadual". Aqui, pois, nem sequer é necessário recorrer à indagação do que seja cargo público, pois, conforme visto, só é funcionário quem estiver investido "em cargo público com .. vencimento próprio ... e pagamento pelo Erário estadual". Logo, o simples confronto da definição legal de funcionário com a situação dos titulares de serventia de notas não oficializada é amplamente suficiente para exibir o fato óbvio de que estes não são funcionários públicos. Com efeito: o funcionário é retribuído pelos cofres do Poder Público. Não o sendo não é funcionário – que assim a lei o estabeleceu. Os titulares de Serventias de Notas e de Registro não oficializadas não são retribuídos pelos cofres do Poder Público, mas por taxas e emolumentos cobrados dos usuários – logo, não são funcionários públicos. Trata-se de conclusão resultante de um elementar silogismo. 4. Impende realçar, ademais, que no caso é tão óbvia a distinção, em face da lei, que se pode flagrá-la, de imediato, extraindo-a simples e diretamente da definição de funcionário, através de um mero confronto. Isto nem sempre ocorre quando se trata de discriminar a espécie funcionário de outras categorias de agentes. Há muitos sujeitos investidos em função pública – e que desenganadamente não são funcionários – os quais, todavia, não podem ser destes apartados mediante simples averiguação do conceito legal de funcionários. Pense-se no caso dos vereadores, secretários de Estado, membros de Tribunais de impostos e taxas e quantos outros que – tal como os funcionários – são providos em cargos públicos, criados por lei, em número certo, com denominação própria e retribuídos pelos cofres do Poder Público, em razão de tais atividades, sem que sejam funcionários públicos. Vale dizer, a noção legal de funcionário público é bastante para discriminá-los de alguns agentes estatais deles diversos – caso dos titulares de serventias não oficializadas – mas é insuficiente para disseptá-los de outros. Por isso se disse que, "in casu", a consulta propôs indagação atinente a espécies cuja distinção é "sobremodo evidente" perante os termos da lei, dado que nem sempre uma inequívoca distinção se apresenta clara e inconfutável diante da definição legal. É que a lei careceu de referir um traço especificador importante para separar o funcionário público de outras categorias não eludidas pelos caracteres a que se reportou: a profissionalidade. Mais adequado teria sido dizer que funcionário é a pessoa que, em caráter profissional, é legalmente investida em cargo público. Cumulados estes atributos com os de cargo público, estaria, aí sim, procedida a correta identificação do funcionário e sua separação de outras categorias de agentes. 5. Foi precisamente tendo em conta a imensa variedade de sujeitos que prestam atividades públicas e às distintas tipologias dos vínculos que entretém com o Estado, bem como às insuficiências de sistematização legislativa na matéria, que doutrinadores se propuseram a desvendar, no sistema jurídico brasileiro, os caracteres permissivos de uma classificação global dos agentes públicos, como a seguir se dirá. Insta sublinhar que também por via destas sistematizações aparece nítida e cristalina a distinção entre funcionários públicos e titulares de serventias não oficializadas. 6. É variadíssima a gama de funções e serviços que assistem ao Estado assim também – e consequentemente – muito diversas são as condições retoras de seus desempenhos e as próprias formas de viabilizá-las. Não há estranhar pois que, da mesma sorte, múltiplas sejam as espécies tipológicas de agentes, aos quais se confira o encargo de externá-las. Para os fins da Consulta, é despiciendo proceder a arrolamento minudente e exame acurado de todas as espécies e subespécies de agentes públicos detectáveis no direito brasileiro. Também é prescindível qualquer demora na análise dos tópicos diferenciais que proporcionam apartá-los. Basta recordar, em linhas gerais, as duas sistematizações aprofundadas que, sobre o tema, se fizeram no direito brasileiro. Alguma detença cabível ocorrerá apenas nos aspectos que interessam diretamente à indagação do Consulente. 7. As sistematizações aludidas são as de OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO e HELY LOPES MEIRELLES. Ao que saibamos, estes foram os únicos doutrinadores pátrios que se propuseram a ofertar modelo classificatório completo, abrangente de todo e qualquer agente preposto ao desempenho de funções públicas. Conquanto não sejam raras remissões doutrinárias à classificação que nós mesmos apresentamos ("in" Apontamentos sobre os Agentes e Órgãos Públicos, Ed. Rev. dos Tribunais, 1973, págs. 3 a 9) cumpre anotar, como então o fizemos, que a sistematização em apreço é, no essencial, a mesma proposta por OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO ("in" Teoria dos Servidores Públicos, Rev. de Direito Público n.