Notícia n. 1112 - Boletim Eletrônico IRIB / Novembro de 1999 / Nº 145 - 16/11/1999
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
145
Date
1999Período
Novembro
Description
REGULARIZAÇÃO DO PARCELAMENTO DO SOLO Ex-Juiz Auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça, e revisor da versão original das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, com vários livros publicados na área de Registro de Imóveis, o Des. Narciso Orlandi Neto iniciou sua exposição com um alerta: - Nós vamos tratar de um tema que, eu antecipo, não tem solução. Quem veio ao seminário imaginando levar para casa solução para o problema dos loteamentos irregulares sairá frustrado. O problema não tem solução. O que nós podemos fazer é aliviar os problemas resultantes dos loteamentos irregulares. Mas uma solução que não implique sacrifício para alguém não existe. Conforme explicou o desembargador, o parcelamento do solo é um instrumento de urbanização que é do interesse público. Ao município interessa o parcelamento do solo para que possa dar moradia às pessoas. Mas geralmente o poder público não se dedica a essa atividade. Como as terras são particulares, o parcelamento do solo acaba sendo um instrumento particular de urbanização. A atividade do parcelamento do solo é uma atividade empresarial, exigindo a conciliação entre o interesse particular e o interesse público. Ao município, isto é, ao poder público, não interessa coibir o parcelamento do solo, mas sim disciplinar a atividade desenvolvida pelo particular. É por isso que o parcelamento do solo deve ser objeto de aprovação por parte do poder público. E, para aprovar, o poder público precisa de um planejamento de utilização do solo urbano. Esse planejamento deve ser transformado em normas que balizem os critérios de aprovação ou desaprovação do parcelamento do solo. "O ideal é que haja equilíbrio entre os interesses público e particular. Mas ocorrem, freqüentemente, desvios nesta conciliação entre os dois interesses. Surgem, então, as irregularidades do parcelamento do solo". Causas das irregularidades Entre as causas das irregularidades no parcelamento do solo, o Desembargador do Tribunal de Justiça paulista percebe, em primeiro lugar, uma confusão entre o interesse público e o interesse particular: "É muito comum, no município, o legislador legislar no interesse privado. Confunde-se o interesse daquele que se dedica à atividade empresarial com o interesse público, isto é, o interesse do município no uso e ocupação regulares do solo." Essas irregularidades podem ser causadas também pela necessidade: "A ocupação acelerada da área urbana do município sem que o município tenha tempo de se organizar, se dotar de normas é outra causa da ocupação irregular. Nenhum município tem recursos para destinar ao controle e ocupação do solo urbano. A falta de legislação é uma constante nos municípios brasileiros. Ou por falta de interesse ou por falta de conscientização, geralmente os municípios não se dotam de lei eficiente para disciplinar o uso e ocupação do solo. E, se há legislação, faltam técnicos eficientes para aplicação dessa lei." O desembargador aponta o nó do problema, "por paradoxal que pareça": as leis muito rigorosas. "A legislação municipal do uso e da ocupação do solo, de tão rigorosa, acaba incentivando a proliferação de loteamentos irregulares", critica. "Existe necessidade de moradia. A legislação não permite a atividade empresarial particular. Então, o proprietário interessado nessa atividade econômica, acaba partindo para o parcelamento à margem da legislação municipal." Ou seja, não basta ao município ter uma legislação que discipline a ocupação do solo, que seja ideal ou que seja ditada apenas por urbanistas: "O município pode ter uma legislação perfeita e, no entanto, ser alvo de loteamentos irregulares. Isso ocorrerá sempre as normas legais não se conciliarem com o interesse econômico que está por trás da atividade particular e empresarial do parcelamento do solo." O problema da falta de critérios Segundo o desembargador Narciso Orlandi Neto o ideal seria que todos os municípios tivessem pelo menos a lei de uso e ocupação do solo com os critérios que disciplinariam a ocupação do solo: "É utopia imaginarmos que o município, sem legislação, examine um projeto de parcelamento do solo, de loteamento ou desmembramento com critérios. O critério será puramente subjetivo ou nessa aprovação haverá uma confusão entre o interesse público e o interesse particular. É utopia