Notícia n. 1191 - Boletim Eletrônico IRIB / Dezembro de 1999 / Nº 150 - 12/12/1999
Tipo de publicação
Notícia
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Edição
150
Date
1999Período
Dezembro
Description
INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI URBANÍSTICA 11.773/95 DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. - Despacho. O Município de São Paulo, com fundamento no art. 4° da Lei 8.437/92, requer a suspensão da execução da liminar deferida por força de provimento do agravo regimental interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 45.352.0/5 da Lei municipal 11.773/95. Sustenta o requerente, em síntese, o seguinte: a) o art. 4° da Lei 8.437/92 "é propositadamente amplo para admitir a suspensão de liminar, que concedida em qualquer procedimento possa acarretar lesão ao interesse público", sendo certo que a expressão "ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes" abrange, também, a ação direta de inconstitucionalidade, sendo o rol contido no art. 4°, § 1°, da referida lei meramente exemplificativo b) o interesse jurídico do Município de São Paulo é patente e manifesto, dado que a lei inquinada de inconstitucional é de suma importância para a política habitacional do município, mormente porque visa à resolução do problema social oriundo da favelização c) a competência do Supremo Tribunal Federal decorre dos termos contidos na própria inicial da ação direta de inconstitucionalidade, propensos, inclusive, à admissão futura de recurso extraordinário, sendo certo que a fundamentação deduzida na referida peça e no agravo regimental em tela "traz dispositivos tirados da Constituição Estadual, que em alguns casos repete preceito da Constituição Federal d) a manutenção da liminar em apreço acarretará grave e inevitável lesão à política habitacional para a população de baixa renda, com reflexos imediatos à ordem, à saúde e à economia públicas e) o Federalismo brasileiro à luz da nova ordem constitucional sobreleva que o município juridicamente interessado na lei não pode ser excluído da participação no respectivo processo legislativo, ainda que a ação direta de Inconstitucionalidade de lei municipal seja aforada perante o Tribunal de Justiça Estadual f) a ocorrência do fumus boni iuris, pelos motivos a seguir: f.1) carência da ação, dado que os dispositivos em que se apoia o Ministério Público do Estado de São Paulo autor da ADIn em tela, "não se aplicam, em absoluto, ao Município" f.2) constitucionalidade da Lei municipal 11.773/95, uma vez que se trata de lei urbanística de mesmo nível hierárquico que as atualmente vigentes, tendo criado apenas mecanismo de participação da iniciativa privada na edificação, em legítimo exercício da competência municipal legiferante sobre a matéria. g) a existência do periculum in mora consubstanciado na grave lesão à política habitacional do município e, por conseguinte, à ordem, saúde e economia públicas, dado que qualquer óbice ao seguimento da lei em tela "implicará em impacto social com lamentáveis conseqüências para a população que reside em habitações sub-normais, as favelas". O eminente Procurador-Geral da República, Professor Geraldo Brindeiro, opina pelo não conhecimento da presente petição. Em 15.01.99, no exercício da presidência do Supremo Tribunal Federal, não conheci do presente pedido, determinando seu arquivamento, sobre o fundamento de que "a citada Lei 8.437/92 não confere, ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, competência para suspender liminar concedida pelos Tribunais de Justiça em ação direta de inconstitucionalidade proposta com base no art. 125,§ 2°, da Constituição Federal". Contra referida decisão, o Município de São Paulo interpôs agravo regimental, com pedido de reconsideração, fundado no art. 317 do R.I./S.T.F., sustentando, em síntese, "a plena adequação da presente medida" e sua legitimidade. O eminente Ministro Celso de Mello, então Presidente desta Corte, deferiu o pedido de reconsideração mencionado e determinou, "em conseqüência, o trânsito, no Supremo Tribunal Federal, da presente causa, restando prejudicada a tramitação do recurso de agravo interposto", bem como a oitiva dos eminentes Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo e Procurador-Geral da República, nos termos do art. 4°, § 2°, da Lei 8.437/92. O Dr. Luiz Antônio Guimarães Marrey, eminente Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, requereu, em preliminar, o não conhecimento do presente pedido e, no mérito, o indeferimento da petição. Por sua vez, o Prof. Geraldo Brindeiro, eminente Procurador-Geral da República, opinou, em preliminar, pelo não conhecimento do pedido aqui deduzido e, instado a se manifestar sobre o mérito, opinou pelo indeferimento da presente petição. À fl. 504 determinei que o requerente informasse o andamento da ADIn em questão, o que foi cumprido às fls. 506/534, consignando a oposição de embargos de declaração contra o acórdão em tela, os quais preliminarmente, foram conhecidos para inserir o Município de São Paulo no pólo passivo da ação e, no mérito, rejeitados. Autos conclusos em 12.7.99. Decido. Destaco do parecer do eminente Procurador-Geral da República, Prof. Geraldo Brindeiro: "(..) 