º 1, julho-setembro de 1967, págs. 40 e segs. e, posteriormente, com ampla detença, em seus "Princípios de Direito Público", Ed. forense, 1974, vol. II, págs. 287 e segs. e 370). 8. Para OSWALDO ARANHA BANDEIRA DA MELLO as atividades do Estado realizam-se mediante duas ordens de sujeitos: (A) os Agentes públicos, entre os quais se compreendem (a.1) agentes políticos e (a.2) agentes empregados. Os funcionários públicos são uma espécie de agentes empregados (B) os Particulares na execução de função ou serviço público, entre os quais se incluem os (b.1) prestacionistas e (b.2) os delegados de funções ou serviços. Os serventuários públicos de serventias não estatizadas são delegados de função, na qualidade de delegados de ofício público. Para HELY LOPES MEIRELLES, agentes públicos é a expressão genérica e alberga as seguintes espécies: (A) Agentes políticos (B) Agentes administrativos, que conglobam (b.1) servidores públicos da Administração Direita – entre os quais se conclui a subclasse dos funcionários públicos (b.2) servidores autárquicos e (b.3) dirigentes paraestatais (C) Agentes honoríficos e (D) Agentes delegados, entre os quais se ubicam os serventuários de ofícios ou cartórios não estatizados. (Direito Administrativo Brasileiro, Ed. Rev. dos Tribunais, 14ª ed. atualizada pela Constituição de 1988, 189, págs. 66 a 72). 9. Quanto a nós, ao expormos a classificação dos sujeitos que desenvolvem atividade pública ("Apontamentos ..., cit., págs. referidas), utilizamo-nos da expressão genérica "Agentes Públicos" para englobar todas as categorias possíveis, que foram assim divididas (A) Agentes Políticos (B) Servidores Públicos, entre os quais aparecem os funcionários públicos como subespécie e (C) Particulares em atuação colaboradora com o Poder Público. Dentre estes, ao lado de outras subespécies, encontram-se os tabeliães e titulares de serventias públicas não oficializadas. As três sistematizações foram referidas em seu esquema geral, omitindo-se especificações das subdivisões ou suas partições sucessivas, salvo no que se relaciona com os agentes mencionados na Consulta. 10. Como se vê, os três modelos classificatórios (únicos que ambicionaram enquadrar todos os que prestam atividades públicas) – um, fundamentalmente bipartido, outro quadripartido e outro tripartido – distinguem, como tipologias distintas, os titulares de tabelionato ou cartórios não estatizados dos funcionários públicos. E os vêem tão distintos, que não apenas os separam como espécies discerníveis, mas os colocam dentro de blocos fundamentais diversos. É dizer: não os apresentam sequer como espécies ou subespécies paralelas, integradas no mesmo ramo alojam-nos em braços diversos do tronco classificatório. É que, realmente, a disseptação entre uns e outros é muito profunda. 11. Com efeito, os funcionários públicos, tal como os contratados pela legislação trabalhista, como os remanescentes de antigos extra-numerários, como os admitidos na forma de lei especial reguladora do vínculo de trabalho, como os servidores de autarquias, acham-se ligados ao Estado por um vínculo profissional de natureza empregatícia, "lato sensu". Isto é, entretêm uma relação de dependência, de modo a se radicarem na intimidade do próprio aparelho estatal. Prendem-se à organização intestina do Estado e passam a dele fazer parte, como seus integrantes, ubicados no interior do ser jurídico Estado. São figuras internadas no corpo orgânico da pessoa estatal. Daí que as relações entre eles e o Estado são relações internas, operadas no seio da entidade pública. De revés, os titulares de Cartórios e Tabelionatos não estatizados – e a expressão já diz tudo – são agentes exteriores ao todos orgânico formador da máquina estatal são estranhos à unidade subjetivada que há por nome Estado. São alheios à intimidade das parcelas atômicas cuja síntese totalizada coincide com o sujeito estatal. Com efeito, os escrivães de Cartórios de Notas não oficializadas – ao contrário dos funcionários públicos – não residem no interior do corpo estatal. Em suma: não têm relação de índole empregatícia com o Poder Público. Encontram-se à margem do Estado. As relações entre o Estado e estes agentes são relações externas enquanto as relações do Estado com seus funcionários são relações internas. Exercem funções públicas, mas fazem-no por delegação. O Estado lhes comete atribuições próprias, irrogando seu desempenho a quem não integra o ser estatal nem se aloja em suas entranhas. Dessarte, tais atribuições públicas são expressadas exógena e não endogenamente. 