Notícia n. 1187 - Boletim Eletrônico IRIB / Dezembro de 1999 / Nº 149 - 07/12/1999
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
149
Date
1999Período
Dezembro
Description
Para que o caso Encol não se repita MELHIM NAMEM CHALUB - Apesar de conter importantes mecanismos de proteção do adquirente de imóvel, o direito positivo brasileiro deixa à mostra a vulnerabilidade do comprador de imóvel em construção quando vem a falir o incorporador. Essa vulnerabilidade foi exibida com a máxima nitidez recentemente, quando da falência da Encol, causa da paralisação de quase 700 obras, e de riscos e incertezas para os direitos aquisitivos ou creditórios de cerca de 42 mil famílias. Observe-se por exemplo que, pela Lei das Incorporações, os adquirentes "serão credores privilegiados" se não for possível prosseguir a obra e, portanto, deverão habilitar seus créditos e submeter-se a todo o processamento da falência para tentar reaver o dinheiro que pagaram. Poderão ficar a ver navios, pois, na apuração dos resultados da falência, sabe-se lá se haverá sobra de dinheiro e quando haverá de sobrar! Seja como for, os prejuízos dos adquirentes são irreparáveis ou de difícil reparação. A idéia mais efetiva para solucionar esses problemas é a segregação patrimonial, pela qual cada incorporação imobiliária passaria a ser caracterizada como um patrimônio de afetação. Por esse meio, a incorporação ficaria isolada do patrimônio geral do incorporador e se tornaria imune aos efeitos de eventual falência desse empresário. A função da afetação é estabelecer uma finalidade específica para determinados bens e os meios para consecução dessa finalidade. No caso de uma incorporação, a afetação segrega os bens e direitos relativos a determinado empreendimento e tem por finalidade viabilizar a conclusão da obra, com a entrega dos imóveis aos adquirentes e o cumprimento das obrigações vinculadas especificamente àquela obra. Essa idéia está presente no truste e constitui elemento essencial dessa figura do direito anglo-saxão, operando como mecanismo de extrema utilidade para realização de inúmeros negócios e em múltiplas situações. É o caso dos fundos de investimento. Como se sabe, por efeito de afetação, os bens que integram a carteira de um fundo de investimento não se confundem nem se comunicam com o ativo da instituição administradora do fundo. Assim, a eventual falência ou liquidação extrajudicial dessa instituição não afeta os direitos dos titulares de cotas do fundo. Vindo a falir a instituição administradora, os investidores a substituem. O mecanismo ajusta-se perfeitamente às incorporações imobiliárias, ou seja: cada empreendimento imobiliário passaria a constituir um patrimônio autônomo, passando a ser tratado como que uma "empresa" independente e, assim, os créditos trabalhistas, previdenciários, fiscais, de financiamento para obra até estariam vinculados especificamente a cada empreendimento. Com isso, na hipótese de quebra, o concurso dos credores haveria de circunscrever-se ao empreendimento a que os créditos estivessem vinculados, de modo que seus valores não sejam diminuídos por efeito de intercomunicação de dívidas constituídas pela incorporador. Esse mecanismo de garantia, entretanto, depende de expressa previsão legal e deveria contemplar pelo menos os seguintes aspectos: 1.Constituição do patrimônio de afetação concomitantemente com o registro do memorial de incorporação, no Registro de Imóveis 2. Contabilidade separada para cada incorporação (como, aliás, as grandes incorporadoras já fazem hoje, e como já existe nos fundos de investimento) 3. Imediata investidura dos adquirentes na administração da incorporação, uma vez decretada a falência do incorporador, devendo os condôminos realizar assembléia geral em 60 dias a deliberar sobre o destino daquele patrimônio de afetação (por maioria simples, os adquirentes podem decidir pela continuação da obra, se isso se mostrar conveniente, ou pela venda do acervo, rateando entre si o produto dessa venda) 4. Leilão, em 30 dias da decretação da falência, das unidades que não tiverem sido negociadas pelo incorporador, sub-rogando-se o novo adquirente (arrematante) nos direitos e obrigações de condômino (isso é fundamental). A adoção desse mecanismo implica, obviamente, ampla revisão conceitual no campo de direito de propriedade, mas é preciso avançar urgentemente nesse sentido para suprir as lacunas do direito positivo, na medida em que a realidade vem mostrando a extraordinária dimensão dos prejuízos que a eventual falência do incorporador causa aos adquirentes de imóveis. (Artigo publicado originalmente no Jornal do Brasil de 2/12/99, cedido para publicação neste espaço pelo autor).
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
1187
Idioma
pt_BR