imaginar que haja no município sem legislação técnicos independentes o suficiente para dar àquele projeto uma avaliação realmente técnica. E mais, o município que não tem legislação, evidentemente não tem planejamento." E sem planejamento de uso e ocupação de solo "é o caos". "A ocupação do solo será fatalmente desordenada. E o que se observa, muitas vezes, é uma conivência tácita entre empresário e poder público. Ao município interessa o imediatismo condenável da possibilidade de arrecadação de IPTU. A ocupação trará mais arrecadação de IPTU. Mas atrás da ocupação haverá problemas e o próprio município sofrerá as conseqüências." O pior de tudo é que esses problemas fazem soar um alarme, que sempre vem depois do problema instalado: "Não há alarme quando o parcelamento do solo está em fase de implantação. O poder público só é chamado quando, infelizmente, não há mais solução. Essas irregularidades surgem de uma forma muda, sem chamar a atenção de ninguém." O alarme soa apenas quando o adquirente prejudicado reclama de que o loteamento não foi regularmente executado: "Se o loteador, mesmo num parcelamento irregular, atende aos requisitos mínimos de ocupação do solo, isto é, se o adquirente do lote tem condições de moradia, ele não reclama. Ainda que o problema da propriedade não seja resolvido, ainda que os requisitos urbanísticos do parcelamento do solo não tenham sido atendidos, ainda que o parcelamento tenha se instalado numa área de aterro sanitário, por exemplo, o adquirente não reclama." "Resumindo, o ideal seria que todos os municípios tivessem leis adequadas, que os administradores municipais tivessem consciência do problema e, sobretudo, que houvesse fiscalização para fazer soar o alarme antes da instalação do problema." Regularização O palestrante chamou a atenção para o problema dos entendimentos absolutos na regularização do parcelamento do solo: "Nos arts. 3º e 4º da Lei 6.766 temos requisitos fundamentais do parcelamento do solo. No art. 3º, o legislador trata do solo que não pode ser ocupado. São os requisitos urbanísticos do parcelamento do solo. O § 5º do art. 40, com a recente alteração da Lei 6.766, vedou expressamente qualquer regularização que contrarie os arts. 3º e 4º. Isto é, sempre que desatendidos os requisitos desses artigos não há regularização possível do parcelamento do solo. O entendimento é absoluto: não há possibilidade de regularização. Essa proibição já existia implícita no caput do art. 40 mas agora o legislador foi mais expresso e previu essa impossibilidade de regularização no § 5º do art. 40." Embora a regularização do parcelamento do solo com infração aos arts. 3º e 4º da Lei 6766 seja proibida por lei, o problema existe. Existe o parcelamento que não observa o disposto nesses artigos: "A única maneira de se regularizar o parcelamento do solo que não observou os requisitos urbanísticos do art. 4º é contra a lei. A única maneira de se regularizar esse loteamento é com o sacrifício das exigências urbanísticas do município, do estado e da União. Vamos ter certamente esquecidas aquelas exigências da lei federal, da lei estadual e da lei municipal. E não há outra forma." "A subsistência desses parcelamentos que não podem ser regularizados porque não foram observados os requisitos do art. 3º e do art. 4º da Lei 6766 é inegável, é uma realidade. A sociedade se acomoda. O parcelamento fica. É irregular e fica. Não tem solução. O que a gente pode buscar é solução para o problema individual de cada um dos adquirentes. Mas o problema social não tem solução." "A absorção da violação dos índices urbanísticos do art. 4º é possível. O que o município e o estado têm que fazer é procurar minorar as conseqüências dessa violação. Por exemplo, o parcelamento do solo na região de proteção aos mananciais é proibido expressamente. Em hipótese nenhuma é possível a regularização. E alguém tira esses parcelamentos? Não, eles continuam, a sociedade se acomoda. Paciência, o manancial ficou poluído. Com o tempo vamos tentar resolver, individualmente, o problema de cada um dos adquirentes. Essa é a idéia da sociedade. Não há responsabilidade dos poderes executivo, legislativo, judiciário. Ninguém mais assume essa responsabilidade, simplesmente o problema é absorvido pela sociedade." "Nesses casos de violação dos índices urbanísticos mínimos exigidos pela lei federal e pela lei municipal, o município pode transigir. Se o loteador tiver remanescente na área loteada, o município pode exigir que esse remanescente