12. Ao respeito calham, à fiveleta, averbações bordadas por HELY LOPES MEIRELLES: "Agentes delegados são particulares que recebem a incumbência da execução de determinada atividade, obra ou serviço público e a realizam em nome próprio, por sua conta e risco, mas segundo as normas do Estado e sob a permanente fiscalização do delegante. Esses agentes não são servidores públicos, nem honoríficos, nem representantes do Estado todavia, constituem uma categoria à parte de colaboradores do Poder Público. Nesta categoria se encontram os concessionários e permissionários de obras e serviços públicos, os serventuários de ofícios ou cartórios não estatizados, os leiloeiros, os tradutores e intérpretes públicos, e demais pessoas que recebem delegação para a prática de alguma atividade estatal ou serviço de interesse coletivo (op. cit., pág. 71 – o grito é nosso). OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO, com a profundidade de sua ciência, precisamente ao prevenir o equívoco de considerarem-se tabeliães de notas e outros serventuários com funcionários públicos, rechaça este possível engano, com as seguintes considerações lapidares: "Na realidade, os titulares de ofícios de justiça são titulares de ofícios de justiça são titulares de ofícios públicos, como a própria expressão declara, e, portanto, delegados do poder público para o desempenho de funções de efeitos jurídicos, através das quais o Estado participa em atos dos particulares, em caráter instrumental, mas não como parte diretamente no negócio, objeto de sua participação, porém com o objetivo de garantia e publicidade desse negócio, que interessa a terceiros. Por isso em vez de perceberem vencimentos dos cofres públicos, esses delgados de ofício público recebem, pela atividade jurídica realizada, custas ou emolumentos, pagos pelas partes interessadas. É o caso dos tabeliães de notas, de escrivães e de escreventes de registros públicos, de títulos ou de imóveis, dos escrivães de justiça". E pouco adiante: "A distinção entre o agente público e o delegado de função ou ofício público e o de obra ou serviço público, está em que o funcionário age em nome e por conta do Estado, enquadrado dentro da sua organização administrativa, e o delegado em nome e por conta própria. Por isso aquele recebe o competente estipêndio, pago pelos cofres do Estado, e o último recebe custas ou emolumentos, taxas ou tarifas, dos particulares que auferem os benefícios do exercício das suas atividades, de ordem jurídica ou material, respectivamente"(op. e vol. cits., págs. 367 e 368-389). 13. Aliás, basta o fato de se distinguirem as serventias estatizadas das não estatizadas (habitualmente referidas como oficializadas ou não) para evidenciar-se de modo explosivamente claro, que no caso destas últimas, seus titulares não são funcionários públicos, mas persistem como particulares no desempenho de uma função pública. Por isso de outra feita (op. cit., pág. 9), apostilamos: "Quando a escrivania de justiça não é oficializada, seus titulares e empregados não são funcionários públicos nem se devem considerar a eles assimilados. Os titulares de tais ofícios são ‘particulares em colaboração com a administração’, na condição de delgados de ofício público. Os empregados de tais agentes públicos, salvo se ocupantes de cargos, criados por lei, retribuídos diretamente pelos cofres públicos e nomeados por autoridade integrada nos quadros estaduais, também não são funcionários, mas apenas empregados. Tudo o que foi dito das escrivanias de justiça, seus titulares e auxiliares, "mutatis mutandi", se aplica aos titulares das outras serventias públicas e respectivos dependentes administrativos, como é o caso dos tabelionatos e cartórios de registro, por exemplo. Na matéria, acompanhamos integralmente a precisa lição do professor OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO (v. Teoria dos Servidores Públicos, in RDP, vol. 1, especialmente págs. 52-53)". 