Notícia n. 1086 - Boletim Eletrônico IRIB / Outubro de 1999 / Nº 140 - 21/10/1999
Tipo de publicação
Notícia
Coleções
Edição
140
Date
1999Período
Outubro
Description
Jurisprudência SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA COHAB. PEDIDO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. "NÃO EXISTINDO PROVA DE POSSE, NÃO HÁ QUE SE BUSCAR TUTELA POSSESSÓRIA". DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA CONFIGURADA. - Processual civil. Recurso especial. Ausência de prequestionamento. Cuida-se de Recurso Especial interposto pela Companhia de Habitação e Urbanização do Estado do Espírito Santo - COHAB - ES com fulcro no art. 105, inciso III, alínea "a", da Carta Magna, contra v. Acórdão assim ementado: "Remessa 'Ex-officio' - Reintegração de posse - Escola edificada pelo município em área alheia - Alegação de abandono do local pelo proprietário - Desapropriação indireta - Possibilidade - Remessa provida. Sabe-se que posse é a exteriorização do domínio. No caso dos autos, falou-se que a área estava em abandono, fato não refutado por nenhuma das partes, gerando portanto presunção inequívoca de verdade. Não existindo prova de posse, não há que se buscar tutela possessória. No entanto, por se tratar de situação sui generis, alteração mais importante acabou por se operar. Configurou-se a desapropriação indireta, a partir do momento em que a municipalidade destinou ao terreno vazio e abandonado a finalidade precípua de servir à comunidade. Desta forma, sendo notório que um dos objetivos da desapropriação é a realização, na medida do possível, da justiça social, não se poderia considerar este caso em diferentes parâmetros. Assim, não se poderia interpretar o ocorrido, poderá o recorrente buscar através das vias apropriadas a justa indenização que lhe couber." Alega-se que a v. decisão arestada violou os arts. 485, 499 e 524, do Código Civil, 926, do CPC, 5°, XXII, da CF/88, e 9°, da Lei n° 5.741/71. Admitindo o Especial, subiram os autos a esta Colenda Corte. Relatados, decido. O recurso especial em exame não merece ter seguimento, haja vista ser manifesta a impossibilidade do seu conhecimento, por total ausência de prequestionamento. "A priori", descarto, em primeiro plano, a análise com relação à contrariedade ao dispositivo constitucional indicado, visto que ao Colendo STF compete tal apreciação. Examino os demais dispositivos legais indicados como afrontados. Considere-se que os arts. 485, 499 e 524, do Código Civil, 926, do CPC, e 9°, da Lei n° 5.741/71, indicados como afrontados, não foram abordados, como suporte da decisão, em nenhum momento, no âmbito do voto condutor do aresto hostilizado. Não foram, portanto, opostos embargos de declaração para tal fim. Confira-se o afirmado com a tese esposada no voto condutor: "Trata-se de análise de remessa Ex-officio enviada pelo MM. Juiz da Vara dos Feitos da Fazenda Pública Estadual, Municipal e de Registros Públicos de Vila Velha, ao proferir sentença nos autos da Ação de Reintegração de Posse que a Companhia de Habitação e Urbanização do Estado do Espírito Santo - COHAB-ES propôs em face do Município de Vila Velha. Verifica-se que o magistrado, após analisar os fatos narrados na inicial, achou por bem julgar procedente o pedido de reintegração de posse. E assim, ao final da sentença, acabamos por encontrar a determinação judicial de desfazimento da obra, ou seja, determinou a demolição do prédio onde funciona a Escola de Primeiro Grau "Deputado Mickeil Cheque". Não se poderia analisar todo o édito monocrático, sem que sejam vislumbrados os liames traçados por nossa Lei de Introdução ao Código Civil, e em casos tais, coerente é o pensamento exteriorizado por um Desembargador do Egrégio Tribunal da Bahia, qual seja: "...Na realização factual do princípio inserto no art. 5° da Lei de Introdução ao CC, o juiz há de atentar na realidade social dos seus dias, buscando ajustar a aplicação da norma jurídica axiologicamente atualizada. (...) Examinar as provas, instituir o correto enquadramento jurídico e interpretar de modo correto os textos legais à luz dos grandes princípios e das exigências sociais do tempo - eis a grande tarefa do juiz ao sentenciar. Entram aí as convicções sócio-políticas do juiz, que hão de refletir as aspirações da própria sociedade o juiz indiferente às escolhas axiológicas da sociedade e que pretenda apegar-se a um exagerado literalismo exegético, tende a ser injusto, porque pelo menos estende generalizações a pontos intoleráveis, tratando-se os casos peculiares como se fossem portadores de peculiaridades, na