seja destinado como área pública para diminuir o impacto daquele parcelamento irregular. Eventualmente a legislação do município pode exigir que o loteador destine áreas públicas em outras regiões da cidade em que haja necessidade e disponibilidade, até como forma de punir o empresário inescrupuloso. Outra alternativa é a desapropriação, mas essa é cara por isso não é solução." Em relação ao art. 3º da Lei 6.766, a lei proíbe a regularização pelo problema de habitabilidade: "A lei considera inabitável esse solo. Só o caput do art. 3º admitiria alguma contemporização, isto é, o parcelamento para fins urbanos localizado fora daquelas áreas em que a lei permite o parcelamento do solo para fins urbanos. O município pode absorver esse problema, certamente com sacrifício, porque terá que destinar infra-estrutura se admitiu o parcelamento do solo fora das áreas em que é possível o parcelamento do solo." "Então, em relação aos arts. 3º e 4º, mesmo que o poder público queira a regularização do parcelamento do solo, é impossível. Se tivermos a irregularidade naqueles requisitos fundamentais de parcelamento do solo, que dizem respeito ao próprio solo ou às exigências urbanísticas do parcelamento do solo, não há possibilidade de regularização. Mas eu repito: não obstante, raramente se vê a desocupação de um parcelamento ou de uma área ocupada por transgressão dos arts. 3º e 4º. Dificilmente se vê uma atitude, mesmo porque não há como tirar os moradores de uma área mal ocupada e transferi-los para outra área. Não existe outra área disponível, o poder público não tem condições de acomodar essas pessoas. Então, a sociedade convive com o problema e não há solução." Problemas ligados à propriedade O expositor identificou também três grupos de problemas ligados à propriedade: 1. Parcelamento do solo promovido pelo não proprietário: "O não proprietário promove o parcelamento do solo. Se ele não é o proprietário, evidentemente não pode aprovar o parcelamento do solo na prefeitura. Se ele não pode aprovar, vai parcelar sem aprovação. O loteamento será clandestino e quase sempre descumprindo o art. 4º da Lei 6766, isto é, sem observância dos requisitos urbanísticos." "Se esse parcelamento for executado, vai demorar mais tempo para aparecer a reclamação. Se não for executado, a grita será imediata, soa o alarme e desencadeia-se todo aquele processo visando à regularização pelo menos do problema de particulares." "Quanto à regularização desses parcelamentos do solo promovidos pelo não proprietário, em relação aos requisitos urbanísticos fundamentais, não há possibilidade de regularização. Em relação ao registro, a possibilidade de regularização também é mínima: se o loteador não é proprietário, não tem como outorgar a propriedade aos adquirentes. O problema particular de cada compromissário comprador vai ser resolvido com usucapião especial urbano da Constituição que, aliás, veio para isso." "Se o loteador não executar as obras, a conseqüência é o município assumir a execução da infra-estrutura do loteamento com prejuízo total. A única possibilidade do município conseguir algum ressarcimento é detectar o problema ainda durante o pagamento dos compromissários compradores para conseguir reunir um numerário que possa ser aplicado na execução das obras de infra-estrutura." Além do parcelamento feito pelo não proprietário, existe a hipótese do parcelamento feito pelo proprietário que utiliza um testa-de-ferro. "O proprietário de uma gleba que seja impedido de destiná-la ao parcelamento para fins urbanos (moradia) por causa do rigor da lei de zoneamento ou porque aquela gleba contraria o art. 3º da Lei 6766, ou seja, não pode receber o parcelamento do solo para fins urbanos, utiliza um testa-de-ferro. O testa-de-ferro promove o parcelamento e a cada lote que vende entrega uma parte para o proprietário. Houve invasão mas não há reclamação, não há nenhuma ação de reintegração de posse, muito menos reivindicatória, porque o proprietário participa dessa invasão através do testa-de-ferro. São características dessa ocupação a venda e ocupação rápidas, financiamento dos lotes e do material de construção. O compromissário comprador imediatamente constrói. Quando o poder público percebe, a irregularidade está instalada, já se criou a questão social e não há mais como eliminar o problema. O poder público apenas socorre, tentando resolver o problema dos adquirentes e instalando rede de água, luz elétrica, rede de esgoto e asfaltando as ruas. Ou seja, os problemas urbanísticos serão assimilados pelo município e em seu prejuízo: sem solução." 