Notícia n. 1263 - Boletim Eletrônico IRIB / Janeiro de 2000 / Nº 158 - 08/01/20
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
158
Date
2000Período
Janeiro
Description
Superior Tribunal de Justiça decide pela obrigatoriedade do registro do contrato de alienação fiduciária em garantia de veículos, como condição prévia para emissão do Certificado de Propriedade de Veículos Frederico Henrique Viegas de Lima - Advogado e Professor da Universidade de Brasília Marcelo Ribeiro de Oliveira - Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília - A Associação dos Notários e Registradores da Paraíba interpôs Recurso Especial 226856/PB face à decisão na Apelação em Mandado de Segurança n.º 98.001319 – 6, da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, que cassou a sentença proferida nos autos do Mandado de Segurança da Terceira Vara de Fazenda Pública daquele Estado. A questão em tela versou a respeito da necessidade de o Departamento Estadual de Trânsito da Paraíba exigir, para averbar contratos de alienação fiduciária em garantia no Certificado de Registro de Veículo, a apresentação do referido contrato devidamente registrado no Serviço de Títulos e Documentos do domicílio do credor. A r. decisão de primeiro grau, adotando o melhor entendimento deslindou a questão da seguinte forma: "Enfim para se ter eficácia contra terceiros, o instrumento de alienação fiduciária em garantia de veículo automotor deve ser transcrito no Registro de Títulos e Documentos e também constar do certificado do serviço de trânsito." Houve por bem, no entanto, a Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Paraíba, retirar a responsabilidade do recorrente de exigir o registro do contrato no ofício de registro de documentos, atribuindo esta necessidade de pedir o registro tão somente a particulares como se extrai da ementa: "A inscrição do instrumento de alienação fiduciária no Registro de Títulos e Documentos é obrigação legal ditada aos particulares, sob a cominação de não valer, o contrato contra terceiros. – Tratando-se uma garantia para o contrato, somente os contratantes caberá a iniciativa de pedir o registro, vedado ao Estado, por qualquer dos seus órgãos ou agentes com funções estatais, exigir, de ofício, o cumprimento do procedimento pelos particulares." O entendimento esposado pelo Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba não é o mais acertado, por implicar, inequivocamente, violação à lei federal e conflito jurisprudencial, como acertadamente demonstrou a decisão do Superior Tribunal de Justiça, como será visto a seguir. O Decreto-lei n.º 911/69, que veio a dar autonomia legislativa ao instituto da alienação fiduciária em garantia de coisa móvel, deu nova redação ao art. 66, da Lei n.º 4.728/65 (Lei de Mercado de Capitais), tendo o parágrafo primeiro, do referido dispositivo, a seguinte redação: A alienação fiduciária somente se prova por escrito e seu instrumento, público ou particular, qualquer que seja seu valor, será obrigatoriamente arquivado, por cópia ou microfilme, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do credor, sob pena de não valer contra terceiros,........................................................ Se há disposição legal obrigando o arquivamento do referido contrato, não há como se admitir a alegação de que esta obrigação deve ser imposta tão somente aos contratantes. Não obstante, o acórdão impugnado tentou atribuir a prerrogativa de facultatividade aos contratantes de se proceder ao registro, enquanto a lei expressamente menciona a obrigatoriedade de se fazê-lo. Sem o registro, não há constituição de direito real, que é propriedade fiduciária, porquanto não há oponibilidade a terceiros. De que vale o contrato? Como poderá o Detran dar os Certificados de Registro de Veículos sem a respectiva averbação? Não exigir o registro causará uma das duas situações: ou inviabilizará o serviço do órgão, segundo os ditames legais, ou deixará o expediente do referido órgão maculado de ilegalidade. A doutrina em nada destoa do trazido. O eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal, o Professor Moreira Alves assevera o que se segue: "antes do registro o contrato de alienação fiduciária em garantia é apenas um título de constituição da propriedade fiduciária, que ainda não nasceu, porquanto seu nascimento e depende do competente registro desse título. E se não havendo constituído, ainda a propriedade fiduciária, inexiste para o credor, garantia real..." (ALVES, José Carlos Moreira. Da Alienação Fiduciária em Garantia. 