2. A teor da decisão de Vossa Excelência, foi acolhido o pedido de reconsideração formulado pelo Município de São Paulo, determinando-se, em conseqüência, o prosseguimento da petição epigrafada perante esse colendo Supremo Tribunal Federal, ao fundamento de que a competência monocrática do Presidente do Supremo Tribunal Federal, na hipótese de pedido formulado com base no art. 4° da Lei n° 8.437/92, somente ficará caracterizada, se se reconhecer que também incumbe, à Suprema Corte, o conhecimento do pertinente recurso extraordinário interponível contra a decisão final que vier a ser proferida pela Corte Judiciária local, haja vista ser aquela competência uma necessária derivação da competência recursal daquele Tribunal. 3. Anotou, ainda, Vossa Excelência que "torna-se evidente, ao menos em tese, o pleno cabimento de recurso extraordinário, para o Supremo Tribunal Federal, contra o julgamento final a ser realizado, no caso ora em exame, pelo E. Tribunal de Justiça paulista", já que "os temas que emergem do processo em curso no Tribunal local qualificam-se como matéria de direito constitucional federal, circunstância esta que viabiliza, sem qualquer dúvida, a utilização da via recursal extraordinária, consoante tem enfatizado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 147/404 - RTJ 152/371-373 - RTJ I55/974, v.g.)." 4. Entretanto, a causa principal não comporta, data vênia, o cabimento de recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, não subsistindo, por conseguinte, a competência monocrática do Presidente daquele Tribunal como derivação da respectiva competência recursal extraordinária. 5. É que, na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal citada por Vossa Excelência na r. decisão, o cabimento do recurso extraordinário contra acórdão prolatado em sede de ação direta de inconstitucionalidade aforada originariamente em Tribunal de Justiça local depende, necessariamente, da adoção, como parâmetro de controle abstrato, de norma constitucional estadual de reprodução obrigatória ou observância compulsória do texto da Carta Federal, além, por óbvio, da circunstância de a interpretação da Corte Estadual contrariar o sentido e o alcance da Constituição da República. Tal entendimento restou assentado de forma esclarecedora no r. despacho que Vossa Excelência prolatou quando do julgamento da Petição n° 1.654-MG, cujo excerto pedimos vênia para fazer transcrever, ante sua irrepreensível propriedade técnica, verbis: 'Cabe relembrar, a esse propósito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que tem reconhecido a legitimidade da instauração, perante qualquer Tribunal de Justiça, do processo de fiscalização normativa abstrata de leis ou atos normativos estaduais ou municipais questionados em face da Carta Estadual, mesmo que esta reproduza, no ponto, princípio de observância compulsória inscrito na própria Constituição da República, admitindo-se, em tal especifica hipótese, a possibilidade de controle recursal extraordinário por esta Suprema Corte (RTJ 152/371-373).' 6. Veja-se por todos, na doutrina, o magistério do il. Professor Gilmar Ferreira Mendes (in Controle Abstrato de Normas no âmbito do Estado-membro e Recurso Extraordinário - DCAP - Direito Administrativo n° 4, Abril/98, pág. 21): 'Mais séria e complexa revela-se a indagação sobre o cabimento de recurso extraordinário na hipótese de o Tribunal de Justiça, em ação direta de inconstitucionalidade, adotar interpretação de norma estadual de reprodução obrigatória, que, por qualquer razão, se revele incompatível com a Constituição Federal. Ora, se existem princípios de reprodução obrigatória pelo Estado-membro, não só a sua positivação no âmbito do ordenamento jurídico estadual, como também a sua aplicação por parte da administração ou do Judiciário estadual pode-se revelar inadequada, desajustada ou incompatível com a ordem constitucional federal. Nesse caso, não há como deixar de reconhecer a possibilidade de que se submeta a controvérsia constitucional estadual ao Supremo Tribunal Federal, mediante recurso extraordinário. 