14. Pelo quanto se expôs, tem-se como induvidoso que titulares das Serventias não estatizadas são agentes inconfundíveis com funcionários públicos e, demais disso, visceralmente distintos dos funcionários. É, pois, extreme de qualquer dúvida ou entredúvida que o art. 107 do Estatuto dos Funcionários Públicos de Santa Catarina não se aplica ao Consulente. Deveras, o sobredito Estatuto normatiza o regime jurídico dos funcionários públicos e o art. 107 disciplina a aposentadoria dos funcionários públicos. Sendo manifesto e de evidência solar que o Consulente não é funcionário público, resulta incogitável, por falta de qualquer supedâneo lógico, considerá-lo submisso a um regime e a uma aposentadoria que não lhe dizem respeito. Menos ainda seria de imaginar a impositividade do sobredito regramento ao Consulente com fulcro no art. 361 do código de Divisão e Organização Judiciária do Estado. É que a linguagem expressa do dispositivo em questão assinala com limpidez incontendível qual o universo de abrangência de seu comando. "Litterim": "Art. 361 – A aposentadoria dos servidores da Justiça que recebem vencimentos dos cofres públicos é disciplinada pelo Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado, regulando-se a dos demais por lei especial". Ora, o Consulente não recebe vencimentos, nem é dos cofres públicos que lhe advém a remuneração da atividade notarial. O que recebe são emolumentos e quem os versa são as partes. Resulta óbvio, pois, e da mais refulgente obviedade que o art. 361 nada tem a ver com o Consulente. 15. Consideremos agora, a Segunda indagação, que concerne a uma eventual imposição de aposentadoria compulsória, por força da Constituição do País ou da Constituição do Estado de Santa Catarina. Dispõe o art. 40, II da Constituição Brasileira "O servidor será aposentado: I - ...... II – compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de serviço". A simples leitura da regra deixa claro que atina a servidor público e – como adiante se verá – especificamente aos agentes que a Constituição qualificou como "servidores públicos civis", que são os sujeitos ao regime jurídico único previsto no art. 39. Ora, como os titulares das serventias de notas e de registro não são "servidores públicos civis" e sequer "servidores públicos", a aposentadoria compulsória prevista nos artigos 40, II da Lei Magna Federal, não lhes diz respeito. Ou seja: o Consulente nada tem a ver com o preceituado no referido versículo. Este não o colhe. Para demonstrá-lo do modo mais cabal e incontendível, convém recordar a variedade de formas pelos quais o Estado executa ou promove a execução das atividades que lhe correspondem e, consequentemente, a diversidade tipológica dos sujeitos que as exprimem. 16. O desempenho de atividades públicas nem sempre é efetuado diretamente pelo Estado ou mesmo por criaturas estatais. Portanto, nem sempre são servidores do Estado ou servidores das pessoas por ele engendradas que exercitam ditas atividades. Terceiros, titulados pelo Poder Público, também podem ser investidos a qualidade hábil para a prestação de misteres estatais. Assim, ora é o sujeito de direitos Estado quem atua por si mesmo – e neste caso o faz mediante servidores seus, isto é, agentes internos, inclusos na sua intimidade orgânica – ora o Estado recorre à intermediação de outras pessoas jurídicas que ele mesmo cria para auxiliá-lo em seus misteres – e neste caso a atividade é exercida pelos agentes que, em paralelismo com a hipótese anterior, são servidores da criatura ancilar – ora o Estado transfere a particulares o desempenho da atividade pública. É o que sucede na concessão ou na permissão de serviço público – quando se trata de atividade material – e na delegação de ofício público – quando se trata de atividade jurídica. Nota-se que o último caso (concessão, permissão, delegação) é profundamente diverso dos anteriores. Com efeito, quer quando atua diretamente, por si mesmo, quer quando se desdobra em outros sujeitos, que cria para auxiliá-lo, a atividade é operada por agentes que integram o universo subjetivo estatal, isto é que se ubicam naquele complexo aparelhamento composto pela subjetividade do Estado e pelas subjetividades de suas criaturas. Pelo contrário, quando o Poder Público transfere o exercício de atividades de sua alçada a particulares, estas vem a ser desempenhadas por pessoa alheias, estranhas à intimidade do setor subjetivo encarnado no Estado e em suas entidades instrumentais. É evidente, pois, que tais pessoas, tais agentes, não são servidores públicos pois não se alojam nem na intimidade do sujeito de direitos Estado, nem na intimidade de sujeitos de direito do Estado. Encontram-se justamente fora deste complexo, pois, a ser de outro modo, não haveria delegação ou concessão a particulares. 