2. Direito de propriedade. "Em relação à propriedade também não tem como regularizar. Se o proprietário foi vítima da invasão não vai outorgar a escritura para ninguém. A solução dos problemas particulares estará no usucapião especial urbano." 3. Retificação. "Às vezes o loteamento pode ser regularizado, ainda que com prejuízo das exigências urbanísticas. Há interesse do município, há interesse do próprio loteador ou há interesse dos adquirentes dos lotes em regularizar o loteamento, mas eles enfrentam dificuldades no Registro de Imóveis porque a gleba está mal descrita. Nada impede que no próprio processo de regularização do parcelamento do solo seja feita a retificação. As Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo autorizam que o juiz determine o levantamento pericial, portanto não vejo obstáculo a que a retificação seja feita no mesmo processo de regularização. A retificação seria averbada antes da matrícula, seria aberta a matrícula com a nova descrição da gleba e seria feito o registro do loteamento e do parcelamento do solo." "Vale lembrar que para a retificação não se exige forma especial, basta que sejam satisfeitas as exigências do § 2º do art. 213 da Lei de Registros Públicos. O procedimento fica a critério do juiz, bastando que sejam citados os confrontantes e que haja intervenção do Ministério Público." Execução A execução do parcelamento do solo não chega a ser um problema insolúvel, segundo o palestrante. Para a execução das obras de infra-estrutura sempre existe uma solução. Porém, o município deve ter a cautela de, na aprovação do parcelamento do solo, exigir instrumentos de garantia que sejam realmente eficazes e rápidos. Mas em relação ao cronograma de obras, o desembargador Narciso Orlandi Neto entende que o município não pode prorrogar os quatro anos de prazo estabelecidos na Lei 6.766 porque os credores desse compromisso do loteador são os adquirentes. "A regularização é sempre possível quando a irregularidade está na execução das obras de infra-estrutura. E quando o loteador não pode executar essas obras, a responsabilidade é do município. Para isso ele vai precisar de recursos. E aí o problema é sério porque os municípios não têm a cautela de exigir um instrumento de garantia que tenha realmente eficácia. Os municípios exigem a hipoteca sobre lotes do próprio loteamento. Em primeiro lugar, se o loteamento não for executado esses lotes não valerão absolutamente nada. Executar essa hipoteca é como executar nada porque serão lotes apenas no papel. Em segundo lugar, é bom lembrar que o instrumento de garantia agora, com a modificação da Lei 6766, tem que ser apresentado quando da submissão do projeto de parcelamento do solo à aprovação da prefeitura. Não é possível oferecer lotes que não existem. Então, deve haver imaginação nessa garantia. Se a hipoteca satisfizer, que seja uma hipoteca sobre outros bens, que não os lotes daquele parcelamento de solo. Deve haver uma certa liquidez da propriedade para que a hipoteca valha alguma coisa, para que ela seja eficazmente exeqüível. "E mesmo a hipoteca sobre imóveis que ofereçam liqüidez não é satisfatória por causa da demora da execução. A hipoteca está longe de ser um direito real de garantia com rapidez na execução. Talvez haja possibilidade do município exigir outros instrumentos de garantia, eu menciono até a anticrese. Na anticrese há possibilidade de uma arrecadação simultânea, independentemente da execução. O loteador deve entregar a posse do imóvel ao credor para que este tenha recursos para executar as obras de infra-estrutura em caso de inadimplência. A propriedade fiduciária também seria razoável, não em lotes do próprio loteamento mas de outros bens imóveis que a prefeitura tivesse à disponibilidade para fazer recursos." A solução é prevenir. "Eu não apresentei nenhuma solução porque o problema não tem solução", constatou o expositor. "A solução é prevenir. A única maneira de evitarmos loteamentos irregulares é a prevenção. Se toda a sociedade se conscientizasse de que os loteamentos irregulares prejudicam a própria sociedade, haveria possibilidade de, pela fiscalização, evitar que eles surgissem. Depois de implantados os loteamentos irregulares, não há solução que não exija o sacrifício de alguma parte envolvida, geralmente o meio-ambiente."
Direitos
IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
Article Number
1112
Idioma
pt_BR