7. As normas constitucionais estaduais adotadas como parâmetro na ação direta de inconstitucionalidade, onde foi deferida a liminar cuja eficácia busca o Município de São Paulo suspender, são os arts. 5°, parágrafo 1° e 181, caput, da Constituição do Estado de São Paulo, assim redigidos: 'Art. 5°........... Parágrafo 1°- É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições. Art. 181 - Lei municipal estabelecerá em conformidade com as diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, 'índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes.' 8. Conforme se pode vislumbrar, os dispositivos em enfoque não consubstanciam normas de reprodução obrigatória ou de observância compulsória do texto da Constituição Federal, mas, ao revés, inserem-se na competência constitucional residual do Estado, sem embargo de eventual vício de invalidade, em face da Constituição Federal, que possa vir a contaminar o art. 181, caput. 9. Com efeito, o parágrafo 1° do art. 5° veda a qualquer dos Poderes delegar atribuições, ao contrário da Constituição Federal que admite a delegação de atribuições, como no caso das leis delegadas, por exemplo. A seu turno, o caput do art. 181 também não é de observância compulsória pelo Estado de São Paulo, quanto mais porque revela, por certo, validade jurídico-constitucional duvidosa, na medida em que materializa hipótese de tratamento pelo legislador constituinte decorrente de assunto que a Constituição Federal reservou privativamente ao Município, a teor do disposto no art. 30, Vlll, da Constituição Federal. Vale dizer, da norma sobressai vício de inconstitucionalidade formal, sucedendo a impossibilidade de se vir a caracterizá-la como norma de reprodução obrigatória da Carta da República. Raciocínio contrário importaria em admitir a ocorrência de norma da Constituição Federal inconstitucional, o que já mereceu a devida repugnância, tanto da doutrina quanto da jurisprudência desta Corte Suprema. 10. Demonstrada a inviabilidade do recurso extraordinário contra a decisão que vier a tomar o Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, eis que as normas constitucionais adotadas como parâmetro de controle não reproduzem obrigatoriamente as normas da Constituição Federal, forçosa a conclusão de que não se há como reconhecer competência monocrática do Presidente do Supremo Tribunal Federal, como derivação da competência da corte para o processo e julgamento do recurso extraordinário (art. 102, III, CF), para conhecer de pedido formulado pelo Município de São Paulo, com fundamento no art. 4° da Lei n°8.437/92. 11. Por outro lado não se pode deixar de emprestar relevância ao argumento, já tecido no parecer ministerial antes exarado nestes autos, de que a hipótese de suspensão da execução de liminar se circunscreve ao âmbito das ações movidas contra o Poder Público em que haja interesses subjetivos concretos subjacentes, parecendo-nos correto o entendimento, que aliás mereceu a adesão do Eminente Ministro Carlos Velloso, de que a ação direta de inconstitucionalidade, por revelar a natureza jurídica de processo objetivo, sem partes, onde não se discute relação jurídica concreta, não comporta qualquer espécie de execução, donde não se pode concluir pela possibilidade jurídica de suspensão de eficácia de liminar deferida em processo de fiscalização abstrata de leis ou atos normativos. (...)" . O eminente Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo opina da mesma forma pelo não cabimento do pedido de suspensão. Destaco do seu parecer, no mérito: "( ..) 18. Ora, a Lei Municipal n° 11.773, em evidente conflito com essas noções, delegou ao Poder Executivo a competência para alterar índices urbanísticos e características de uso e ocupação de solo. Ou seja, permitiu mudanças nas normas de zoneamento da cidade de São Paulo mediante ato administrativo (um simples alvará), quando tais normas só podem ser fixadas e alteradas por lei, como expressamente previsto no artigo 181 da Constituição Paulista. 19. Daí ser a referida lei inconstitucional. E o confronto é evidente pois, se a Constituição reservou à lei o tratamento dessa matéria, não pode norma infraconstitucional, contrariando aquela disposição, atribuir ao Poder Executivo competências que ele não tem. Como adverte Arnold Wald, o "Poder Executivo não tem poderes, nem pode vir a tê-los, para modificar os ditames legais orientadores da disposição urbanística da urbes " (em "Lei de Zoneamento Urbano - Competência Exclusiva do Legislativo Municipal - Delegação de Poderes ao Executivo", Revista Trimestral de Direito Público 8/46). 