17. É preciso atenção para não misturar dois temas distintos: um, o do tipo de atividade – que é estatal outro, o do tipo de agente que a desempenha, o qual pode ou não ser estatal. Assim, do fato de uma atividade ser pública ou apenas passível de ser exercida pelo Estado (como a atuação suplementar no campo econômico) não se segue que o agente que a desempenha seja servidor público ou estatal. Saber-se se alguém é ou não servidor público depende liminarmente de indagar-se se é ou não integrante de uma das pessoas componentes da constelação de entre estatais. Se não o é, desde logo está excluída a hipótese de que possa ser havido como servidor público, porquanto nem ao menos preenche aquele mínimo obviamente indispensável para alojar-se em tal categoria estar enquadrado no corpo de uma das pessoas que perfazem o sistema de subjetivações desdobrado do Estado. Logo, não lhe dizem respeito as regras concernentes à aposentação do servidor público. Do mesmo modo que a ninguém acudiria imaginar que um concessionário ou permissionário de serviço público fossem aposentáveis nos termos do artigo 40, sob invocação de que seriam servidores públicos, a ninguém pode acudir que os titulares de cartórios de notas e de registro o sejam. Todos são, igualmente, particulares qualificados para prestação de atividade pública e do mesmíssimo modo sujeitos externos ao Estado e entidades governamentais auxiliares. 18. A expressão servidor público, por mais dilatado que seja o sentido que se lhe dê ou que se lhe tenha dado no direito brasileiro, jamais extrapolará aqueles agentes cujo querer é agir é imputado diretamente seja o Estado – sem intermediações – seja às entidades por ele geradas para auxiliá-lo. O fenômeno prende-se, exatamente, ao fato de que as pessoas jurídicas, sendo entidades abstratas, como é óbvio, não tem vontade ou ação, naturalisticamente falando. Daí que é a vontade e a ação das pessoas físicas integrantes de seus órgãos internos que lhes constituem a vontade e a ação. Servidores públicos são estes agentes inseridos na realidade intestina dos sujeitos em causa, pois se constituem na voz e nos braços dos sobreditos sujeitos, já que, sem eles, a pessoa jurídica nada seria além de uma palavra inútil. Então, de direito, o querer e o agir de tais pessoas físicas é atribuído diretamente à pessoa jurídica de que são os inevitáveis portavozes (cf. RENATO ALESSI, Sistema Istituzionale del Diritto Amministrativo Italiano, Giuffrè Ed., 3ª ed., 1960, págs. 80 e segs. CARLO SPOSITO – Organo Ufficio e Soggetività del Uffico, CEDAM, 1932 e nosso Apontamentos sobre os Agentes e Órgãos Públicos, Ed. Rev. dos Trib., 1972,. págs. 61 e segs.). Quem não é expressão direta deste aparelho, quem não se encarta na intimidade dele, mas, pelo contrário, lhe é exterior, evidentemente não é servidor público. Se o Estado recorre a terceiro, a sujeito externo, vale dizer, que está fora de sua órbita subjetiva multiplicada em seus entes menores, é claro que está se valendo de quem não é servidor seu. 19. De resto, inexiste qualquer novidade no reconhecimento de que atividades administrativas são exercidas não apenas pelo Estado e seus entes menores, mas também por particulares e, de conseguinte, nenhuma originalidade há em afirmar-se que, além do servidores do Estado, pessoas estranhas a seu complexo organizativo – e que, então não são servidores públicos – desempenham atividade pública. RENATO ALESSI, depois de observar que a noção de administração pública é uma noção complexa, que ultrapassa a pessoa Estado, anota: "Portanto, na noção de administração pública devem entrar não apenas os órgãos administrativos verdadeiros e próprios do Estado strictu sensu, constitutivos daquela que se costuma chamar administração direta do Estado, mas, além disso, as pessoas jurídicas públicas menores, constitutivas da assim chamada ‘administração indireta’, os quais também eles, se incluem, portanto, como sujeitos ativos da função administrativa, e precisamente como sujeitos auxiliares do Estado: donde serem também denominados como entes auxiliares. Não basta. Além daqueles que são propriamente os entes auxiliares, aos quais se acaba de fazer referência (entes jurídicos públicos menores), o Estado se vale, às vezes, como sujeitos auxiliares de sua ação administrativa, também de sujeitos privados, os quais, ainda que não entrem no âmbito da administração pública de um ponto de vista subjetivo, na medida em que, como se verá, conservam a qualidade de sujeitos privados, conquanto sem dúvida estejam postos na condição de sujeitos (sujeitos auxiliares também eles) de função administrativa. Resumindo: sujeitos ativos da função administrativas são os órgãos administrativos do Estado (administração direta), as pessoas jurídicas menores (administração indireta), além dos particulares investidos de funções administrativas (funções públicas em sentido estrito). Entretanto, somente as duas primeiras categorias constituem aquela que é a administração pública em sentido subjetivo" (op. cit., pág. 38 e 39). Ao tratar destes últimos, páginas adiante, o autor novamente adverte que embora auxiliando a Administração, são sujeitos privados que não integram subjetivamente a Administração. Distingue, entre