ingênua crença de estar com isso sendo fiel ao direito. O Juiz moderno compreende que só se lhe exige imparcialidade no que diz respeito à oferta de iguais oportunidades às partes e recusa a estabelecer distinções em razão das próprias pessoas ou reveladoras de preferência personalíssima. Não se lhe tolera, porém, a indiferença". (id. cf. em A Instrumentalidade do Processo, ERT, São Paulo, 1987, it. 28.3., p. 174/175). (Ac. un. de 2.CC do TJBA, de 12.12.89, no ap. 784/89, Rel. Des. Benito de Figueiredo, BF 34/112, Código Civil nos Tribunais - Darcy Arruda Miranda Júnior, pg. 18). E ainda, vale destacar que: " A interpretação das leis é obra de raciocínio, mas também de sabedoria e bom senso, não podendo o julgador ater-se exclusivamente aos vocábulos mas, sim, aplicar os princípios que informam as normas positivas" (RSTJ 19/461, maioria). E assim o é, pois nos deparamos com um grande problema que seria gerado, a partir do desfazimento de uma obra de grande vulto social, eis que de conhecimento geral a dificuldade existente em relação ao ensino público atual, sendo que o mesmo não é suficiente para suportar a demanda de alunos existentes. Desta forma não existem motivos pessoais, que possam suprimir o dano social que seria causado se fosse desfeito o prédio edificado onde funciona a escola de primeiro grau. Agora, em relação aos aspectos políticos, que a requerente tenta realçar, que por ventura possam ter envolvido a utilização de seu terreno, o certo é que, não se permite aqui, discussão deste jaez. Apesar deste aspecto que traz apreensão diante das possíveis conseqüências, vislumbra-se que o magistrado "a quo" fundamentou o édito monocrático, indicando que o requerido, Município de Vila Velha, implantou uma escola em área que sabia que não lhe pertencia, mas deixou assente que tal área estava abandonada, nos seguintes termos: "... e decorrido os dez anos da entrega do conjunto o Município de Vila Velha, ali se implantou uma obra que se destinava a uma escola, sem saber que tal área tinha outra destinação, com relevância maior por estar a referida área em completo abandono..." Analisando, portanto, todos os fundamentos do édito monocrático, juntamente com os argumentos expendidos nestes autos, o que se pode determinar, é que a área que o requerido utilizou, não lhe pertencia, mas o local em verdade estava abandonado. E desta maneira, acabamos por encontrar a requerente provando que detinham o domínio, mas não a posse do local em litígio. Não se faz necessário alongar demasiado o assunto, eis que indene de dúvidas o fato de que posse é a exteriorização do domínio. Falou-se que a área em abandono, fato não refutado por nenhuma das partes, gerando portanto presunção inequívoca de verdade. Não existindo prova de posse, não há que se buscar tutela possessória. No entretanto, por ser tratar de situação "sui generis", alteração mais importante acabou por se operar. Configurou-se a desapropriação indireta, a partir do momento em que a municipalidade destinou ao terreno vazio e abandonado, a finalidade precípua de servir à comunidade. Ademais, não se poderia entender de outra forma, eis que a COHAB, por ser uma sociedade de economia mista, por determinação legal, é em verdade pessoa jurídica de direito privado, conforme explicita Amador Paes de Almeida, em sua obra "Manual das Sociedades Comerciais". Sendo, portanto, alcançada pela figura da desapropriação indireta como qualquer particular. E assim é, uma vez que se sabe que a desapropriação é aquele ato da Administração que possui como fundamento a necessidade, a utilidade pública ou o interesse social, ou seja, em fundamento de natureza constitucional, que irão se sobrepor aos interesses do proprietário de um determinado bem. E seu alcance é tão grande, que vai além do direito da propriedade, para assim atingir os denominados Direitos Reais Limitados. Ressalvo, fazendo minhas as palavras do renomado mestre Pontes de Miranda, que "a regra jurídica constitucional é bastante em si, self-executing". Desta forma, sendo notório que um dos objetivos da desapropriação é a realização, na medida do possível da justiça social, não se poderia considerar este caso em diferentes parâmetros. A jurisprudência mais esclarecida indica, expressamente: "Desapropriação indireta. Invasão de partes de terrenos contíguos. Uma vez concluída a construção de escola pública pelo Município, descabe a reintegração, por caracterizar-se a desapropriação indireta. Sem expresso e oportuno pedido não é possível conceder-se indenização por desapropriação indireta nos autos da