20. Por conta disso, a lei em exame ofende, também, o § 1° do artigo 5° da Constituição do Estado, que veda, expressamente, a delegação de atribuições de um Poder a outro. Trata-se de regra de proteção ao princípio da separação entre os Poderes, que estaria ameaçado caso fosse possível a delegação. A idéia perderia todo seu sentido. De fato, se a Constituição, ao dividir o Poder – atribuindo funções a seus órgãos -, visa precipuamente proteger a esfera jurídico-subjetiva dos indivíduos, então estes estariam sendo fraudados caso fosse possível, por ato infraconstitucional, a delegação dessas funções. E, se a divisão de poder significa "responsabilidade pelo exercício do poder" (cf. J.J. Gomes Canotilho, em "Direito Constitucional ", ed. Almedina, 6ª ed., 1995, p. 365), a delegação expressaria intolerável negligência com as funções constitucionalmente deferidas aos órgãos do Estado. 21. Sobre isso ensinou Geraldo Ataliba que "o Texto Supremo deu ao Congresso Nacional o poder-dever de legislar É sua obrigação fazê-lo. Não pode exonerar-se nem direta, nem indiretamente de tal função. É-lhe, peremptoriamente, vedado delegá-la, salvo explícita autorização constitucional. As delegações só podem existir, em nosso sistema, com estrita observância do preceito pertinente da Constituição" (em "Delegação Normativa", RDP 98/50). E não é outra a lição de Michel Temer: "Nenhuma norma infraconstitucional pode subtrair competências que foram entregues pelo constituinte" (em "Elementos de Direito Constitucional", RT, 7ª ed., 1990, p. 117). 22. Assim, não pode o Poder Legislativo Municipal delegar sua função de legislar sobre matéria urbanística, pois esta função foi-lhe conferida pela Constituição. Revela-se aí, portanto, a inconstitucionalidade da Lei n° 11.773/95, do Município de São Paulo: se o artigo 181 da CE atribuiu à lei municipal o trato de matéria urbanística, inclusive normas de zoneamento, não podia essa atribuição ser delegada, como o foi, ao Executivo. Afrontou-se, claramente, o § 1° do artigo 5° da Constituição Paulista. 23. Diante do exposto, requeiro não seja conhecido o presente pedido de suspensão de medida liminar, e, no mérito, seja indeferido." Têm razão os eminentes Procurador-Geral da República e Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, quando sustentam o não cabimento do pedido de suspensão da liminar concedida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo na ação direta de inconstitucionalidade aforada com base no art. 125, § 2°, da Constituição Federal. Com efeito. O pedido de suspensão foi feito com base no art. 4° da Lei 8.437, de 1992, que dispõe que "compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas." Acontece que a citada Lei 8.437/92 cuida de ações que se desenvolvem num processo subjetivo. Confira-se, a propósito, o disposto nos artigos 1°, 2° e 3°. Ora, a ação direta de inconstitucionalidade desenvolve-se num processo objetivo e tem por finalidade a defesa da ordem jurídico-constitucional. Na ação direta de inconstitucionalidade não há falar em direitos subjetivos. Quando a Lei 8.437/92 quis cuidar de liminar concedida em ação objetiva - ação popular e, em certos casos, ações civis públicas - ela foi expressa: art. 1°, § 2° art. 2°, art. 4°, § 1°. O § 1° do art. 4° manda aplicar o disposto no caput do art. 4° à sentença proferida no processo de ação popular e na ação civil pública. Em suma, a disposição inscrita no art. 4° da Lei 8.437/92 não tem aplicação no processo objetivo da ação direta de inconstitucionalidade. Há mais. O recurso extraordinário somente é cabível, fala-se em tese, contra decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade do art. 125, § 2°, da C.F., quando a mesma contrariar dispositivo da Constituição Estadual que reproduz, obrigatoriamente, dispositivo da Constituição Federal. No caso, ao que parece, não ocorre a hipótese. E se ocorresse, nem assim seria cabível o pedido de suspensão da liminar, dado que inexiste norma legal que o autorize. Reporto-me ao que acima foi exposto. Do exposto, reitero a decisão que proferi às fls. 423/424, pelo que não conheço do pedido e determino o seu arquivamento. Publique-se. Brasília, 9/8/99. Ministro Carlos Velloso, Presidente (Petição nº 1.543-SP Informativo STF 158 16 1 20/08/99 Decisão publicada no DOU de 17/8/99)
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Article Number
1191
Idioma
pt_BR