eles, diversas categorias, como os concessionários de serviços públicos, os que desempenham certas profissões e entre eles os notários etc. Em igual sentido, também colaciona os notários, como exemplo, ENZO CAPACCIOLI (Manuale di Diritto Amministrativo, CEDAM, 1980, págs. 228 a 230). Aliás, esta sistematização é antiga e largamente disseminada. Assim, pode-se encontrá-la também em autores muito anteriores aos citados, como em SANTI ROMANO (Principi di Diritto Amministrativo) e GUIDO ZANOBINI (Corso di Diritto Amministrativo), para mencionar apenas alguns dos mais ilustres e conhecidos entre nós. 20. Acresça-se, agora, que o art. 40 da Constituição Brasileira, tal como o art. 30 da Constituição de Santa Catarina, ao cuidarem da aposentadoria (e, pois, de sua modalidade compulsória) nem ao menos estão reportados à generalidade dos servidores públicos, inobstante sirvam-se da expressão "servidor público" (a primeira) e "servidor" (a Segunda), sem agregar-lhes qualquer restritivo. Uns e outros estão, na verdade, referindo-se a uma espécie de servidores públicos, ou seja: aos servidores da "administração direta, autarquias e fundações públicas", que são os servidores sujeitos ao regime jurídico único de que falam ao art. 39 da Constituição Brasileira e 26 da Constituição de Santa Catarina. Isto é, estão cogitando da aposentadoria daqueles servidores que, na Constituição Federal, são qualificados como "servidores públicos civis". O qualificativo "civis", no Texto Magno do País, não exprime pura e simplesmente uma contraposição ao qualificação "militares" (servidores públicos militares). Não. A designação "servidores públicos civis" – rubrica que abre uma seção específica – serve para identificar alguns dentre os servidores públicos repita-se: apenas os servidores da administração direta, autarquias e fundações públicas precisamente os que deverão se sujeitar ao pré-falado "regime jurídico único", tudo conforme se depreende do mencionado art. 39. Donde, os servidores de empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações governamentais com personalidade de direito privado, embora sejam, também eles, servidores públicos, não são servidores públicos civis. Não pertencem a esta espécie. A eles não se aplica o artigo 40 da Constituição Federal ou o art. 30 da Constituição de Santa Catarina. Com efeito, por terem regime basicamente trabalhista, sua aposentação efetua-se em bases distintas. Não fazem jus, "exempli gratia", à retribuição integral na aposentadoria por tempo de serviço (art. 40, III, "a", da C.F. e 30, III, "a", da Constituição de Santa Catarina). Sua aposentação se dá nos termos das leis providenciarias. Aliás, note-se que os artigos referidos usam sempre a palavra "proventos", terminologia própria do regime estatutário e que designa o correspondente aos "vencimentos", que é retribuição devida ao pessoal estatuário na ativa. É visível, pois, por mais esta razão, o descabimento total de imaginar-se que dispositivos específicos para os servidores públicos civis (art. 40 e 30, notadamente incisos II, das Constituições Federal e Estadual, respectivamente) sejam aplicáveis aos titulares de Serventia de Notas, já que estes não são servidores públicos civis e nem ao menos servidores públicos. 21. Em síntese: múltiplos e variados são os cometimentos da alçada do Estado e diversas podem ser, também, as formas de viabilizá-los. Tanto pode o Poder Público dar-lhes efetivação por obra própria, como pode fazê-lo valendo-se de terceiros. Ora o Estado age por via de seu corpo orgânico, ora cria pessoas, de si mesmo fracionadas e coparticipantes da mesma seiva pública (como as autarquias), ora modela criatura concebidas de acordo com o esquema privado (empresas públicas, sociedades mistas), ora transmite a particulares titulação para explorarem obra ou serviço público ou, ainda, exercitam ofício (função) público. Quando atua por seu próprio corpo orgânico vale-se, entre outras tipologias de agentes, dos servidores públicos. Quando atua transmitindo a particulares encargo ou ofício públicos, os agentes do desempenho para o qual foram titulados pelo Poder Público são, à toda evidência, radicalmente distintos dos servidores públicos. Estes titulares agem debaixo das condições estatuídas pelo Estado e irão se remunerar de acordo com as normas estatais pertinentes, mas não perceberão do Estado. Remuneram-se através do encargo ou ofício prestados aos administrados. Não é o Estado quem os retribui, mas os próprios indivíduos que se servem da atividade pública por eles prestada. Assim se passa com os concessionários e permissionários de serviço p
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