possessória". (Reintegração de Posse - Ap. CV 89332 - Reg. 736 - Quinta Câmara - Juiz Elmo Arueira - julg. em 15/02/84 - Tribunal de Alçada Cível do Rio de Janeiro). E ainda podemos citar: "Desapropriação indireta - Reintegração de posse contra a municipalidade - Improcedência - Ação de indenização. Consumada a desapropriação indireta, com a integração do bem particular ao domínio público, pelo aproveitamento da área como praça de uso comum, resta ao proprietário valer-se da ação indenizatória. A prescrição da ação do particular contra a desapropriação indireta é vintenária. Rejeição da preliminar de prescrição e provimento do apelo para julgar improcedente a ação possessória". (Ap. CV. 5608/95 - Reg. 3969-2 - Cod. 95.001.05608 - Terceira Câmara - Unânime - Juiz: Asclepíades Rodrigues - Julg. em 06/11/95 - Tribunal de Alçada Cível do Rio de Janeiro). Desta forma, não se poderia interpretar o ocorrido de outra forma, e em querendo, poderá o requerente buscar através das vias apropriadas, a justa indenização que lhe couber. Diante do que conheço da remessa necessária e lhe dou provimento, para julgar improcedente a reintegração de posse, eis que patente a figura da desapropriação indireta, com a inversão do ônus da sucumbência . É como voto." Este Colendo Superior Tribunal de Justiça já se posicionou nessa linha: "Incidindo, na espécie, o óbice relativo ao prequestionamento dos dispositivos legais tidos como violados, mesmo que tal afronta se dê no próprio acórdão, devem ser opostos embargos de declaração, para suprir a referida exigência" (STJ - 1ª Turma, Ag. 7.239-RJ - AgRg. Rel. Min. José de Jesus Filho, j. 17.04.91 DJU de 06.05.91, p. 5.645). Portanto, os dispositivos legais indicados não foram examinados pela v. decisão guerreada, de modo explícito, como assim é exigido. Falta, destarte, a condição para o processamento do recurso do prequestionamento, viabilizador da instância excepcional. Da mesma forma, não há que se cogitar em prequestionamento se o acórdão não apreciou os dispositivos legais tidos como violados. Esse, também, é o posicionamento da Augusta Corte Suprema: Ag. n° 104.153-6-SP Rel. Min. Oscar Corrêa, DJU de 1°/8/85, e AI n°148.138-2, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU de 16.8.93. No julgamento do Ag n° 20.126-5-SP, este Colendo Tribunal decidiu que: "De fato, os dispositivos legais tidos como malferidos não foram ventilados, de forma explícita, no acórdão guerreado, condição esta exigível para viabilizar o processamento do recurso especial, incidindo, in casu, o óbice das Súmulas 282 e 356 do STF (Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU de 20.4.92, pág. 5.272) e que "O recurso especial não prescinde do prequestionamento, sendo regra geral a de que venha explícito, segundo corrente majoritária predominante nesta Corte, admitindo-se em casos excepcionais o denominado prequestionamento implícito" (AgRg no AI n° 20.042-0-MG, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU de 21/9/92, pág. 15.661) e, por fim, que "A simples alegação de que a lei foi contrariada não é suficiente para justificar o recurso especial, pela letra "a" da previsão constitucional, tem-se, antes que demonstrá-la a exemplo do que ocorre com o recurso extraordinário." (in DJU de 2/8/93, pág. 14.231, Ag. Reg. n° 22.394-7-SP Rel. Min. José de Jesus Filho). Destarte, o conhecimento do presente processado pela alínea "a", está obstaculizado pelas Súmulas n°s 282 e 356, do Colendo STF (AI n° 8.832-SP, Rel. Min. Américo Luz, DJU de 11.3.91, pág. 2.411, AI n° 8.278-SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJU de 13.3.91, pág. 2.516 e AI n° 13.210-SP, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJU de 6.8.91, pág. 10.197). Inquestionavelmente não houve prequestionamento na decisão hostilizada do tema jurídico aflorado pela recorrente. Portanto, não há possibilidade de exame da aplicação de tais dispositivos em sede de recurso especial. Sendo esse o panorama dos autos, inviável se torna a pretensão da parte recorrente de que se realize o exame do processado. Este, em decorrência do acima exposto, não merece ser conhecido. Por tais considerações, não há de se emprestar caminhada ao Especial. Incidem, no caso, as Súmulas n°s 282 e 356, do STF. Posto isto, com amparo no art. 38, da Lei n° 8.038/90, c/c o art. 557, do CPC, e nas Súmulas n°s 282 e 356/STF nego seguimento ao Recurso. Brasília, 16/8/99. Ministro José Delgado - Relator. (Recurso Especial nº 204852/ES DOU 25/8/99 pg.44)
Direitos
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Article Number
1086
Idioma
pt_BR