3ª ed. Rio de Janeiro : Forense, 1987, p.81). No mesmo sentido, o acórdão impugnado também implicou violação ao art. 130 da Lei n.º 6.015/73, que expõe a necessidade de se registrar em ambas circunscrições, na hipótese de os contratantes morarem em localidades diversas. Além destas considerações, há de se observar que o legislador dá um prazo para se efetuar o registro. Como se negar, então, a obrigatoriedade de se efetuar o mencionado ato? Também é de lembrar que a atividade do Detran, como longa manus do Estado, deve ser estritamente vinculada. Já se demonstrou que admitir a tese posta no acórdão atacado implica violação a leis citadas. Se esta asserção não fosse bastante, onde está a legislação que autoriza ao Detran dispensar a exigibilidade do registro? A respeito da atividade vinculada, valioso é o trabalho do administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello: "Atos vinculados são os que a Administração pratica sem margem alguma de liberdade para decidir-se, pois a lei previamente tipificou o único possível comportamento diante de hipótese prefigurada em termos objetivos: licença para edificar a aposentadoria, a pedido, por completar-se o tempo de serviço do requerente." (MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 10ª ed. Malheiros : São Paulo. p. 262). Além das explícitas violações aos textos legais, a decisão impugnada colide cabalmente com a orientação desta corte extraordinária nos autos do Recurso Especial n.º 34.957/SP. Confira-se a ementa: "ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BOA FÉ. VEÍCULO AUTOMOTOR Para a proteção do terceiro adquirente de boa-fé, é indispensável o registro da alienação fiduciária no ofício de títulos e documentos e no certificado pela repartição de trânsito." (Quarta Turma, Ministro Relator Ruy Rosado de Aguiar, julgado em 25.10.1994, DJU de 21.11.1994)" Traz-se este precedente de divergência jurisprudencial a título meramente ilustrativo. A matéria em questão se encontra sumulada por esta Corte, como se infere do verbete de número 92: "A terceiro de boa-fé não é oponível a alienação fiduciária não anotada no Certificado de Registro de Veículo automotor." Em igual sentido, confira-se o seguinte excerto: "A alienação fiduciária, tratando-se de veículo automotor, há de ser consignada no respectivo certificado de registro, como determina o §1º da, do art. 66, da Lei 4.728/65. Não basta o arquivamento no registro de títulos e documentos, ao contrário do que sucede com outros bens". (RSTJ 34/436). Observe-se que a controvérsia advinda na ementa anterior seria em relação à necessidade do Certificado de Registro de Veículo, tendo-se como incontroverso o fato da necessidade de se arquivar no Registro de Títulos e Documentos. Se não suficiente fosse a pacífica orientação deste Tribunal neste sentido, tendo a matéria sido inclusive sumulada, há de se verificar que o Supremo Tribunal Federal também consolidou entendimento no sentido da necessidade de se efetuar o registro: Súmula 489. A compra e venda de um automóvel não prevalece contra terceiros, de boa-fé, se o contrato não foi transcrito no Registro de Títulos e Documentos. O Ministro Pedro Chaves, nos Embargos em Recurso Extraordiário 51.952, um dos precedentes que levou à produção desta Súmula, assim asseverou: "A exigência de inscrição no registro público dos títulos translativos da propriedade de automóveis resultou das peculiaridades desse comércio. O automóvel, além de ser bem de alto valor, é facilmente removível, circunstâncias que impuseram cautelas e normas especiais por parte do legislador." Em suma, no Recurso Especial 226.856/PB, buscou-se ver cumprida as disposições insertas no Decreto-lei n.º 911/69, visando a satisfazer o interesse público, de dar segurança ao cidadão adquirente de veículo automotor. Além de obediência ao princípio da legalidade, não pode o Detran – PB se afastar de seu mister garantidor da mencionada segurança ao cidadão, devendo qualquer decisão judicial em contrário, como o caso do acórdão impugnado, ser afastada. Deste modo, a decisão do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 226.856/PB se mostrou totalmente acertada ao acolher estes fundamentos, seja por garantir a vigência e respeito aos diversos dispositivos legais, ora apresentados, seja por dirimir a controvérsia jurisprudencial desse Tribunal.
Direitos
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Article Number
1263
Idioma
pt_BR